Informações da coluna
Gustavo Poli
Ausente, presente
O futebol tem pequenas alegrias e grandes tristezas. O Botafogo derrotou seu destino de Sísifo — subiu a montanha e plantou a pedra
RESUMO
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GERADO EM: 20/12/2024 - 18:01
Futebol: Vitória e Saudade no Botafogo - A Intensidade Emocional
O futebol traz alegrias e tristezas, com o Botafogo vencendo seu destino de Sísifo. Em um domingo especial, a homenagem aos mortos contrasta com a alegria da vitória. A experiência única de vivenciar a felicidade e a saudade se misturam. O jornalista Guilherme Van der Laars, falecido na tragédia da Chapecoense, esteve presente de forma ausente. A intensidade emocional do futebol é comparada a um orgasmo, onde o torcedor vive a história como se fosse parte dela. A breve ilusão da vitória traz um momento de suspensão no tempo, desafiando a saudade.
Aconteceu no domingo, 8 de dezembro, como acontece em tantos outros domingos. Pouco antes de Botafogo x São Paulo, o telão do Estádio Nilton Santos exibiu uma lista. Era a lista dos mortos recentes — os mortos recentes do Botafogo. Nomes em branco sobre fundo preto que enunciavam a derradeira homenagem — a quietude de um minuto antes do estrondo esportivo.
Um rápido, estrangeiro silêncio, antes do ruído de um domingo em que 40 mil torcedores vivos seriam alegres como jamais. Veriam seu time ganhar Brasileiro e Libertadores quase juntos pela primeira, única vez. Essa sensação condensada não se repetirá. Nunca haverá outra primeira vez.
Mas… e os mortos? Eram dez, talvez 12 pessoas naquela lista. Havia uma melancolia feroz ali — naqueles nomes que tinham chegado tão perto da felicidade esportiva e, por um mês, uma semana, um dia... não tinham podido vivê-la. Tinham sofrido apenas a queda — sem apreciar a redenção.
Dias antes, alguns deles tinham sido homenageados no Monumental de Núñez. Um filho ergueu a foto do pai ao lado do campo. Dois rubro-negros carregaram a bandeira do irmão morto. E, no meu universo particular, a imagem da família (irmão, esposa e filhos) de um querido amigo na arquibancada argentina.
Guilherme Van der Laars foi um espécime raro — um botafoguense otimista. Carioca, tinha um sorriso moleque perene no rosto quase sempre vermelho. Ele foi embora deste plano na tragédia da Chapecoense. Era um dos jornalistas escalados para cobrir a final sul-americana que nunca aconteceu.
Nessa outra final que aconteceu, lá estava Guilhe Guerreiro, ausente mas presente. Imensamente ausente, incrivelmente presente. Com os seus. Os seus que ficaram aqui para experimentar esse misto de alegria, saudade e sentido.
A alegria plena não é descritível, apreensível ou capturável. Uma expressão francesa descreveu, certa vez, o orgasmo como uma pequena morte — uma sensação tão absoluta que por um instante afasta todas as outras, inclusive a percepção de tempo. Você está ali naquele instante, mas é como se não estivesse. Sente mais do que é capaz de perceber.
Cogitar que o futebol — um esporte em que o torcedor é participante indireto — tenha semelhante capacidade soa quase absurdo. Um evento em que o mero espectador se sente parte da história a ponto de vivê-la como tragédia, comédia, drama ou epifania. Para o torcedor do Botafogo, esses dois anos pareceram uma névoa — da qual ele abruptamente emergiu atarantado. Em nenhuma imaginação sóbria a distância entre pesadelo e sonho seria tão curta. E de repente, não mais que de repente, em 12 dias, tudo aquilo que poderia ter sido e que não foi… subitamente foi. Se tornou. Aconteceu.
O impacto desse meteoro emocional ainda vai ser digerido — além da felicidade, da cerveja bebida ou arremessada, do tempo que seguirá passando e arrancará essa imagem insistente do presente para transformá-la em memória. Por um segundo pensei apenas na alegria que Guilherme sentiria — e no significado que estar ali trouxe para os Van der Laars.
O futebol tem pequenas alegrias e grandes tristezas. Tem pequenas tristezas e grandes alegrias. O Botafogo derrotou seu destino de Sísifo — subiu a montanha e plantou a pedra. Por um breve intervalo, porque ela sempre desce. Todas descem. Mas essa breve fração de tempo e espaço — em que nada parece passar e tudo parece ser — ilude até a pior das saudades.