Após o empate entre Maccabi Haifa e Ajax, na última quarta-feira, Amsterdã foi palco de um confronto. Torcedores do israelense Maccabi foram espancados e perseguidos pelas ruas holandesas. Algumas fontes dizem que eles entoaram cânticos provocativos e foram atacados por imigrantes árabes revoltados. Outras dizem que eles foram emboscados.
Nas redes sociais e nos jornais vemos imagens terríveis. Brigas, espancamentos, correria pelas ruas e gritos. Uma bandeira palestina é removida no alto de um prédio. Um torcedor desacordado do Maccabi é brutalmente chutado no chão.
Cinco pessoas foram hospitalizadas e 62 presas pelas autoridades holandesas, que apontaram antissemitismo. O governo israelense enviou aviões para resgatar seus cidadãos (para Israel, ver cidadãos sendo perseguidos em terreno europeu certamente ativa um gatilho profundo — em especial na cidade em que Anne Frank escreveu seu diário).
Qual é a verdade? O que aconteceu exatamente?
Não sabemos. E, apesar da profusão de câmeras e olhos, é cada vez mais difícil saber. Nas redes sociais... vemos apenas recortes. E cada lado recebe uma versão. A verdade soa cada vez mais relativa. Quem procura entendê-la para contá-la corretamente é visto com desconfiança.
A verdade não é necessariamente agradável, nem atende a visões deste ou daquele lado. Em geral é complexa e traz nuances que nossos valores tribais preferem não digerir. Até porque já temos nossas verdades. Na telinha que carregamos na mão, recebemos diariamente uma dieta de conteúdo confortável. Dieta essa que informa a cada passagem de dedo: sua tribo está certa. A outra está errada. A culpa é do lado de lá.
Eu costumava brincar: o torcedor de futebol tem a isenção do leão diante da presa. O que ele chama de imparcialidade, é parcialidade a favor do seu time.
Não imaginei que as redes sociais seriam capazes de nos transportar tão rápido para uma arquibancada infinita.
Quem fala a verdade? A imprensa? O governo? Os políticos que se dizem perseguidos por eles? A desconfiança venceu. Os opinocratas venceram. A informação está perdendo. A imprensa é vista como adversária por todas as tribos. Jornalismo de qualidade custa caro — e sua conta é cada vez mais difícil de pagar. Desconfiar gera mais engajamento do que informar — e é muito mais barato. O ecossistema remunera o viés e a falta de isenção. Qual o futuro? Que empresa vai querer financiar algo que o público valoriza cada vez menos?
Entramos vagarosa e inconscientemente na Matrix do filme. Fomos sendo anestesiados e mentalmente aprisionados em zonas de conforto. Os algoritmos de bolso nos dominam, nos alimentando com os mesmos mantras que confirmam nossas crenças. Que estímulo temos para ouvir alguém que discorde e nos faça pensar?
Amsterdã trouxe o futebol para o conflito árabe-israelense, tão tristemente em ebulição. Os espíritos parecem cada vez mais armados por toda parte. O esporte deveria servir para nos distanciar da violência — não o contrário. Mas neste século, cada vez mais nos ouvimos menos. Conversamos menos. Diria Roberto Carlos: todos estão surdos. Estamos todos...ficando surdos.