Histórias tão ricas como as dos grandes clubes brasileiros não cabem em uma lista tão breve como a que vem a seguir. E é por isso que esse desafio se torna instigante. Inspirado pelo “New York Times", que tentou explicar o futebol como o conhecemos a partir de seis jogos transformadores, O GLOBO publicou uma versão nacional da lista. E, agora, expande o desafio para o universo particular de cada equipe.
Fluminense: Seis jogos que ajudam a entender a história do clube
A vez é do Flamengo. Este texto não pretende recordar as exibições mais vistosas da história do clube, tampouco aquelas que o torcedor guarda com mais carinho por representarem conquistas de peso. Portanto, não se decepcione — sabemos como os 3 a 0 sobre o Liverpool e o gol de falta de Petkovic são importantes para você. Mas o exercício aqui é no sentido de pontuar alguns confrontos que foram definidores para que conhecêssemos o rubro-negro como ele é hoje, seja por um olhar em retrospectiva, seja pelo que ele antecipa em relação ao futuro.
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Eis a lista.
Fluminense 3 x 2 Flamengo
Este talvez seja o único jogo nas listas de dois clubes diferentes. Afinal, como explicar as histórias de Flamengo e Fluminense sem voltar aos 40 minutos antes do nada? É verdade que a estreia do Clube de Regatas como equipe de futebol acontecera dois meses mais cedo, numa vitória por 15 a 2 sobre o Mangueira. Mas foi o encontro do dia 7 de julho de 1912, em Laranjeiras, que melhor simbolizou a independência rubro-negra e o nascimento do clássico mais charmoso do mundo.
A história da dissidência você já conhece: um grupo de atletas tricolores, liderados por Alberto Borgeth, decidiu deixar o clube após uma série de desentendimentos com os cartolas. Encontraram uma saída ao fundar o departamento de futebol do Flamengo, até então um clube de remo.
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O clássico rodriguiano se tornou uma das maiores grifes do esporte e em, 1963, teve o maior público da história de uma partida entre clubes, com pelo menos 177 mil torcedores no Maracanã, segundo estimativas.
Flamengo 4 x 0 Vasco
Este é, sem dúvidas, o jogo menos popular desta lista. E muitos rubro-negros apontarão que não há nada de especial neste 4 a 0 sobre o Vasco, uma vez que o título carioca já havia sido confirmado uma semana antes, sem que o rubro-negro entrasse em campo.
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Mas a volta olímpica nas Laranjeiras encerrou um jejum de 12 anos sem títulos cariocas, até hoje o maior da história rubro-negra. Mais do que isso: coroou um trabalho de vanguarda que havia começado seis anos antes, quando Bastos Padilha assumiu a presidência e começou a transformar o Flamengo no que ele é hoje. Padilha foi o responsável por, enfim, profissionalizar o departamento futebol rubro-negro e construir o estádio da Gávea.
Também foi o mentor da aposta em ídolos negros, como Domingos da Guia e Leônidas da Silva, um movimento que é apontado como fundamental para a consolidação do Flamengo como o clube de massa de abrangência nacional que conhecemos hoje. Padilha deixou a presidência em 1938, sem conquistas, mas tendo pavimentado o caminho para todos os frutos que viriam depois: o primeiro deles, o título de 1939.
Flamengo 1 x 0 Vasco
Em 1978, o título estadual ainda era o mais desejado em terras cariocas. E o Flamengo, que hoje goza de vantagem histórica sobre todos os rivais, vivia um momento de particular baixa autoestima. Após frustrações nos anos anteriores contra o Vasco, aquela geração de crias da Gávea, repleta de talentos fora de série, já lidava com certa desconfiança. Os próprios torcedores a acusavam de ser sem sangue, contrariando um princípio fundamental do clube.
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Mas, em 3 de dezembro, a história mudaria de curso. Na decisão do Carioca de 78, o empate que dava o título ao cruz-maltino persistiu até os minutos finais. Aos 41 da etapa final, porém, uma cobrança de escanteio de Zico encontrou um Rondinelli que avançava pela área para superar o então zagueiro Abel Braga e testar o título diretamente para a Gávea.
Mais do que um título, o Deus da Raça trouxe a libertação a toda uma geração. A Era Zico começou ali.
Flamengo 3 x 0 Santos
O Flamengo de 81, reconhecido como um dos maiores times da história, é o ápice de uma era vitoriosa que começara na cabeçada de Rondinelli e se estenderia até este categórico 3 a 0 sobre o Santos, no Maracanã, em 1983.
Você provavelmente se enche de orgulho do baile de mesmo placar aplicado no Liverpool, em Tóquio, para consagrar como campeões do mundo os onze imaculados: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Mas aquela exibição de gala é muito mais um apogeu do que um momento de transição.
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Em 29 de maio de 1983, sim, a história mudaria de curso. Mesmo machucado, Zico precisou de menos de um minuto para encaminhar o terceiro título brasileiro do Flamengo em quatro temporadas, ratificado pelos tentos de Leandro e Adílio antes do apito final. A venda do Galinho para a Udinese, já alinhada mas ainda não anunciada, iniciaria uma era de desamparo que o rubro-negro Moraes Moreira soube externar nos versos “E agora, como é que eu fico / nas tardes de domingo / Sem Zico no Maracanã?”.
Por muito tempo, o Flamengo não soube responder…
Flamengo 0 x 3 América-MEX
Este é um jogo que dói nos rubro-negros. Dói porque é uma das páginas mais vergonhosas da história do clube, e dói porque ele é capaz de reunir muitos elementos que explicam o que foi o Flamengo no século XXI.
Depois de vencer por 4 a 2 no México, o Flamengo se despediria do técnico Joel Santana, rumo à seleção da África do Sul, com a formalização da vaga nas quarta de final. Mas, no meio do caminho, havia Cabañas — um de muitos carrascos de nome peculiar que ganharam popularidade (entre rivais) por brilharem contra o rubro-negro.
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Os 3 a 0 a favor dos mexicanos foram um fracasso em casa que só encontra paralelo recente no vice-campeonato da Copa do Brasil de 2004 para o Santo André. E o mais gelado balde de água frio no rubro-negro em Libertadores, apesar da lista ser longa: Defensor-URU, em 2007, Universidad do Chile, em 2011, e diversas quedas na fase de grupos.
Na década passada, o Flamengo venceu uma Copa do Brasil (2006) e um Brasileirão (2009) e fez boas campanhas nos anos intermediários. Mas é esse revés na Libertadores que melhor ilustra um período de vagas magras, que ainda se estenderia por alguns anos.
Flamengo 2 x 1 River Plate
A revolução administrativa iniciada por um grupo de rubro-negros, em 2013, demorou a render frutos. Mas, ao substituir Eduardo Bandeira de Mello na presidência do clube, em janeiro de 2019, Rodolfo Landim se sentiu confortável para investir centenas de milhões de reais na montagem do melhor elenco do país hoje.
O plano do dirigente quase foi por água abaixo com a escolha de Abel Braga para o comando técnico. O treinador fez comentários que desagradou a torcida, minimizou derrotas e esqueceu De Arrascaeta no banco de reservas. Impopular, acabou pedindo demissão, o que abriu caminho para a chegada da peça transformadora: Jorge Jesus.
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Em tempo recorde, o Mister fez o Flamengo praticar o futebol mais exuberante das Américas neste século. E, no dia 23 de novembro de 2019, deu a demonstração final de sua bravura ao abrir mão de volantes e tentar buscar a virada na final da Libertadores com Vitinho e Diego diante de um River Plate encardido.
Em três minutos, Gabigol entrou para a história e quebrou uma maldição. No dia seguinte, o rubro-negro ainda confirmaria o título rubro-negro, com a maior pontuação dos pontos corridos de 20 clubes e a maior vantagem sobre um vice-campeão. Aquele fim de semana catártico pode ter sido a virada de chave definitiva rumo à ambicionada hegemonia rubro-negra.