Informações da coluna
Carlos Eduardo Mansur
Futebol doente transforma novo Mundial de Clubes em um estorvo
Um campeonato com os maiores clubes do mundo, no lugar de seduzir, por ora é visto apenas como mais um produto para expor a desigualdade e sacrificar as pernas cansadas dos astros mundiais
RESUMO
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GERADO EM: 18/11/2024 - 22:50
Desigualdade no Mundial de Clubes e desafios no futebol brasileiro
O novo Mundial de Clubes enfrenta desconfiança e desinteresse devido à desigualdade no futebol. O calendário sobrecarregado e lesões de jogadores também são problemas. A competição é vista como mais um produto que expõe desigualdades e sacrifica astros. No campo, o Brasil precisa equilibrar ataque e defesa diante do Uruguai. O retorno da camisa 10 ao Santos na Série A é discutível, mas simbólico.
Imagine ser um jogador de futebol e saber que terá a chance de competir num torneio com outros 31 dos melhores times do planeta, contra algumas dezenas dos principais atletas da atualidade e num formato idêntico ao das últimas edições da Copa do Mundo de seleções. Parece sedutor.
Agora, imagine ser torcedor de um clube classificado para esse torneio. No horizonte, há a chance de ver sua camisa e seus símbolos colocados entre os gigantes do futebol mundial, durante um mês, numa competição de alcance global. Também parece uma ideia atraente.
Tudo isso para dizer que os narizes torcidos, a desconfiança mundo afora, a ameaça de boicote, o aparente desinteresse na Europa e a dificuldade de se comercializar o Mundial de Clubes em diversos continentes são sinais claros de que o futebol está doente. A ponto de transformar em estorvo um torneio que deveria gerar grande expectativa. Vivemos numa era globalizada, em que conquistas locais parecem perder valor quando confrontadas com disputas internacionais. Mesmo assim, tem sido difícil fazer a Copa do Mundo de Clubes ganhar adeptos.
Tudo começa pela maior patologia do jogo moderno: a desigualdade. Não é simples vender, especialmente na Europa, a ideia de consagrar um “melhor time do mundo” por um caminho que não seja o da Champions League. É quase impossível convencê-los de que há um desafio real nos enfrentamentos intercontinentais. Ou mesmo que um eventual campeão não europeu será visto pelo mundo como o melhor time do planeta.
A concentração de dinheiro e de estrelas nos principais clubes do continente criou uma sensação de centro e periferia que, neste momento, é difícil de romper. As recentes edições do Mundial de Clubes exibiram fartos sinais do abismo. Das Américas, da África ou da Ásia viajavam desafiantes cheios de sonhos. Aos olhos do mundo, a dúvida não era se venceriam, mas o quanto seriam capazes de resistir. Quando isso ocorre, o futebol tem um problema. Na percepção do espectador global, é como se o verdadeiro Mundial já fosse jogado, ano após ano, com o nome de Liga dos Campeões da Europa.
A outra patologia é o calendário abarrotado, a ponto de provocar reações de jogadores mundo afora. Se é verdade que a ampliação de competições, a criação de novos produtos comerciais, termina por fazer girar a roda de uma indústria que remunera de forma generosa as suas estrelas, também é fato que quantidade e qualidade nem sempre caminham juntas. A data Fifa que termina hoje é um exemplo.
Criada em 2018, a Liga das Nações da Uefa prometia dar competitividade a todas as datas destinadas às seleções e ampliar os choques entre as grandes potências. Hoje, a sensação de êxito não é tão clara. Fechada em si mesma, a Europa viu neste fim de semana ocorrerem jogos como Itália x França, Croácia x Portugal, Inglaterra x Irlanda ou Espanha x Dinamarca. Os ingleses pisaram em Wembley com oito desfalques, alguns deles de peso. A França venceu a Itália sem Griezmann, Mbappé e Dembélé. Cada ausência tem sua razão específica, mas o contexto é um torneio visto quase como amistoso, enquanto os grandes encontros parecem banalizados. A verdade é que joga-se demais, atletas se lesionam de maneira endêmica e o interesse das partidas parece justificar menos que se sacrifiquem por suas seleções.
Soa paradoxal, mas o futebol globalizado parece cada vez mais partido. E nele, um campeonato com os maiores clubes do mundo, no lugar de seduzir, por ora é visto apenas como mais um produto para expor a desigualdade e sacrificar as pernas cansadas dos astros mundiais.
Desequilíbrio
O bom desempenho ofensivo do Brasil no primeiro tempo contra a Venezuela não deixou de cobrar um preço: o desequilíbrio defensivo. Um ataque muito vertical, de pouca pausa, criou bons momentos com bola, mas permitiu que a seleção se partisse ao meio em muitos momentos. O que gerou espaços demais para os volantes Gerson e Bruno Guimarães defenderem. Hoje, o Uruguai pode ser mais capaz de punir tais erros.
Desafio
A lembrança da Copa América está viva. Contra os uruguaios, uma seleção sem respostas diante da marcação individual de Marcelo Bielsa. A saída de bola sofreu. A dupla de volantes escolhida por Dorival Júnior — Gerson, André e Bruno Guimarães disputam vaga — terá papel fundamental para fazer o Brasil sair de trás. Mas a tarefa é também coletiva: ter mecanismos para romper a pressão homem a homem do Uruguai.
A 10 de Pelé
O Santos voltou à Série A. Volta também a camisa 10, que o clube não usou na segunda divisão em homenagem a Pelé. A intenção foi boa, mas a ideia é discutível. Não há queda capaz de profanar a imagem do Rei, são temas dissociados. E esportistas da mais alta elite entendem a nobreza da volta por cima, da reconquista no campo. O Santos não fez grande Série B, mas volta com dignidade, como provavelmente Pelé gostaria de ver.