Listas, rankings, seleções... a parada no esporte devido à pandemia do novo coronavírus é uma chance de avaliar o passado e animar para discussões entre torcedores em casa – ou no bar, quando for possível voltar a frequentá-los. Na semana passada, O GLOBO publicou a lista dos seis jogos que ajudam a entender a história do futebol mundial, e também uma versão brasileira da lista. Agora, é a hora dos clubes. O desafio é simples e difícil: escolher não as melhores ou as mais grandiosas partidas da história de cada time, e sim as que ajudam a entender melhor a história de cada escudo.
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Escolher apenas seis jogos em histórias centenárias é uma missão complicada, mas a limitação faz pensar em uma narrativa que explica não só trajetória histórica do clube, como ajuda a entender como cada time chegou até aqui do jeito que é hoje, com suas glórias e derrotas, virtudes e defeitos, do jeito que faz o torcedor morrer, há mais de um mês, de saudade.
Hoje é dia do Botafogo. Eis a lista:
Botafogo 3x1 Vasco
Ao conquistar o Estadual de 1948, o Botafogo finalmente foi campeão como o Botafogo que conhecemos hoje: com o escudo que já foi eleito o mais bonito do mundo. Apesar de gloriosa (inclui um único tetracampeonato carioca, títulos que foram para o hino e a maior goleada do futebol brasileiro), a história do clube até este título é um pouco confusa: envolve uma taça conquistada em 1907 só reconhecida na década de 90, heróis do passado que ficaram menos conhecidos pelo tamanho dos que viriam, resistência ao profissionalismo e uma fusão entre clube de remo e de futebol na década de 1940.
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O Botafogo como Botafogo de Futebol e Regatas mesmo, profissional e da estrela solitária, só foi campeão ao vencer o Vasco naquela tarde de dezembro para 20 mil pessoas no extinto campo de sua sede. Era só um ensaio para as glórias que viriam, com um jovem Nilton Santos em campo, na sua primeira de 17 temporadas com a camisa alvinegra.
Depois de três vices seguidos, finalmente a taça ia para o alvinegro, com uma triste, porém marcante coincidência: Heleno de Freitas, o primeiro de tantos gigantescos ídolos do clube, deixara a equipe alguns meses antes. Apesar de ter ficado na história e ter sido um dos maiores jogadores que já vestiram a camisa do Botafogo, nunca levantou um troféu com a camisa que tanto amou e pela qual lutou. Era o começo da máxima conhecida: a de que tem coisas que só acontecem com este clube.
Botafogo 3x0 Flamengo
Não tem pergunta mais difícil do que responder qual foi o maior momento da história de um clube. Não há instrumento que meça o apogeu de uma instituição carregada de paixão. No Botafogo, porém, a missão é um pouco mais fácil se entendermos o que aconteceu na tarde de 15 de dezembro de 1962 no Maracanã.
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O bicampeonato carioca foi conquistado contra o Flamengo, o maior rival, em uma época em que o rubro-negro era famoso pela freguesia, a ponto do goleiro Manga repetir que, "contra eles, o bicho é certo". A diferença dos outros títulos estaduais de uma década dominada pelo Botafogo no Rio (1961, 1962, 1967 e 1968, além de três Rio-São Paulo e uma Taça Brasil), é justamente o auge: Garrincha, maior ídolo dos alvinegros, vivia seu melhor momento de uma carreira marcada por uma grande subida e outra grande descida; o ataque formado por ele Quarentinha, Amarildo e Zagallo só competia com o Santos de Pelé. Fora isso, Nilton Santos já era a voz da experiência de um dos maiores esquadrões que o Brasil já viu.
Por fim, o título estadual foi só o aperitivo final: meses antes o Brasil conquistara a Copa do Mundo no Chile com cinco botafoguenses no elenco. O Botafogo, que galgou ali naquela década uma grandeza quase eterna, nunca mais foi tão glorioso.
Botafogo 0x1 Fluminense
Depois de uma era vitoriosa, a derrota – ainda que polêmica – para o Fluminense na final do Estadual em 1971 é um símbolo na história: caiu ali a ficha de que os bons ventos já não sopravam como antes.
Com um grande time liderado por Paulo César Caju e Jairzinho, o alvinegro poderia ter sido campeão com rodadas de antecedência, mas relaxou. Na rodada final, com a vantagem do empate, ficou atrás e acabou tomando um gol sem conseguir se recuperar. Era o terceiro ano sem títulos, algo que não acontecia há mais de uma década, prólogo de um jejum bem pior: com mais 18 anos pela frente até a próxima taça, o Botafogo ficaria 21 anos sem título, o maior jejum do clube, que marcou uma geração.
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A derrota para o Fluminense acabou com a empáfia alvinegra de melhor time do Rio e deu o recado: ainda que no tropical Rio de Janeiro da década de 70, um enorme inverno vinha pela frente.
Botafogo 1x0 Flamengo
O fim do jejum. A quebra da maldição que durava já 21 anos, no dia 21 de junho, com o placar eletrônico do Maracanã marcando 21ºc. O gol que saiu do cruzamento de Mazolinha (camisa 14) e finalização de Maurício (usando a 7; e a soma das camisas dá... 21) aos 12 do segundo tempo (21 ao contrário) é tão cabalístico que, sem dúvidas, é o jogo mais importante da história do clube.
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A vitória contra um estrelado Flamengo de Zico é o fim da maldição: desde 1968 o Botafogo não levantava uma taça. A chacota por mais de duas décadas tinha chegado ao fim. Ídolos como Mendonça e Marinho Chagas foram vingados. Derrotas doídas como a da semifinal da Libertadores de 1973 para o Colo-Colo, ou a polêmica semifinal para o São Paulo no Brasileiro de 1981, superadas. Dali para frente, ainda que os tempos gloriosos dos anos 60 nunca tenham voltado, alguns troféus voltaram a ir periodicamente para General Severiano.
Santos 1x1 Botafogo
Um Campeonato Brasileiro, uma Copa Conmebol, dois Cariocas, um Rio-São Paulo e uma Taça Cidade Maravilhosa, além de uma final de Copa do Brasil – perdida, mas com o Maracanã recebendo mais de 100 mil pessoas pela última vez em sua história. O Botafogo foi um time vencedor nos anos 90, formando outra geração de torcedores. Em todos esses anos, um foi mais especial: 1995.
O jogo contra o Santos no Pacaembu – marcado pela polêmica dos dois gols terem sido irregulares e por um impedimento mal marcado – foi o auge de um Botafogo que deu orgulho ao torcedor. Dias antes, a recuperação da sede de General Severiano foi a cereja antes do bolo no resgate da autoestima alvinegra.
Um ano e troféu tão importantes que alçariam o presidente da época, Carlos Augusto Montenegro, a figura onipresente na política do clube até hoje. Ídolos daquela conquista, como Túlio, Gottardo, Wagner (o melhor em campo no jogo), Gonçalves e Sérgio Manoel também foram eternizados no muro em frente à sede. O Botafogo do fanfarrão Túlio Maravilha, o maior ídolo do clube após os anos 60, conquistou o Brasil. Tudo resolvido em uma tarde em São Paulo marcada por uma memorável decisão entre os clubes que tiveram os maiores esquadrões na era de ouro do futebol brasileiro.
Atlético-PR 1x1 Botafogo
Rebaixado para a Série B pela primeira vez em sua história em 2002, o Botafogo conquistou o acesso um ano depois, com jogos no Caio Martins que poderiam muito bem estar nesta lista. Na temporada seguinte, na primeira vez em que disputou o Brasileirão de pontos corridos, o alvinegro, liderado pelo veterano Valdo, lutou até a última rodada para não cair novamente para a Segunda Divisão. Uma nova queda ali, com o clube em um dos seus piores momentos financeiros, seria trágica.
A missão era difícil: não perder para um time tradicionalmente forte em casa, o Atlético-PR, que ainda postulava o título da competição. E ainda torcer por outros resultados. Com um gol histórico do atacante Schwenk, o empate veio e deu tudo certo. O Botafogo se mantinha na Série A, onde ficaria por mais uma década, até cair e voltar novamente em 2014 e 2015.
Não só pelo empate com gosto de vitória – não se sabe o que aconteceria com um combalido Botafogo se tivesse sido rebaixado novamente naquele dia –, o jogo em Curitiba entra e encerra a lista porque é um símbolo do que foi o Botafogo até aqui no século XXI: irregular, surpreendente e heroico em meio à dificuldade financeira. Desde 2004, o Botafogo varia entre brigas para não cair e bons times. Acumulou alguns títulos estaduais e ídolos esperados e inesperados, mas segue convivendo com a falta de dinheiro que, por vezes, leva a torcida à lona.
Mas logo ela se recupera: assim como o gol de Schwenk, há coisas que só acontecem com o Botafogo, e surpresas agradáveis não ficam muito tempo longe do Nilton Santos, o estádio que também é personagem fundamental na história recente do clube. Talvez quando alcançar um grande título comemorado por lá, quem sabe com o plano de virar empresa que tanto dá esperança ao torcedor, uma nova partida entre nesta lista.