Martha Medeiros
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RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 20/12/2024 - 15:40

Reflexões sobre a abdução digital: luta por controle

A autora reflete sobre como a era digital a abduziu, perdendo-se em vídeos online que consomem seu tempo e atenção. Ela se sente cativada por criadores de conteúdo que parecem conhecê-la melhor do que as pessoas reais. Apesar de contribuir para essa dinâmica, ela se sente sequestrada pela constante inundação de informações. A narrativa destaca a luta contra a saturação de conteúdo online e o desejo de recuperar o controle do tempo e da atenção.

Devo estar alucinando. Não é possível. Eu era uma mulher que conseguia manejar o tempo. Tinha planos para o dia, e os cumpria. Ainda cumpro, na verdade, mas já não é a mesma coisa. Agora sou vítima da abdução. De uma atração que não controlo. Meu tempo para leitura, que sempre foi sagrado, encolheu. Focar para escrever um texto do início ao fim, não consigo. Escrevo um parágrafo e paro. Antes de retomá-lo, passo 20 minutos no celular vendo uma bobagem atrás da outra.

Vinte minutos é uma mentira que conto para mim mesma. Que 20 minutos, o quê. Trinta. Quarenta. Quando olho para o relógio do monitor do computador, já não são 14h30. São16h55. Onde é que eu estive nas últimas duas horas?

Eu estive lá dentro. Com os dois olhos aprisionados pelas palavras de um neurocientista que não conheço, de uma psicanalista que não conheço, de uma influencer que não conheço, de um tarólogo que não conheço, todos eles falando diretamente comigo sobre um assunto que me interessa em particular. É como se eles fossem irmãos que perdi pelo mundo e que voltaram para me salvar das pororocas que inundam meu cérebro. Eles têm a solução para todos os meus problemas, quase vejo as mãos deles saindo pela tela e me puxando pelo pescoço, efeito Poltergeist. Eles querem que eu entre lá dentro, onde eles vivem. Tentação e medo.

Quem é essa gente que grava vídeos sobre todos os assuntos e que têm todas as respostas legendadas e que, espantosamente, estão a par de tudo o que vivo, sinto e quero? Não há o que fazer, a não ser parar para escutá-los. Ninguém me dá a mesma atenção aqui fora.

O pior é que colaboro para essa overdose. Pedaços de entrevistas minhas circulam também por aí, à toa. Mas digo em minha defesa: evito receitar pílulas mágicas, não digo o que a pessoa deve fazer para fugir de um narcisista, ou para interromper uma relação abusiva, ou para tirar o melhor proveito da solidão. No máximo, compartilho versos e gracinhas, como, por exemplo, o vídeo que mostra como os leoninos reagiriam se fossem sequestrados.

Eu. Fui. Sequestrada.

Rosa Púrpura do Cairo capturada por esse povo das redes sociais que parece que não trabalha, só viaja. Eu recebo TODOS os vídeos de turistas que foram para os Lençóis Maranhenses, só porque, um dia, dei like em um deles. Olha, queria mesmo conhecer os Lençóis, mas já enjoei antes de ir, então vou manter em segredo o meu novo roteiro do desejo e o algoritmo vai ter que se virar. É guerra? Já escolhi minhas armas.

Cheguei, finalmente, ao final deste texto. Comecei a escrevê-lo na segunda e terminei três dias depois. Agora, com licença, vou conferir o que está acontecendo lá dentro. Aqui fora está meio desanimado.

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