Na semana passada, houve quem se apressasse em ver na decisão unânime da diretoria do Banco Central, de voltar a elevar a taxa básica de juros, evidência de que Gabriel Galípolo teria “beijado a cruz”. A verdade, contudo, é que ainda falta muito para que o país se convença de que Galípolo abraçou para valer os cânones que norteiam a condução coerente da política de metas para inflação.
O que de fato importa não é se Galípolo concordou com uma elevação momentânea da taxa básica de juros, mas se será capaz de liderar o Banco Central no papel crucial que terá de desempenhar nos próximos meses, para contrabalançar o expansionismo fiscal promovido pelo governo e assegurar que a inflação será mantida na meta.
É disso que se trata. Não é por outra razão que o Banco Central conta com autonomia operacional: para não ficar a reboque dos excessos político-eleitorais do governo de turno. Estará Galípolo preparado para o que dele se espera? Será capaz de resistir à obsessão com que o Planalto tentará tutorá-lo no exercício do cargo?
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O que preocupa é a visão completamente primitiva sobre a condução da política de metas para inflação que Lula da Silva ainda se permite exibir. Há duas semanas (13/9), 17 dias após ter submetido o nome de Galípolo ao Senado, o presidente, em um dos discursos mais populistas de sua longa carreira política, não deixou margem a dúvidas sobre o que pensa a respeito.
O cenário não poderia ter sido mais apropriado para insistência eloquente em velhos despropósitos. Tratava-se da cerimônia de inauguração de uma unidade de processamento de gás natural no Comperj, o gigantesco complexo petroquímico inacabado, a 70 quilômetros do Rio, que se converteu em monumento emblemático dos desmandos que redundaram no petrolão e na Lava Jato.
Foi ali, no agora rebatizado Complexo de Energias Boaventura, diante de vários ministros de Estado, que o presidente discursou aos brados, envergando, como de praxe, uniforme da Petrobras.
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Lula chegou ao cúmulo de se perguntar onde teria estudado o atual presidente do Banco Central e se seria verdade que Roberto Campos Neto acreditava em Deus, por ter ele manifestado preocupação, mais do que justa, com os efeitos inequívocos que a superindexação do salário-mínimo vem tendo sobre o desequilíbrio fiscal subjacente ao aquecimento excessivo da economia.
Só ler a transcrição do que foi dito não basta. É preciso ver como foi dito. São pouco mais de 30 segundos: https://youtu.be/lGrtWHagSDk
É contra o pano de fundo desse discurso deplorável, assustadoramente primitivo e populista, que se deve perceber o que o novo presidente do Banco Central terá de enfrentar. No final de junho (27/6), dois meses antes de ter indicado o nome de Galípolo ao Senado, o presidente Lula a ele se referiu como “um menino de ouro”.
Como o próprio Galípolo logo perceberá, a presidência do Banco Central não é cargo para quem espera continuar a ser considerado “menino de ouro” no Planalto. Se fizer o que precisa ser feito, ou seja, impedir que a farra fiscal eleitoreira em que Lula vem apostando se traduza em aceleração da inflação, seus dias de “menino de ouro” estarão contados.
E é bem possível que logo passe a ser execrado como um ingrato que se deu ao desplante de deixar que o Banco Central conspirasse contra a reeleição do presidente.
Não é de hoje que Lula anseia pela chegada de 2025, quando, afinal, passará a “ter o presidente do Banco Central” (Folha de S.Paulo, 27/6). É bem provável que se decepcione. Tudo indica que sua relação tensa com a instituição não desaparecerá como por encanto.
Mas Galípolo bem sabe que, a partir de janeiro, terá de disputar três partidas simultâneas em tabuleiros interdependentes: com Lula, no primeiro, com o mercado e a mídia, no segundo, e, claro, com a própria inflação, no terceiro. Se entregar o jogo a Lula, estará fadado a sofrer derrotas rápidas e desmoralizantes nas outras duas partidas.
Bem mais complexo do que Lula imagina.