O Censo da Educação Superior, divulgado na quinta-feira passada, mostra que um em cada cinco jovens entre 18 e 24 anos não estuda e não concluiu o ensino médio. Além disso, apenas 27% dos alunos que concluíram o ensino médio em 2022 ingressam diretamente no superior no ano seguinte, percentual que preocupa por ter se mantido estável nos últimos dez anos.
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Quando analisados somente os números da rede estadual – que concentra 84% das matrículas no ensino médio – esse percentual cai para 21%, sendo bastante inferior ao das escolas particulares (59%) e federais (58%). Essas diferenças, infelizmente, não surpreendem, considerando que a rede privada concentra alunos de maior nível socioeconômico e a federal atende também um público restrito (apenas 3% das matrículas totais no médio).
Mas há um dado menos conhecido, e que merece reflexão: alunos que fizeram o ensino médio articulado com a educação profissional têm também um percentual muito maior de ingresso no superior (44%) do que a média nacional ou das redes estaduais.
Esta é uma constatação relevante se considerarmos o histórico dessa modalidade. Em suas origens, a educação profissionalizante no Brasil foi idealizada para atender os alunos mais pobres – dos “desvalidos da fortuna” (Decreto de Nilo Peçanha, em 1909) às “classes menos favorecidas” (Constituição do Estado Novo, em 1937).
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O ensino secundário regular era então reservado para as elites que aspiravam ascender ao superior. Até hoje, em muitos países desenvolvidos e com redes bem mais amplas de escolas técnicas na comparação com o Brasil, essa modalidade é frequentada majoritariamente por alunos mais pobres, que tendem a acessar menos o ensino superior.
Se, por um lado, é positivo constatar que a educação profissionalizante hoje, com sua qualidade de oferta, potencializa as chances de ingresso numa universidade, por outro, é preciso ponderar que parte dessa atual vantagem em relação ao médio regular é explicada pelo viés na seleção de alunos.
Muitas famílias perceberam que o acesso a escolas profissionalizantes aumentava a chance de ingresso no ensino superior. A alta demanda por esses estabelecimentos levou, inclusive, muitos deles a realizarem “vestibulinhos” para selecionar estudantes de melhor desempenho. É o que acontece, por exemplo, na rede de escolas técnicas estaduais mantidas pelo governo de São Paulo e em alguns estabelecimentos federais.
Na perspectiva das famílias que, legitimamente, buscam melhores oportunidades educacionais para seus filhos, a matrícula numa dessas escolas de educação profissional faz todo o sentido. Do ponto de vista do sistema educacional, porém, isso revela certa disfuncionalidade, quando a única ou principal motivação é aumentar as chances de ingresso numa universidade.
Os impactos são também econômicos. O Brasil ainda precisa expandir muito tanto sua população com superior completo quanto aquela com formação técnico-profissional. Na média da OCDE, 47% da população entre 25 e 34 anos têm diploma superior. No Brasil, são 22%.
No caso do profissionalizante, apenas 11% dos jovens de 15 a 19 anos frequentam essa modalidade durante o ensino médio no Brasil, percentual que vai a 37% na média da OCDE. O fato de a oferta dessas duas etapas ainda ser restrita no Brasil explica, em boa parte, porque um diploma profissional ou de nível superior faz tanta diferença no mercado de trabalho. E porque, em muitos setores, há carência de mão de obra especializada, especialmente em nível técnico.
É praticamente consensual no Brasil a necessidade de ampliação da educação profissional — desde as metas de várias das redes estaduais de ensino até as aspirações reveladas pelos estudantes, conforme demonstram várias pesquisas recentes. A reformulação do ensino médio atravessou vários percalços, resultando na aprovação pelo Congresso, neste ano, de novas mudanças.
Mas um de seus méritos inequívocos, desde o início das discussões, foi o de sinalizar para a importância de ampliar a oferta do ensino profissionalizante nas redes estaduais de ensino médio. E isso como uma condição necessária, evidentemente não suficiente, para construção de estratégias de inserção produtiva digna dos jovens.
Não podemos voltar ao passado, quando a via profissionalizante era entendida como uma opção de menor qualidade e destinada aos mais pobres. Mas ela tampouco deve ser reduzida a uma via de acesso ao ensino superior, por falta de alternativas de qualidade na rede pública regular.
O desafio, nada simples, é a expansão com qualidade, facilitando uma inserção mais qualificada no mercado de trabalho sem comprometer as chances de acesso, imediato ou posterior, ao ensino superior.