Hotéis, shoppings e aeroportos se adaptam para atender clientes com TEA e neurodivergentes
Espaços de descompressão e salas sensoriais são criadas para ajudar as famílias no momento de lazer. Empresas reforçam treinamento de funcionários para atendimento inclusivo
RESUMO
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GERADO EM: 29/12/2024 - 21:44
Empresas adaptam-se para atender clientes neurodivergentes
Hotéis, shoppings e aeroportos adaptam-se para atender clientes com TEA e neurodivergentes. Espaços de descompressão e treinamento de funcionários são prioridades para inclusão. Empresas investem em áreas específicas e recebem elogios de famílias como a de Joaquim, de 5 anos, que agora podem desfrutar de lazer com mais facilidade. Medidas visam a promoção de inclusão e autonomia para diversos públicos neurodivergentes.
Antes mesmo de Joaquim, de 5 anos, ser diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o casal Pamela e Fábio Boldrini tinha uma vida mais restrita. Viagens, compras no shopping e até idas a restaurantes eram raros em razão das dificuldades do filho com lugares muito movimentados. A rotina ainda é desafiadora, mas a família começou a retomar os passeios ao encontrar locais preparados para receber crianças como o menino.
Enquanto diagnósticos se aprimoram, empresas têm se adaptado para se tornarem mais receptivas a consumidores neurodivergentes, com investimentos no treinamento de funcionários, adaptação de serviços e construção de áreas específicas para estímulos ou descompressão durante as crises.
No dia a dia, Pamela e Fábio são estratégicos ao sair com Joaquim. Nos shoppings e em museus, optam por horários no início do dia, quando o fluxo de pessoas costuma ser menor.
— Até sair para comer é difícil. É raro encontrar restaurantes, por exemplo, com um espaço kids legal, preparado para crianças como ele. Ainda falta treinamento dos profissionais para lidar e entender — conta Pamela.
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Nas viagens, o desafio é ainda maior, mas a família teve uma boa experiência esse ano. Eles passaram uma semana no Hotel Fazenda Mazzaropi, em Taubaté, no interior de São Paulo. A equipe treinada de recreação conseguiu incluir Joaquim nas brincadeiras, sem que o menino precisasse da companhia contínua dos pais.
Além disso, o hotel instalou a família numa ala mais silenciosa e próxima do restante da infraestrutura, para evitar que ele se deslocasse. Em alguns casos, até mesmo a disposição dos móveis no quarto é alterada para atender a necessidades do hóspede com autismo, segundo Juliana Viola, gerente de Vendas do negócio.
Hotéis que recebem muitas crianças têm se atentado a esses detalhes do atendimento. Também no interior de São Paulo, o complexo Hot Bech, em Olímpia, formado por quatro hotéis e um parque aquático, notou um aumento no número de visitantes neurotípicos a partir de 2021.
A primeira iniciativa foi a criação de um programa de capacitação dos funcionários, da recepção aos salva-vidas. Depois, alguns espaços foram adaptados para criar áreas silenciosas de descompressão. O investimento do complexo, que recebe cerca de 100 mil visitantes por mês, foi de R$ 500 mil.
Para o ano que vem, a ideia é criar horários específicos no parque aquático para esse público, com menos barulho e menos movimento, conta o gerente Brunno Teodoro:
— A família responde algumas perguntas na reserva, e tudo vai sendo adaptado. Tem criança que não gosta de determinadas cores, e o enxoval de cama e banheiro é trocado. Colocamos objetos que são pedidos e também fazemos alterações na alimentação quando há restrições.
Salas multissensoriais
Em aeroportos, onde o estresse e tensão podem ser ainda maiores para passageiros mais sensíveis, a aposta é na criação de salas multissensoriais para crianças e adultos neurodivergentes. Nos espaços, iluminação baixa, trilha sonora tranquila e movimento de bolhas são alguns dos estímulos visuais, táteis e auditivos que ajudam no relaxamento e bem-estar, principalmente nos momentos de crise.
Nos aeroportos de Florianópolis, no Paraná, e de Vitória, no Espírito Santo, os espaços têm poltronas iguais às das aeronaves, para que os passageiros de primeira viagem se acostumem antes do embarque.
— Aeroportos costumam ser estressantes, e se tornam ainda mais para essas pessoas. O serviço precisa ser inclusivo e atender todos os tipos de passageiros e suas necessidades — afirma Ricardo Gesse, CEO da Zurich Airport Brasil, que administra os dois terminais e também o aeroporto de Natal, que deve receber um espaço do tipo em janeiro.
O modelo implementado pela concessionária foi cedido ao Ministério de Portos e Aeroportos, que incluiu os espaços no Programa de Acolhimento ao Passageiro com Transtorno do Espectro Autista. A iniciativa, lançada no início de novembro, prevê treinamento dos profissionais do setor e adaptações nos terminais aéreos, com a instalação de 20 salas em aeroportos brasileiros até 2026.
No Aeroporto do Galeão, no Rio, o projeto da sala multissensorial está em andamento e tem inauguração prevista para o primeiro trimestre de 2025. O terminal já disponibiliza aos passageiros abafadores de ruídos para pessoas com hipersensibilidade auditiva ou TEA.
Salas multissensoriais ou para descompressão são também uma aposta do setor de entretenimento e lazer. Neste ano, o Allianz Parque, estádio do Palmeiras, em São Paulo, inaugurou um espaço do tipo. Com vista para o gramado, o espaço tem redução de ruídos, brinquedos, equipamentos adaptados e profissionais capacitados para auxiliar em momentos de crise.
Redes de shoppings também investem em mais conforto para esses visitantes. Nos 24 centros comerciais da Ancar Ivanhoe, há distribuição de abafadores de ruídos, salas de descompressão e vagas específicas no estacionamento, mais próximas das entradas para evitar o estresse com grandes deslocamentos.
— Também promovemos eventos específicos para pessoas com TEA, como sessões de cinema ou com o Papai Noel, com luz e som reduzidos e pessoas preparadas para recebê-los — diz Cecília Ligiéro, head de Marketing e Inovação da empresa.
O investimento na melhora da experiência desses clientes não faz com que, necessariamente, as empresas precisem desembolsar grandes cifras. Indiretamente, porém, esses negócios podem abrir mão de receita. Nos aeroportos da Zurich, por exemplo, cada sala multissensorial custou, em média, R$ 80 mil. Mas as áreas de cerca de 25 metros quadrados, caso fossem alugadas, poderiam dar à companhia até R$ 50 mil ao mês.
— Abrimos mão de áreas comerciais que não vamos usar mais comercialmente. Mas é uma escolha para melhorar o atendimento — diz Gesse.
O médico Eduardo Birman, membro da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), avalia que as iniciativas auxiliam na promoção de mais inclusão e promoção de autonomia — e não apenas dos autistas, mas também de que tem outros quadros, como Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e dislexia.
— Muitas pessoas com TEA vão ter maior sensibilidade a ruídos, temperatura e luminosidade. Existem várias possibilidades de não adaptação ao que a grande maioria das pessoas se adapta. Se você tem espaços onde isso pode ser adequado, pode dar muito mais conforto e possibilidade de integração desse público — observa.
Para as empresas, as medidas são positivas, claro, do ponto de vista de melhoria de percepção de marca e atratividade do público, mas também sobre o papel social que as companhias desempenham.
Retornos intangíveis
Professora da Escola de Negócios (IAG) da PUC-Rio, Eliane Leite analisa que iniciativas de inclusão promovidas por empresas servem também de motor de transformação social, fazendo consumidores que não têm necessidades específicas se atentarem para essas questões:
— A cidadania global hoje exige que cada um de nós esteja preocupado com isso. Há um papel social como cidadão e como empresa. Sem dúvida alguma isso retorna para os objetivos do negócio, mas é um benefício para a toda a sociedade. São investimentos que trazem retornos intangíveis.