Natal do dólar a R$ 6: varejo dribla alta da moeda americana com desconto no Pix e redução de embalagem
Câmbio elevado e juros altos desafiam lojas e supermercados a inovarem nas estratégias para atrair consumidores nas compras de presentes e para a ceia natalina
RESUMO
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GERADO EM: 21/12/2024 - 17:16
Varejo se adapta ao dólar alto para o Natal
Com dólar em alta, varejo se adapta para o Natal, oferecendo descontos no Pix e parcelamentos longos. Consumidores trocam produtos, reduzem gastos e buscam opções mais acessíveis de ceia. Preços dos alimentos típicos aumentam, mas estratégias comerciais buscam manter o consumo e atrair clientes.
No ano em que o dólar subiu 25%, o varejo precisou inovar na estratégia para não deixar o câmbio acabar com a festa do consumo neste Natal. A cotação da moeda americana fechou a última semana em R$ 6,07 depois de ter alcançado R$ 6,30 na quinta-feira passada. Produtos tradicionais da ceia já mostram o impacto da escalada do dólar, como azeite, vinhos, frutas secas e castanhas, que são importados. O crédito mais caro com a alta dos juros completa o desafio de quem quer encaixar presentes e lembrancinhas no orçamento.
Para manter a disposição do consumidor para as compras, varejistas recorrem a descontos no pagamento com Pix, parcelamento em mais de 20 vezes (ou seja, com prestações ao menos até julho de 2026), versões reduzidas de produtos tradicionais e itens com tíquete menor para garantir que as compras caibam no bolso.
No Cadeg, lojistas não abrem mão de encomendar o bacalhau de boa qualidade apesar de seu preço mais salgado neste ano, um dos artigos mais procurados por quem frequenta o mercado municipal, na Zona Norte do Rio. A saída para não deixar nada encalhar foi apertar a margem para não repassar toda a alta do dólar e manter a atratividade da iguaria, conta André Lobo, diretor social do Cadeg. Do outro lado do balcão, quem já está com o orçamento apertado usa descontos no Pix ou troca produtos importados mais caros, como as castanhas portuguesas, pela nacional, de caju.
— O cliente migra de produto e fica com um tíquete médio menor. Troca a cereja por pera, por exemplo. Ou compra quantidade menor só para enfeitar a sobremesa e deixar a mesa bonita, já que o Natal é sinônimo de fartura — diz Lobo.
A vez da marca própria
Na Casas Pedro, a ordem é reduzir a margem de lucro para acomodar a alta do dólar e manter os itens acessíveis, diz Gabriel Santos, diretor de Planejamento da rede. A empresa também impulsiona os produtos de sua marca própria:
— Muitos clientes estão migrando para ela. Conseguimos com os exportadores produtos semelhantes de menor valor, para dar mais opções.
Há quem não abra mão das tradições, embora faça algumas concessões para fazer tudo caber no orçamento. A aposentada Luciana Tostes, de 58 anos, organizou as compras com antecedência, trocou a marca do bacalhau por uma mais barata que a do ano passado e parcelou algumas compras. As castanhas portuguesas, diz ela, estão “muito mais caras que o normal”:
— Faço a ceia na véspera, o almoço do dia de Natal e ainda tem amigo oculto. Minhas filhas fazem aniversário nessa época. É tempo de muito gasto em casa. Mas neste ano senti mais, a economia pesou em tudo, não só nos artigos natalinos. Parece que estou pagando o dobro em alguns itens.
Levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ao GLOBO mostra que o varejo apostou alto no Natal deste ano, com aumento médio de 30% na importação de itens para a ceia entre setembro e novembro. Segundo Fabio Bentes, economista sênior da CNC, o mercado de trabalho aquecido e o aumento na renda das famílias trouxeram otimismo ao planejamento, mas as vendas só devem crescer entre 1% e 2% neste fim de ano, abaixo dos 4% esperados pelo varejo. Os juros em alta ainda dificultam as vendas a prazo e elevam a inadimplência, ele observa:
— Quem comprar em cima da hora, especialmente alimentos, deverá se deparar com promoção para o lojista não ficar com estoque desses produtos. Ele também pagou mais caro pelos itens e fica mais difícil repassar assim.
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Alimentos típicos de Natal ficaram, em média,16% mais caros este ano. Alguns subiram bem mais que outros complementos de mesa, segundo dados da equipe de coleta de preços do FGV Ibre enviados com exclusividade ao GLOBO. As castanhas portuguesas subiram, em média, 58% no acumulado em 12 meses até novembro. Já as frutas cristalizadas, o peru e o bacalhau tiveram aumentos entre 27% e 39% no período.
O azeite de oliva, essencial no preparo de muitos desses pratos e que não entra na cesta apurada pelo instituto, registrou uma elevação de 26%, segundo o IBGE, e quase virou artigo de luxo. A funcionária pública aposentada Irene Rodrigues, de 79 anos, até resolveu dar azeites especiais de presente em vez de vinhos:
— Aqui em casa compramos pela internet, quando tem promoção. Antigamente, nem nos preocupávamos com isso.
Ceia colaborativa
Para André Braz, coordenador da área de preços ao consumidor do FGV Ibre, boa parte do aumento é explicado pela alta do dólar, que começou o ano em R$ 4,85. Pouco antes do choque mais recente das últimas semanas, oscilava entre R$ 5,70 e R$ 5,80. A escalada vem impactando o custo de diversos importados, diz:
— Produtos da ceia mais caros tiram o fôlego do consumo de outros itens. Mas essas despesas da ceia são um pouco divididas. Há famílias que se reúnem e cada um leva uma coisa, dilui o impacto. Substituir itens importados por nacionais é outra estratégia.
Outro item que confirma a tendência de alta de importados é a ameixa, que ficou 30% mais cara, segundo a Scanntech, entre novembro de 2023 e o de 2024. A plataforma capta dados do varejo de alimentos em 45 mil pontos de venda.
— Alimentos têm subido por questões climáticas e pela alta do dólar. Como o bolso do consumidor é único, e o gasto com ceia é difícil de abrir mão, ele acaba tirando de outro lugar — diz Priscila Ariani, diretora de Marketing da Scanntech.
A perder de vista
Com os presentes competindo com a ceia pelo bolso do consumidor, o varejo faz de tudo para ele não deixar de levar os produtos para casa. O Magazine Luiza tem parcelamento em até 21 vezes sem juros para os clientes que comprarem com os cartões da empresa até o dia 26. Uma promoção excepcional, reconhece Aline Queirantes, diretora de Marketing do Magalu, e que tem funcionado para se adaptar ao orçamento dos clientes.
— Estamos fazendo uma super força-tarefa para conseguir ter esse parcelamento no momento de alta de juros e dólar super alto. Como temos estoque dentro de casa, conseguimos proporcionar isso nesse momento — justifica.
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A Casas Bahia acelerou seu crediário na reta final até o Natal, conta Gustavo Pimenta, diretor executivo de digital, e-commerce e marketplace da empresa. A campanha “Pague no ano que vem” permite que o cliente só comece a acertar as contas em janeiro e em até 24 vezes pelo carnê digital. Ou em até 30 vezes no cartão de crédito da loja, com juros ajustados ao número de parcelas.
— Sabemos que é importante neste fim de ano alongar o endividamento do nosso cliente. Com parcelas que cabem no bolso, conseguimos ofertar todo o sortimento de produtos, dos itens de entrada aos mais caros — diz o executivo, que vê demanda forte por eletrodomésticos, móveis e telefonia em dezembro.
Ele descarta efeitos da alta recente do dólar sobre os produtos neste Natal, mas diz que a rede está em negociações com a indústria e prevê aumentos a partir de janeiro, já que a escalada da divisa se deu no início de dezembro. Eletrônicos, por exemplo, têm componentes importados.
Atento ao comportamento do consumidor, o Assaí Atacadista adaptou as condições de pagamento. De 15 a 31 de dezembro, quando o fluxo nas lojas aumenta, parcela tudo em até 4 vezes sem juros, em qualquer bandeira de cartão de crédito. Fora desse período, isso só vale para quem tem o cartão próprio da loja. Estratégia parecida adotou o Prezunic, mas só para cadastrados, que podem ter 20% de cashback na carteira digital em alguns itens.
Moacir Sbardelotto, diretor regional do Assaí, diz que a antecipação nas negociações com fornecedores ajudou a rede a mitigar boa parte do impacto do dólar nos produtos, mas não foi a única estratégia. Ele conta que a indústria retomou os “minipanetones”, por exemplo, reforçando a aposta em embalagens menores para impedir que o cliente abra mão do item que deseja. O mesmo acontece com o bacalhau congelado na rede, cujos pacotes vão de 500g a 1,5 kg.
— Essas opções permitem que o cliente saboreie algo típico do Natal, sem que o custo o desestimule a levar o produto — diz Sbardelotto.
*Estagiário sob supervisão de Janaina Lage