‘Não somos competitivos. O dólar alto nos protege’, diz CEO da Vulcabrás
Ex-piloto de automobilismo, executivo foca no segmento de calçados esportivos e investe em tecnologia para competir com os importados
RESUMO
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GERADO EM: 30/11/2024 - 19:05
"CEO da Vulcabrás impulsiona exportações com dólar alto e inovações em calçados esportivos"
CEO da Vulcabrás destaca que dólar alto protege empresa da concorrência asiática, impulsionando exportações. Investimentos em tecnologia e foco em calçados esportivos impulsionam competitividade. Estratégia inclui expansão na Europa e produção de tênis de alta performance, com destaque para parcerias e inovações. Perspectivas positivas apesar de desafios econômicos e políticos. Expansão da marca para Espanha e investimentos em eficiência produtiva e experiência do cliente destacados.
Dona da marca Olympikus e fabricante no Brasil da japonesa Mizuno e da americana Under Armour, a Vulcabras focou nos últimos anos no mercado de calçados esportivos. Investiu R$ 700 milhões para desenvolver os chamados tênis de alta performance para corridas e tem conseguido disputar mercado com as marcas globais na categoria.
Com duas fábricas no país, uma na Bahia, e outra no Ceará, e o maior centro de desenvolvimento de tecnologias de calçados na América Latina, a empresa brasileira começa a tatear o mercado europeu, tendo a Espanha como porta de entrada.
No comando da empresa desde 2015, Pedro Bartelle avalia, em entrevista ao GLOBO, que o país ainda perde competitividade em custos em relação aos produtores asiáticos. “O dólar alto nos protege da importação”, diz o CEO, que foi piloto de automobilismo.
Como a eleição de Donald Trump, nos EUA, e perspectiva de acirramento da guerra comercial com a China impacta o setor de calçados no Brasil?
Nossa preocupação é que o mercado asiático é o grande concorrente do produtor nacional. A Ásia paga um terço do custo da mão de obra em relação ao Brasil. Tem vários subsídios financeiros, inclusive à exportação. No Brasil, a mão de obra representa 40% do nosso custo. Por mais que o Brasil tenha maquinários, produza qualquer tecnologia, nós não somos competitivos em custo. Não podemos pagar para a mão de obra daqui o que os chineses pagam.
Trump acende uma luz amarela para países emergentes contra uma futura invasão de produtos chineses, caso eles tenham mais dificuldades de entrar nos EUA. Nossa associação (Abicalçados) defende a manutenção da tarifa de importação, que é de 35%.
Se fosse maior, ajudaria a equilibrar ainda mais nossa situação, inclusive contra outras coisas danosas como a reoneração da folha de pagamento (para 17 setores intensivos em mão de obra), que vai voltar. A gente defende a tarifa antidumping, porque o dumping (exportação com preço mais baixo que o praticado no país de origem) existe.
Mas a tarifa antidumping já foi aplicada no Brasil no passado. Funcionou?
Essa tarifa foi aplicada de 2010 para 2011, mas as importações, em vez de cair, aumentaram. A China era responsável por 80% do que o Brasil comprava. No ano seguinte, caiu para 10%. Mas países como Vietnã, Indonésia começaram a exportar dez, vinte vezes mais para cá. Então existe uma triangulação no mercado asiático.
E qual é a saída?
O mercado interno é muito relevante, especialmente para a Vulcabras. Então, não só pela eleição do Trump, mas a gente vê a China crescendo a produção e precisamos defender a indústria local.
Como o dólar alto impacta a Vulcabras?
O dólar mais alto nos beneficia para a exportação. Mas também em relação à importação, já que o calçado estrangeiro fica mais caro aqui. Então, prefiro um dólar apreciado, que nos protege da importação e incentiva a exportação. Acredito que hoje, no nosso mercado de tênis de performance, 50% são importados. Mas, por mais que 90% dos meus insumos sejam nacionais, muitos são dolarizados e há impacto no custo.
Como o cenário doméstico, de juro alto, afeta o negócio? Como vê a perspectiva de crescimento da economia?
O juro reflete no preço. Aqui no Brasil se financia muito a compra de tênis, em dez vezes, e isso fica embutido. O país está crescendo, nosso setor também vem crescendo, com mais uso de material esportivo no dia a dia, cuidado com a saúde, mas a importação se ampliou mais que o crescimento do país. Estamos num ano de muitas incertezas políticas e econômicas, com a Reforma Tributária, a reoneração da folha no próximo ano.
Não temos regras claras de jogo e é complexo costurar tudo isso. Como o empresariado, nossos clientes ficam mais cautelosos. Eu não vi novos investimentos, novas fábricas e muita lojas serem abertas. Meu cliente está se programando um pouco menos. Ele quer saber o que vai acontecer para a frente e essa engrenagem não é positiva. Mas nós estamos otimistas para o final do ano.
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Como é a participação das vendas diretas no faturamento?
Nossas vendas diretas representam 17% do nosso faturamento. Temos 15 lojas, são poucas, mas é uma participação que vem aumentando. Nosso e-commerce cresceu 50%. Mas o que vem sustentando 17 trimestres consecutivos de crescimento da Vulcabras é o foco que demos no calçado esportivo.
Também produzíamos marcas femininas, como a Azaleia. Mantivemos a linha feminina até 2020 porque ela era relevante no faturamento. Passamos por uma reestruturaçao importante e decidimos focar no esportivo. Licenciamos a Azaleia para a Grendene.
Quais são as principais marcas da Vulcabras hoje?
A Olympikus veio junto com a Azaleia quando a compramos. Eu já estava na companhia, no Marketing, e assumi como CEO em 2015. Trouxemos novas marcas, como a Mizuno e a Under Armour. Sempre fomos um grande democratizador dos esportes do Brasil, uma empresa verticalizada, que produz as tecnologias aqui. Mas não atuávamos na altíssima performance e fiz um desafio.
Precisamos fazer um tênis da Olympikus para ganhar uma maratona. E fomos atrás de tecnologias que existem no mundo. Nesse sonho, investimos até agora R$ 700 milhões, nos últimos seis anos. Aplicamos os recursos em aumento de capacidade de produção (de 14 milhões para 25 milhões de pares por ano), modernização do nosso parque fabril e no centro de desenvolvimento e tecnologias de calçados, que hoje é o maior da América Latina, e fica no Rio Grande do Sul.
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E já conseguiram ganhar uma maratona com o tênis?
Só no ano passado, nós fizemos 100 pódiuns nas principais maratonas do Brasil com a Olympikus. Ganhamos São Paulo, Rio (no feminino), volta da Pampulha (BH), Porto Alegre. O maior aplicativo de corridas do mundo, o Strava, mostrou que o tênis mais usado por corredores brasileitos em 2023 foi Olympikus. Agora, estamos expandindo essa linha. Nossas fábricas têm todos os maquinários e sistemas necessários para produzir qualquer tecnologia que exista hoje no mundo.
O que a Vulcabras está produzindo de novo?
Com a chegada da Mizuno, e com a contratação do jogador Gabigol como embaixador da marca, nós começamos a fazer chuteira novamente, desde o ano passado. Produzimnos na fábrica da Bahia, a Morélia, da Mizuno, que é a estrela das chuteiras. E tivemos autorização da Mizuno para desenvolver uma chuteira brasileira, que se chama Regente, e já está no mercado neste segundo semestre.
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Como superar marcas internacionais como Adidas, Nike?
Quando o produto é muito intensivo em mão de obra, a gente não tem competitividade pelo custo. Mas inventamos um sistema, que eu não conheço outra empresa que faça igual. As grandes marcas europeias e americanas, que não têm fábricas, desenvolvem as coleções e encomendam a produção no mercado asiático. Esse processo leva seis meses até a distribuição e o cliente no Brasil espera todo esse tempo para ter a nova coleção.
Na Vulcabras, com 90% de insumos nacionais, em 45 dias eu produzo e entrego uma nova coleção no Brasil. Num semestre, o cliente consegue repor uma coleção três ou quatro vezes. Ele pode potencializar o item mais vendido, por exemplo. Se comprou 100 pares, no mês seguinte, pode comprar 300 e eu entrego.
Como chegaram a esse tênis de alta performace que tem crescido no gosto dos corredores?
Chamamos a comunidade de corrida para “cocriar” os produtos. São mestres em biomecânica, atletas profissonais e amadores, formadores de opinião. Eles nos deram insights para criar os produtos e assim nasceu o Corre 1, linha de produtos de alta performance. Hoje estamos no Corre 4. Essa linha já representa 20% do faturamento da empresa.
O que diferencia os tênis de corrida da Olympikus das outras marcas?
Pensamos na questão da transpiração, na largura da parte da frente do calçado, no amortecimento para pisos distintos de corrida no Brasil. Então chegamos num tênis específico para o brasileiro, por um preço bom. É um produto que não é barato, gira em torno de R$ 500.
Quais são as tecnologias usadas nesses tênis?
Fazemos um tênis chamado Supra, quem tem placa de carbono revestida de grafeno. Tem uma entressola expandida no nitrogênio e uma sola em parceria com a Michelin, de pneus. E a parte superior é feita em formato de meia, sem costura. Temos alegria de ter caído no gosto do brasileiro, porque havia um pouco de preconceito com a produção nacional. Só gostaria de um dia ter competitividade para levar esses produtos para fora do país.
Mas esses tênis de alta performance da Vulcabras já são vendidos na Espanha, não?
Nossa exportação já foi superior a 15%. Hoje, é 5% e vai principalmente para a América do Sul e América Latina, onde nossos clientes também podem comprar duas ou três vezes no semestre. Esse percentual de exportação caiu por causa da crise nesses parceiros, especialmente a Argentina.
Estamos sim fazendo uma laboratório na Espanha com esse tipo de produto. Mas para ter preço competitivo, ainda subsidiamos. Precisaria ter um incentivo de exportação desses produtos, porque na questão de produtividade e eficiência estamos bem.
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Que tipo de incentivo?
Poderia ser um subsídio como a China tem, onde o governo paga para o exportador, uma espécie de “tax return”. É um incentivo para reduzir custos. O Brasil já foi o terceiro maior país em produção de calçados. Hoje é China, Índia, Vietnã e Indonésia. É importante para um país que precisa empregar voltar a exportar, principalmente produtos elaborados.
Mas como está o desempenho da Espanha?
Levamos a linha de alta performance. Está batendo de frente com outras marcas. Começamos pela Espanha para que a gente possa fazer uma base para depois, através de vendas digitais, chegar na Europa inteira.
Depois, caminhar para ter boas alianças com lojistas e, quem sabe, até ter algumas lojas conceito para expor nossa coleção. É uma operação que mostra uma perspectiva positiva, mas que ainda não tem custos para competir de igual para igual com os asiáticos que abastecem nos países da Europa ou Estados Unidos.
Que tecnologias a Vulcabras utiliza para trazer mais eficiência aos processos?
Hoje, a robótica já participa da fábrica. Todos os sistemas de armazenamento nos centros de distribuição eram feitos por tipo de produto, sua cor e numeração. Hoje, não precisa. O robozinho vai até a prateleira e pega o produto que precisa. Nossos designers já utilizam inteligência artificial: eles pedem um modelo que tenha certas características, por exemplo, pouca costura, determinada cor. E vem centenas de modelos. O designer os seleciona e refina.
Já existem lojas conceito?
Temos uma loja pequena da Mizuno para trazer o life style japonês, em São Paulo. Mas é algo que é nossa prioridade. Eu sei que as lojas conceito serão importantes para expor a proposta que a gente tem. Vamos começar com a Under Armour, uma marca que nasceu na roupa, e tem venda bastante expressiva. A ideia é começar ano que vem. Mas queremos também trazer novas marcas.