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GERADO EM: 23/12/2024 - 23:31

"Dólar sobe com incerteza econômica em 2025"

Dólar volta a subir, podendo atingir R$ 6 com ajuste fiscal insuficiente e volta de Trump. Economistas preveem turbulência e inflação alta. BC intervém, mas incerteza persiste. Especialistas analisam cenário desafiador em 2025 com impactos na economia e nos setores dependentes de crédito.

A trégua após a aprovação do pacote fiscal no Congresso foi curta. Ontem, a moeda americana voltou a subir e encerrou o pregão em alta de 1,87%, a R$ 6,18. Diante da nova escalada da moeda americana, o Banco Central (BC) informou que fará mais um leilão no mercado à vista de até US$ 3 bilhões na próxima quinta-feira.

Desde o dia 12 de dezembro, o BC já injetou US$ 27,76 bilhões em intervenções no mercado na tentativa de segurar a volatilidade da moeda. Ainda assim, no ano, o dólar acumula alta de mais de 20%. E tudo indica que, mesmo com o uso das reservas, o câmbio vai se manter sob pressão no ano que vem.

Com um ajuste nas contas públicas considerado insuficiente no mercado e as perspectivas para a economia global com a volta de Donald Trump à Casa Branca, economistas afirmam que o dólar no patamar de R$ 6 não deve sair de cena no curto prazo.

Ontem, além da incerteza fiscal gerada pelo pacote de corte de gastos do governo que foi desidratado no Congresso, entraram na conta dos investidores a baixa liquidez típica do fim do ano, que favorece os altos e baixos na negociação, e a leitura de um Federal Reserve (Fed, o banco central americano) conservador, que não deve acelerar o ritmo de corte de juros.

Na semana passada, o Fed reduziu a taxa o em 0,25 ponto percentual. Juro em patamar alto nos EUA tende a atrair investidores para títulos americanos, papéis considerados mais seguros e que ficam mais atraentes.

Mas a questão fiscal tem papel preponderante. Na avaliação de economistas, enquanto não houver sinais de mais medidas de ajuste nas contas públicas brasileiras ou de um desenho mais claro de quais serão as políticas do governo Trump, a previsão é de turbulência. E de mais atuação do BC.

Veja a seguir a visão de quatro economistas sobre a volatilidade do dólar

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados

Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale — Foto: Claudio Belli/Agência O Globo
Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale — Foto: Claudio Belli/Agência O Globo

'Há uma percepção de que o jogo virou para pior'

Apesar da intervenção histórica do Banco Central (BC) em volume e frequência, Vale considera que o câmbio tende a ficar estacionado em um patamar elevado e dificilmente ficará abaixo de R$ 6 nos próximos meses.

— Há uma percepção de que o jogo virou para pior na economia brasileira, e o governo só conseguiria mudar isso se fizesse um pacote fiscal totalmente diferente — diz Vale, que enxerga pouco espaço para novas medidas expressivas de ajuste fiscal no terceiro ano de mandato de Lula, num período mais próximo das eleições.

A tendência é que a alta do dólar pese sobre a inflação em 2025. Se o dólar subir mais, a alta dos preços poderá levar a inflação a superar o teto da meta.

Vale calcula que o ajuste fiscal do governo fique entre R$ 42 bilhões e R$ 52 bilhões após a desidratação no Congresso, aquém do necessário para cumprir as metas do arcabouço, especialmente em 2026, ano eleitoral, de maior pressão por gastos.

O dólar mais alto também afeta a dívida de forma indireta, ao elevar a inflação e, consequentemente, os juros. Isso encarece o serviço da dívida, explica o economista:

— A relação dívida/PIB deve ficar em torno de 77% este ano e caminha para 84% em 2026.

Pedro Paulo Silveira, economista e sócio da A3S Investimentos

Pedro Paulo Silveira, economista e sócio da A3S Investimentos — Foto: Acervo pessoal
Pedro Paulo Silveira, economista e sócio da A3S Investimentos — Foto: Acervo pessoal

'É pouco provável que a percepção de risco melhore'

A perspectiva de um dólar a R$ 6, ou ligeiramente acima, ganha força à medida que a moeda se valoriza e não retoma patamares anteriores, diz Silveira. Ele avalia que a divisa só voltaria a R$ 5,50 ou R$ 5,60 no caso de ajuste fiscal mais robusto. Mas não vê sinais de que o governo esteja disposto a se comprometer com isso:

— Sem que a gente veja essa relação dívida/PIB numa trajetória de reversão da tendência de alta, é pouco provável que a percepção de risco melhore. Ainda mais num ambiente que tende a ser mais agressivo do ponto de vista global, dada a postura prometida por Donald Trump em relação às importações.

Silveira diz que o dólar alto piora expectativas inflacionárias e eleva a percepção de risco, fazendo a taxa de juro real (que desconta a inflação) subir para perto de 8%.

Segundo ele, os modelos do BC já calculam impacto de 1,5 a 2 pontos percentuais no IPCA com a valorização de mais de 20% do dólar no ano:

— O mercado vai acabar tendo que trabalhar com número acima de 5% de inflação.

Ele calcula que a economia do pacote será de R$ 55 bilhões nos próximos dois anos, e lembra que ajustes mais significativos têm sido brecados pelo Congresso.

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney — Foto: Divulgação/ Tendências Consultoria
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney — Foto: Divulgação/ Tendências Consultoria

'Sinais são preocupantes'

O dólar deve seguir a trajetória de valorização vista em 2024 no próximo ano, pontua Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Para o economista, o fato de as ações do BC não promoverem mudanças estruturais na direção do câmbio pode sinalizar o início de um ambiente de dominância fiscal — em que a questão das contas públicas domina as avaliações de risco do país e o BC perde a capacidade de manter a estabilidade da taxa de câmbio.

— E isso pode levar a uma perda de controle da inflação. Eu acho, portanto, que os sinais são preocupantes. Porque, nesse caso, a intervenção no câmbio significa jogar dinheiro fora — afirma.

O ex-ministro aponta que as medidas de ajustes de gastos apresentadas pelo governo não são suficientes para reverter a trajetória da moeda e que, para isso, será preciso que novos projetos sejam idealizados.

Ele diz não enxergar que o governo tenha tomado ações concretas para alterar a trajetória da dívida pública:

— Isso gera uma espiral que leva a um ciclo vicioso em que a situação piora porque o dólar se valoriza e isso leva a um aumento de endividamento e aumento da inflação. É necessário quebrar esse ciclo porque pode levar a consequências muito mais graves.

Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV

Roberto Padovani, economista-chefe do BV — Foto: Divulgação/BV
Roberto Padovani, economista-chefe do BV — Foto: Divulgação/BV

'Setores que dependem do crédito devem desacelerar'

O próximo ano deve começar com dólar estável no patamar atual, mas com tendência de alta não linear que levaria a divisa a até R$ 6,50 até o fim de 2025, segundo Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV.

Ele analisa que, além do cenário fiscal nacional, outros fatores influenciam. Padovani destaca que o patamar alto de juros poderia atenuar o câmbio, mas isso não deve ocorrer nos próximos meses porque a moeda americana está em alta globalmente. O cenário internacional de aumento dos riscos, diz, deixa investidores mais cautelosos.

— Há a perspectiva de uma economia americana mais protecionista, com estímulos fiscais, aumento de tarifas (para importações) e cerco à imigração — cita. — O resultado é a maior dificuldade de colocar a inflação americana no centro da meta, e o Fed (banco central americano) já reagiu falando que nesse cenário não há como cortar juros. Isso deixa o dólar mais valorizado.

O cenário deve afetar empresas no Brasil, diz:

— O crédito para empresas fica mais caro, então imaginamos que, para o segundo semestre de 2025, setores que dependem de crédito, como construção civil e bens duráveis, mais sensíveis, devem mostrar desaceleração.

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