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Informações da coluna
Ruth de Aquino
Tudo sobre a política de nossa vida e não de Brasília. Cidadania, família, educação, amor, sexo, drogas, religião, envelhecimento, saúde, arte e viagens.
O mestre dos cogumelos em Paraty
Jorge Forager me abriu as portas da percepção numa trilha pela Mata Atlântica após a Flip
Por Ruth de Aquino — Paraty (RJ)
RESUMO
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GERADO EM: 17/10/2024 - 13:59
Mestre dos Cogumelos de Paraty: Conexão com a Natureza
Jorge Forager, mestre dos cogumelos em Paraty, encanta com saberes da Mata Atlântica. Autodidata, promove preservação e gastronomia, revelando a magia dos fungos. Sua vida é um sonho realizado, inspirando conexão com a natureza e a busca constante pelo conhecimento.
Quem vai à Festa Literária de Paraty está preparado para conhecer de perto escritores famosos, que nos guiam pela palavra. Abrem nossas portas da percepção em romances. Eu só não esperava que meu maior encantamento, este ano, se produzisse não em páginas de livros, mas no meio da Mata Atântica, após o fim da Flip.
Foi um encontro com o mundo mágico das árvores centenárias, das plantas comestíveis e dos cogumelos. Pela palavra oral de Jorge, 41 anos, e seus saberes da Natureza, transmitidos com suavidade e compromisso. A beleza e as cores dos cogumelos são um impacto. Uma viagem. Não alucinógena. Mas alucinante. Os nomes inspiram: Coprinellus disseminatus, Favolus brasilienses, Clathrus columnatus, Polyporus sanguineos, Cookeina tricoloma.
Ele nasceu Jorge Ferreira. Pai raizeiro, José, mãe curandeira, Carmelita. Nordestinos de Pernambuco, agricultores. A família se instalou no Sítio São José, em Paraty. A casa ficava a uns 3 km da região urbana. Jorge nunca foi a uma escola. Era distante demais. A mãe o alfabetizou, e o pai o iniciou no aprendizado da terra.
“Fui criado comendo tapioca, biju, farinha... tudo produzido ali mesmo e por nós”. Jorge era garoto, plantava com o pai banana, inhame, milho. Num momento difícil, a família buscou autossuficiência no cultivo agroflorestal. Com o pai, ele ganhou disciplina. Com a mãe, a ciência dos xaropes, pomadas, tinturas, geleias, doces, sucos.
Hoje, ele é mais conhecido como Jorge Forager – uma palavra inglesa que significa coletor de plantas e fungos comestíveis. Virou um mestre parabotânico. Não tem diploma, mas acumulou enorme conhecimento. Fez intercâmbio na Inglaterra e na França, como convidado. Viaja pelo Brasil promovendo vivências e experiências, nas florestas e na gastronomia, a convite de grandes chefs. Como ele diz em seu site, para preservar é preciso conhecer.
Não existe manual, na vida, para pessoas como Jorge. Seus amigos lhe diziam: “Você vai ser sempre da roça, mateiro, agricultor”. Ele também achava isso, receava não ter capacidade de conhecer coisas mais complexas. Mas sua curiosidade o catapultou.
Nos intervalos da roça, a mãe ensinava o básico. Caligrafia, ditado, redação, tabuada. Mas Jorge queria entender o que o cercava. Primeiro, foram as serpentes. “E aí eu pegava emprestado calhamaços de xerox sobre serpentes e estudava a morfologia. Também pegava cobras na mata”.
Depois, as orquídeas, seus mistérios. O mergulho mais profundo nas árvores. Estudou fotografia e assim descobriu melhor os fungos. Treinou o olhar para o invisível, encontrando cogumelos ocultos. Alguns nem catalogados ainda. “Quando enxergo seres intocados, um cogumelo, uma planta, um inseto, sinto que são eles que me encontram e pedem ajuda. Querem holofotes para não ser massacrados”.
Casado com uma engenheira agrônoma, Danielle, tem três filhos, e o mais velho, Emanuel, de 14, é companhia frequente nas trilhas. Nos passeios com botânicos que têm doutorado, Jorge percebe que sua sabedoria popular o faz um igual. Claro que ele quer mais. Quer fundar cadeiras em universidades, que mostrem como se alimentar na Natureza sem degradar.
E quer continuar a pesquisar. Estima-se que existam 3,8 milhões de espécies de fungos no mundo, mas apenas 120 mil são conhecidas. Há cerca de 2 mil espécies de cogumelos comestíveis, mas apenas 25 são cultivadas comercialmente.
Uma trilha na mata em companhia de Jorge impõe passos lentos. E escuta. Ele fala com amor, prazer e brilho. “Olhar para a riqueza que a floresta proporciona nos faz conectar com nossa essência”, diz Jorge. Não está errado.
Comi alguns cogumelos e plantas que ele colhia, mas percebo que há muito mais a aprender, quando Jorge Forager me diz: “Minha vida é um sonho realizado, eu vou realizando sonhos todo dia”. Quantos de nós podemos dizer o mesmo?