Irmão de Marcelo Yuka assume estúdio do músico, morto em 2019, e grava disco
‘A parte da produção é fascinante, mas a técnica é chata demais’, confessa Pedro Yuka, 30 anos mais novo que o mano, de quem herdou parceria com o engenheiro de som Rômulo Catharino
RESUMO
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GERADO EM: 22/12/2024 - 18:50
Pedro Yuka lança disco homenageando irmão Marcelo com projeto Setor Norte
Irmão mais novo de Marcelo Yuka assume estúdio do músico e, após trajetória de aprendizado e parcerias, lança disco com estilo diversificado. Pedro Yuka revela desafios da produção musical e emoções ao homenagear o legado do irmão. O projeto Setor Norte promete novidades musicais para abril.
O melhor amigo de Pedro era Marcelo, seu irmão quase 30 anos mais velho. Mas com um detalhe:
— Meu irmão era o Marcelo, não o Yuka.
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Aos 30 anos, hoje com o sobrenome-apelido do irmão, Pedro Yuka tinha apenas 6 quando o então baterista e letrista do Rappa foi baleado em um assalto na Tijuca, em 2000. Depois do crime, nunca mais os dois se desgrudaram, até a morte de Marcelo, em 2019.
— O Pedro era o amor da vida do Marcelo — atesta a atriz e produtora Rita Castiglione, amiga próxima do mano mais velho e que herdou o afeto do caçula.
Apesar de todo o grude, Pedro nunca se interessou pelo lado musical.
— Ele me botava para batucar nos tambores, quando eu era criança, mas nunca foi a minha — conta o mais novo, que evitava o entourage do artista Yuka, tido como tóxico por amigos próximos, principalmente nos anos após o atentado.
Pedro cresceu (bastante, tem 1,85m, os mesmos genes que deram 1,94m a Marcelo) e, além de cuidar da própria vida, assumiu a do irmão.
— Iniciei várias faculdades, sempre sem muita certeza de qual era o meu caminho, irmão — conta ele, que acabou se formando em Economia na UFF e trabalhando em um banco. — Com meu pai e a Dona Luísa, mãe do Marcelo, já idosos, era eu mesmo que cuidava de tudo, principalmente depois que ele teve o AVC (em agosto de 2018) e começou a última série de internações.
A amiga Rita lembra o Pedro de 2019, época da morte de Yuka.
— Era um menino sério, mauricinho, sempre ocupado com tudo do Marcelo.
Ao longo dos últimos anos, a ficha foi caindo, e agora Pedro Yuka tem um disco pronto, do projeto Setor Norte, que toca em dupla com Rômulo Catharino, ex-assistente de Yuka em seu estúdio, na Tijuca.
— Passei uns dias em Florianópolis depois que ele morreu, e emendei com uma viagem de ônibus a São Paulo — lembra ele. — Ouvi muita música, funk, house, r’n’b, trap, new metal... e resolvi aprender a respeito. Uma ex-namorada me deu um computador velho, e eu caí dentro.
Traquitanas
Pedro, que já tinha escrito sobre o trabalho do irmão em seu trabalho de conclusão de curso na UFF (“A relação entre economia e sociedade através da análise das composições do músico e compositor Marcelo Yuka na década de 1990”), mergulhou nas traquitanas do estúdio.
— Resolvi que seria produtor, principalmente de música eletrônica — lembra ele. — Fui fazer cursos, Escola Portátil de Música da Unirio, ver vídeos no YouTube, mexer nos milhares de equipamentos que eu não tinha a menor ideia de como funcionavam.
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E também ganhar a vida: logo ele pediu demissão do banco e assumiu a herança do irmão. No estúdio, propôs sociedade a Rômulo.
— Abrimos uma produtora para gravar material de outros artistas, publicidade, o que desse para movimentar o estúdio e ganhar algum dinheiro — lembra o engenheiro de som, que trabalhou com Yuka por cerca de quatro anos. — Fiquei impressionado com o conhecimento do Pedro quando começamos. Antes, quando ele era mais novo, nunca o vi se interessar pela parte técnica. De repente ele sabia usar controladores, programas de gravação, filtros...
Pedro admite que se sentia pronto após o aprendizado solitário, quando se tornou profissional de estúdio. Mas se corrige.
— Tava pronto porra nenhuma! — diz, às gargalhadas. — Aquilo era só o começo. Aprendi muito com o Rômulo.
O projeto durou cerca de seis meses, não foi para a frente, e ele, mais uma vez, não se encontrou.
— A parte da produção é fascinante, mas a técnica é chata demais — avalia. — Você posiciona um microfone e fica horas gravando, repetindo, ouvindo, apertando o REC... Não era o que eu queria. Mas alguma coisa com o estúdio, com essa herança, tinha que ser feita.
O parceiro Rômulo Catharino foi o primeiro a enxergar o artista em Pedro.
— Ele queria só produzir, a princípio, house, música eletrônica — lembra o engenheiro. — Mas um dia ele apareceu com uma base e uma letra praticamente prontas. Eu fiquei emocionado, me lembrou o Yuka na mesma hora. Às vezes ele pedia uma caneta, e era como se psicografasse. A parte musical tem diferenças, mas a poesia urbana tem o mesmo DNA.
“Herói dos playboys” foi uma das primeiras músicas concluídas pela parceria: “Queriam que eu gostasse dos Wall Street boys/ Nunca acreditei que homens de terno fossem super-heróis”, diz a letra, cujo refrão decreta: “Vai ver se no Leblon tem invasão/ Vai ver se no Leblon tem caveirão”.
— Sou um cara nascido e criado aqui na Tijuca — define Pedro em seu apartamento no bairro de Tim Maia, cercado por alguns dos equipamentos do antigo estúdio de Yuka, hoje desmontado (“vendi algumas coisas para pagar as contas, outras estão guardadas até conseguirmos uma sala”, diz). — Gosto de andar na rua, de ver esse bairro de classe média cercado por favelas, onde o filho do desembargador cruza com o entregador do iFood de braço quebrado, levando a bicicleta com uma mão só.
Essa vivência deu o nome ao projeto, além de pautar as letras.
— Rômulo e eu somos caras da Zona Norte, eu, da Tijuca, ele, do Rio Comprido, aqui perto — diz Pedro. — E torcemos pro Flamengo, vemos os jogos no Setor Norte do Maracanã.
Ele, que sempre evitou o entorno do irmão, contou com velhos amigos na hora de profissionalizar o Setor Norte.
— Fui ao estúdio vê-lo, e ele me mostrou algumas músicas — lembra Rita, uma das fadas-madrinhas. — Eu disse que aquilo era muito bom, que tinha que ir adiante, mas ele alegou que não conhecia ninguém que pudesse embarcar no projeto.
Os contatos da produtora funcionaram, e Alexandre Santos, ex-empresário do Rappa, foi o primeiro convocado. Entusiasmado, ele pulou no bonde e chamou Sérgio Affonso, personagem histórico da indústria fonográfica brasileira.
Disco a caminho
Formou: assinado com a gravadora Altafonte, o Setor Norte deve lançar suas músicas (o formato ainda não está definido, podem ser singles, EP, LP) em abril e partir para os palcos. O disco, que flutua entre o trap, o rap, o funk e outros gêneros, teve participações de músicos como os rappers paulistas Martin e Gimenez e o tecladista e baterista Marcos Lobato, ex-Rappa.
— Imagina esse som num PA (sistema de som) como o do Circo Voador! — empolga-se Pedro ao dar o play em “Feat com quem eu amo”, canção com referência direta a Yuka. — Em um dos últimos dias lá no estúdio, antes de vendermos a casa, o Rômulo começou a escutar um som, que eu não identifiquei. Botei o microfone para ele e gravamos uma melodia, umas batidas, que estavam na cabeça dele e se encaixaram perfeitamente, como se Marcelo estivesse nos mandando um recado. Acabamos produzindo uma música meio na onda do F.U.R.T.O. (projeto de Yuka após sua saída do Rappa), um feat com quem eu amo.
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Animado e articulado, Pedro raramente se emociona, mas a lembrança de um papo casual em um posto de gasolina na Praça da Bandeira bate fundo.
— A gente parou para abastecer, e o Marcelo, do nada, me perguntou: “O que você quer ser quando crescer?”. Eu pensei e respondi: “Normal”.
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