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GERADO EM: 14/12/2024 - 21:40

500 Anos de Camões: Celebração e Reflexão no Festival Literário da Paraíba

No Festival Literário Internacional da Paraíba, os 500 anos de Camões são celebrados com debates sobre sua relevância atual e lançamentos de livros que exploram sua obra. A poesia de Camões é revista à luz dos dilemas contemporâneos, refletindo a diversidade e unidade da língua portuguesa nos países lusófonos. A presença do poeta transcende fronteiras e gera reflexões sobre descolonização e humanismo. Novas obras e edições especiais de "Os Lusíadas" são lançadas para marcar o quinto centenário do poeta.

Luís de Camões atravessa oceanos. No ano em que se comemora o quinto centenário do poeta português, a sua poesia continua em pleno deslocamento, unindo os países lusófonos. Nas últimas décadas, o bardo foi visto tanto como um símbolo do colonialismo europeu quanto um ponto de partida para reflexões sobre decolonização e descolonização.

Por aqui, a celebração mais recente ocorreu no I Festival Literário Internacional da Paraíba, que terminou no último dia 1, tendo o autor no centro de sua programação. Mais do que uma homenagem, o evento propôs um diálogo entre intelectuais, pesquisadores e artistas de países lusófonos, com o objetivo de pensar um “futuro descolonizado” para os dez territórios que falam português.

Durante dois dias, com o tema “Uma nova cidadania da língua”, os participantes debateram maneiras de ressignificar Camões e sua seminal epopeia “Os Lusíadas” à luz dos dilemas contemporâneos. Para o diretor do festival, o jornalista e produtor cultural José-Manuel Diogo, a Paraíba é o palco perfeito para um diálogo de aproximação entre os povos. A 14km da capital do estado, fica o Ponto do Seixas, o mais oriental das Américas — e, portanto, o mais próximo da Europa.

— Camões é para a cultura portuguesa o que os Beatles são para a cultura universal — diz Diogo, português radicado no Brasil há mais de 20 anos. — Não temos a pretensão de escrever um roteiro para a descolonização. Mas Camões pode ser usado como um gatilho para que os falantes do português se unam no território da língua, ainda mais agora que a tecnologia transformou a linguagem em uma plataforma.

Nascido por volta de 1524 e morto em Lisboa, em 1580, o poeta teve uma vida de aventuras pelos mares. Nesse período de errância, esteve por Índia, China e Moçambique, como um protótipo do “cidadão do mundo”. Diogo reconhece que a História iluminou mais o mito do que o homem, mas, ainda assim, vê elementos que corroboram o “Camões descolonizado” que aparece em novas pesquisas e biografias. Em suas viagens pelas colônias, o histórico personagem conheceu a prisão, a fome, os ferimentos de guerra, sentimentos de inadequação e até mesmo o naufrágio (literal).

— Camões sofreu o que os estrangeiros e imigrantes sofrem — diz Diogo. — É um homem que anda com uma soldadesca simples, um desabrigado, um desajustado. Estava sempre arrumando duelos e desafios. Acredito que hoje competiria em slams. Um de seus sonetos mais famosos diz que “todo o mundo é composto de mudanças, tomando sempre novas qualidades”. Para mim, são versos que revelam um homem se movimentando devagar, em um mundo imóvel.

Exposta durante os dois dias do evento, a obra “O rosto de Camões”, do fotógrafo e artista visual português João Francisco Vilhena, traduziu em arte visual a premissa da Fliparaíba. A mostra reúne 10 imagens de cinco homens e cinco mulheres de diferentes idades e origens dos territórios de língua portuguesa. Representando a diversidade e unidade do idioma, as figuras anônimas assumem o lugar do poeta em releituras de um de seus mais famosos retratos (o feito por Fernão Gomes), vestindo a mesma roupa (gola branca e gibão da época) e numa pose idêntica à do quadro.

Valores humanistas

Vilhena lembra que 10 é um “número mágico” na obra de Camões: “Os Lusíadas” está dividido em 10 cantos e cada verso é constituído por 10 sílabas métricas (decassilábico). Também há 10 territórios que falam português, se incluirmos Macau, uma região administrativa especial da China.

— Eu queria revelar nessas pessoas o arco-íris de cor que é o nosso idioma — diz Vilhena. — O português não é falado apenas em uma cultura de gente branca. Era importante lembrar isso num momento em que vivemos uma regressão dos valores humanistas. Todas as pessoas que olham para este retrato podem ver Camões, que está refletido no rosto dos modelos através da língua.

Poeta português Luís de Camões em retrato de François Gérard, de 1790 — Foto: Reprodução
Poeta português Luís de Camões em retrato de François Gérard, de 1790 — Foto: Reprodução

Um dos convidados da Fliparaíba, o professor e pesquisador paraibano Milton Marques Jr. lembra que, apesar de críticas pontuais ao Império, os versos de Camões celebram os descobrimentos e a expansão colonial portuguesa. Seria difícil, na visão de Marques, “encaixar” a poesia dele em um pensamento descolonial. O acadêmico, porém, acredita que “Os Lusíadas” transcende as ideias de seu tempo.

— É um texto atualíssimo — diz Marques, membro da Academia Paraibana de Letras e professor titular da UFPB. — No epílogo, Camões diz que sua voz rouca já não é ouvida com atenção. Ele fala desse ponto central de hoje e de ontem, dessa ignorância reinante, da falta de um projeto nacional, de Estado, de educação.

O acadêmico, que passou oito meses em Coimbra, entre 2023 e 2024, viu de perto as celebrações “em larga escala” da obra do poeta em Portugal. Por outro lado, ele lamenta as “esparsas” comemorações oficiais realizadas pelo governo brasileiro.

— Esses oito meses em um país cosmopolita de pequenas dimensões como Portugal me deram uma compreensão muito maior da multiplicidade da nossa língua — conta Marques. — Participava de seminários em que ouvia o português de diferentes nacionalidades e regiões. É a prova de que essa língua não fica paralisada no tempo. Ela deu diferentes falares que não podem ser contidos com uma colonização.

A presença multinacional de Camões pode ser sentida na rica coleção guardada pela Biblioteca Nacional do Rio. Uma recente exposição na sede, que ainda pode ser conferida digitalmente no site da instituição, exibiu mais de 700 relíquias relacionadas ao poeta, entre manuscritos, mapas e desenhos dos séculos XVI ao XIX, obras raras (como a raríssima primeira edição de “Os Lusíadas”). Presidente da BN, o poeta Marco Lucchesi diz que o espaço é hoje um “centro importantíssimo da memória camoniana”.

— Camões não para de crescer — afirma Lucchesi. — Sua obra ampliou o léxico com palavras pouco conhecidas, e agora essa língua vai se complexificando, tornando-se mestiça. O idioma se tornou um inquilinato: somos inquilinos e donos, somos atravessados por ela e a atravessamos igualmente.

Lançamentos para o quinto centenário

‘Figuras camonianas do mito’ (Tinta-da-China)

A pesquisadora portuguesa Maria Mafalda Viana mostra como Camões recria figuras da mitologia greco-latina para tornar “Os Lusíadas” um épico inovador, que reflete o seu tempo ao mesmo tempo em que o transcende. Segundo a autora, essas imagens não são meramente decorativas em sua obra, mas estruturantes da narrativa e do discurso poético da epopeia. As influências da tradição clássica teriam um papel funcional e simbólico no desenvolvimento dos temas e na construção do imaginário camoniano. Camões dialoga diretamente com os poetas antigos ao revisitar os temas da guerra (Homero, em “A Ilíada”) e da viagem (Virgílio, em “A Eneida”), reinterpretando essas tradições no contexto da história portuguesa e da expansão marítima.

Capa de "Figuras camonianas do mito" — Foto: Divulgação
Capa de "Figuras camonianas do mito" — Foto: Divulgação

‘Coisas que juntas se acham — Com Camões’ (Oficina Raquel)

Com lançamento previsto para abril, a coleção de ensaios de Luís Maffei investiga aspectos da lírica e da épica camoniana que indicam a contemporaneidade e legibilidade do poeta, sua capacidade de falar com o leitor de hoje. De acordo com o ensaísta brasiliense radicado no Rio, “Os Lusíadas” tem diversos gestos de oratória livre e corajosa, com enorme atualidade. Nos cantos I e X, Camões, em primeira pessoa, se dirige ao jovem rei D. Sebastião com o claro objetivo de educá-lo. Já no episódio de Inês, Canto III, o poeta contempla a fala da personagem, que defende os maiores valores da vida, como o amor, e ataca o Estado por impedir o seu cultivo.

— As falas tocam em estruturas de poder que, ainda que de modo alterado, se mantêm hoje em dia — afirma Maffei, que também é autor de “Signos de Camões”, coletânea de poesia de 2013. — Além disso, Camões é um obcecado pela verdade, mas percebe que a tarefa de elaborá-la é bastante limitada. O que inclusive demonstra que seu cristianismo é bastante singular.

Maffei prepara ainda uma edição especial de “Os Lusíadas”, em parceria com o pesquisador Paulo Braz, que sairá em março pela Kotter Ediorial. Cada volume trará um ensaio crítico escrito por leitores e leitoras brasileiros, de diferentes regiões do país.

‘Cartas em prosa e descrição do Hospital de Cupido’ e ‘Vidas de Camões no séc. XVII’ (Madamu)

A editora especializada em filosofia Madamu lança dois volumes organizados pela professora Marcia Arruda Franco (USP). O primeiro volume, “Cartas em prosa”, reúne seis cartas de Camões, preservadas na Biblioteca Nacional de Portugal, com introdução, fixação textual e mais de 300 notas explicativas de Franco. Entre elas, destaca-se a inédita “Descrição do Hospital de Cupido”, uma peça humorística que relata sua experiência em um hospital fictício administrado por figuras alegóricas ligadas ao amor. A edição inclui fac-símiles dos manuscritos e explora temas como cultura renascentista, filologia e história da sexualidade. O segundo volume apresenta os primeiros relatos biográficos do poeta, escritos por autores como Pedro de Mariz, Manuel Severim de Faria e Manuel de Faria e Sousa. Esses textos mostram a evolução da imagem de Camões, de súdito ingrato a mártir negligenciado e, finalmente, príncipe da poesia ibérica.

Capa da edição da Faro Editorial para "Os Lusíadas" — Foto: Divulgação
Capa da edição da Faro Editorial para "Os Lusíadas" — Foto: Divulgação

‘Os Lusíadas — 500 Anos de Camões — Edição Monumental Histórica Ilustrada’ (Faro Editorial)

A edição recria uma das versões mais raras e prestigiadas do épico português, inspirada na revisão histórica de Morgado de Mateus (1817) e nas ilustrações de Emilio Biel para a edição de 1880, lançada no tricentenário da morte de Camões. A edição original foi um presente diplomático destinado a monarcas e governantes de países como Brasil, França, Inglaterra e Espanha, incluindo membros da família Bonaparte, com o príncipe Eugênio e a rainha Hortênsia. A obra inclui ainda comentários críticos, anotações e xilogravuras que refletem o auge da expressão artística do período.

‘Os Lusíadas’ (Nova Fronteira)

A edição de “Os Lusíadas” da Nova Fronteira apresenta o épico de Camões com revisão e mais de 1.200 notas do poeta Alexei Bueno, que explicam referências mitológicas, históricas e linguísticas. Esta versão também inclui estrofes anteriormente omitidas, proporcionando uma leitura mais completa da obra. Além disso, contém ilustrações que acompanham a narrativa, oferecendo uma experiência visual integrada ao poema épico.

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