Celebrando 60 anos de carreira, Ascânio MMM abre mostra na Casa Roberto Marinho, com cerca de cem obras
Com inauguração neste sábado (14), panorâmica 'Geometria inquieta' reúne trabalhos do escultor desde os anos 1960, em madeira e alumínio, e obras de contemporâneos como Artur Barrio, Antonio Manuel, Lygia Pape e Wanda Pimentel
RESUMO
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GERADO EM: 13/12/2024 - 09:12
"Ascânio MMM: 60 anos de Geometria Inquieta na Casa Roberto Marinho"
Ascânio MMM comemora 60 anos de carreira com a exposição "Geometria inquieta" na Casa Roberto Marinho, exibindo cerca de cem obras em madeira e alumínio, incluindo trabalhos de artistas contemporâneos. A mostra destaca a evolução de sua produção e oferece obras interativas, promovendo a interação do público com as peças. A exposição também ressalta a influência da arquitetura e da herança neoconcreta na escultura brasileira contemporânea.
Desde a sua inauguração, em abril de 2018, o público da Casa Roberto Marinho é recebido pela escultura "Flexos 6" (2007), instalada nos jardins do instituto sediado no Cosme Velho, na Zona Sul do Rio. A partir de amanhã ela ganha a companhia de quase uma centena de outras obras de seu criador, Ascânio MMM, com a inauguração da exposição “Geometria inquieta”, com a qual celebra seis décadas de carreira.
No jardim projetado por Burle Marx, os visitantes poderão ver outras esculturas desenvolvidas com perfis de alumínio vazados, da série “Prismas” — a maior delas, “Prisma 13” (2024), criada especialmente para a panorâmica. Dentro da Casa, as vidraças antes protegidas por um painel ficam livres para integrar a visão dos trabalhos do exterior com os do térreo, a exemplo de “Fitangular longo” (1984), instalação em madeira de seis metros de altura que ocupa sozinha o salão principal, voltando a ser exibida ao público pela primeira vez em 40 anos.
Com curadoria do diretor da Casa Roberto Marinho, Lauro Cavalcanti, a mostra reúne trabalhos de todos os períodos, desde as “Composições” dos anos 1960, formadas pela justaposição de pequenos blocos de madeira pintada, recolhidos entre sobras de projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (FAU/UFRJ), a qual Ascânio começou a cursar em 1965, após passar pela Escola Nacional de Belas Artes (atual Escola de Belas Artes da UFRJ) entre 1963 e 1964. Nos dois andares, o percurso apresenta trabalhos em outros suportes, como desenhos em nanquim e esculturas de perfis de alumínio, material que caracterizou sua produção a partir dos anos 1980, com os “Módulos” instalados em bairros do Rio como Botafogo e Cosme Velho.
— Quando me convidaram para fazer obras públicas e não poderia usar madeira, recorri aos perfis de alumínio, muito utilizados na arquitetura. Mas, como na madeira, parto de um eixo, que chamo de ponto zero, do qual faço uma torção para criar as formas — explica Ascânio. — Isso vem da arquitetura, só com a Belas Artes não conseguiria chegar nesses resultados.
Veja obras da exposição 'Geometria inquieta'
Além das próprias obras, Ascânio selecionou trabalhos de outros artistas que dialogam com sua produção, tanto de seu acervo pessoal quanto da coleção da Casa Roberto Marinho, nos mesmos moldes da individual de Cristina Canale, “Dar forma ao mundo”, inaugurada no local em agosto. Assim, o português de Fão, radicado no Rio desde 1959, incluiu trabalhos dos amigos e compatriotas Artur Barrio e Antonio Manuel, além de nomes como Franz Weissmann, Amílcar de Castro, Lygia Pape, Ione Saldanha, Wanda Pimentel, Maria Martins, Frans Krajcberg e Alfredo Volpi.
— Nas salas, também estamos recuperando textos de críticos importantes, como Frederico Morais, Paulo Herkenhoff, Francisco Bittencourt, Aracy Amaral, Wilson Coutinho. Então, a mostra faz não só uma revisão da obra do Ascânio, mas do pensamento crítico brasileiro em relação a ela — aponta Lauro Cavalcanti, que também é arquiteto de formação. — Frederico compara Ascânio a Volpi, por partir do elemento mais simples, no caso dele, a têmpera, para criar obras muito sofisticadas. Ascânio parte de ripas e blocos de madeira para desenvolver trabalhos de grande complexidade.
Outra característica da exposição é destacar ao público o processo por trás da criação, desde a presença dos filetes de papelão cortados, com os quais o artista de 83 anos cria as primeiras formas bidimensionais, até uma reprodução de seu ateliê no Estácio, Zona Norte do Rio, em uma das salas, com estantes repletas de maquetes usadas para visualizar as obras antes de ampliar sua escala. É no amplo galpão, de mais de mil metros quadrados e pé-direito de sete metros, que Ascânio produz suas esculturas e instalações e as testa no espaço.
— Vou ao ateliê diariamente. O dia em que não posso ir, fico inquieto. Nessa rotina, por exemplo, pude perceber que, usando parafusos mais compridos e menos apertados entre os perfis de alumínio, conseguiria maleabilidade nas obras, como numa renda metálica — observa o artista. — Tudo que crio é consequência de estar sempre no ateliê. Ali guardo ao menos uma prova de artista de todas as séries, é importante ter por perto essa referência do meu trabalho.
Obras interativas
Ao final do percurso, a exposição reserva uma sala para obras interativas, como as caixas móveis, do final da década de 1960, nas quais o público pode criar formas geométricas manipulando a superfície; um painel de alumínio da série “Quacors”, no qual é possível criar composições com placas coloridas presas com fita adesiva; ou “Qualas 11” (2008), uma trama de quadrados de alumínio unidos por argolas de aço inox suspensa do teto, pela qual o público pode entrar como um penetrável.
— Muitas vezes o público está habituado a exposições em que há uma distância com as obras, em que você só entra e olha. Esta sala é justamente para que o espectador possa tocar e modificar o objeto. Cria uma intimidade com o trabalho — reforça Ascânio, mostrando um vídeo na parede em que seus três netos interagem com as obras. — Isso também faz com que as pessoas percebam que a criação não depende de ter um material ou um espaço específico. Uma obra pode ser feita com o que você tem à mão.
Para Lauro Cavalcanti, o conjunto apresentado pela exposição permite mostrar, sem uma abordagem didática, as principais transformações na produção de Ascânio e por que ela se tornou uma referência da escultura brasileira contemporânea.
— É uma mostra que traz o projeto, o processo e o resultado, algo raro de se ver. E uma obra de grande racionalidade, mas que não exclui em nenhum momento a poesia. Ascânio tem um lado tributário da arquitetura e de uma herança neoconcreta, mas que vai por um caminho único, de uma geometria mais lúdica — observa o curador. — Também conseguimos mostrar o caráter político de sua produção, e da sua geração de escultores, que, durante a ditadura militar, trouxe o espectador ao centro da obra.
Com a natural revisão de trajetória proporcionada pela panorâmica, Ascânio recorda os tempos de Escola de Belas Artes e as influências que balizariam seus trabalhos futuros.
— Nos horários de intervalo, eu visitava o Museu de Belas Artes (MNBA) e ficava vendo todas aquelas obras históricas, Pedro Américo, Victor Meirelles. Mas o que me impressionava mesmo eram os trabalhos do Amilcar de Castro, do Franz Weissmann, da Maria Leontina, do Aluísio Carvão, que ganhavam prêmios do Salão Nacional e entravam para o acervo — lembra o artista. — Olhava tudo aquilo e pensava: “É por aí que quero ir.”
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