Cultura
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Por — Rio de Janeiro

RESUMO

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GERADO EM: 09/12/2024 - 18:30

Marcos Sacramento: Samba, diversidade e superação.

Marcos Sacramento, aos 64 anos, desabafa sobre o preconceito no ambiente do samba, etarismo na carreira e superação de vícios. Seu retorno à cena musical carioca com o Samba do Sacramento destaca a diversidade e modernidade em seu novo álbum "Arco". O cantor, abertamente gay, celebra o amor e a sobriedade, rompendo tabus e inspirando outros na luta contra vícios.

É no Beco da Cultura, cravado na encruzilhada da Rua do Mercado com Rua do Rosário, Centro do Rio, que centenas de pessoas têm se aglomerado desde que Marcos Sacramento botou seu pagode na rua pela primeira vez, no início do ano.

Sob a copa de uma árvore pata-de-vaca, cujas folhas estão sempre balançando graças a um vento que ninguém sabe de onde vem, o Samba do Sacramento (cuja última edição do ano acontece no próximo sábado, 14) é uma ode ao gênero sobre o qual o cantor e compositor fluminense de 64 anos construiu sua carreira.

Samba do Sacramento na Rua do Mercado, Centro do Rio — Foto: Divulgação
Samba do Sacramento na Rua do Mercado, Centro do Rio — Foto: Divulgação

Mas foge do repertório óbvio que tomou conta das mais de 150 rodas de samba cadastradas oficialmente pela prefeitura da cidade. Claro que tem Jorge Aragão, Moacyr Luz, Beth Carvalho, Toninho Gerais. Mas também tem Carmen Miranda e Waldemar Silva. O evento, idealizado pelo produtor Phil Baptiste, acontece à base do passando o “chapix” (quando o chapéu é o pix) e marca um retorno com mais força do artista à cena musical carioca.

Gingado

"Voltei/ A lembrança pedia pra eu voltar/ A saudade mandava me chamar", canta ele ao microfone, recorrendo ao clássico de Baden Powell e Paulo César Pinheiro para anunciar sua presença.

E que presença. Com o dreads presos numa faixa de cabelo e sempre dentro de uma roupa de linho que emoldura a elegância do corpo esguio, Sacra, como é chamado na intimidade, parece ter óleo nas juntas.

Ao suingue, soma-se o sorriso que escancara o prazer cada vez que faz ecoar seu timbre peculiar, repleto de uma personalidade que carimba as canções. Elas soam como se tivessem sido compostas para sua voz.

— Toda canção tem uma alma. A função do intérprete é tomar para si, se apropriar dela, assim como um ator da história de um personagem. Sou um cantor que gosta de compor e não o contrário. Meu instrumento de cabeça é a minha voz — diz ele.

Não é diferente em "Arco", disco que acaba de lançar no rastro do sucesso de sua roda de samba. Nele, Sacramento exerce o ofício de intérprete que marca boa parte de sua trajetória, dedicada a compositores como Noel Rosa, Custódio Mesquita, Paulinho da Viola, Geraldo Pereira, Ataulfo Alves, Assis Valente, Silas de Oliveira...

Marca também a lembrança mais remota que o artista tem de si mesmo, no quintal da casa onde nasceu, no bairro do Fonseca, periferia de Niterói, onde ouvia a mãe cantar "com vibrato à la Dalva de Oliveira" enquanto fazia os trabalhos domésticos.

A capa de 'Arco', novo disco do cantor e compositor, lançado pela Biscoito Fino — Foto: Reprodução
A capa de 'Arco', novo disco do cantor e compositor, lançado pela Biscoito Fino — Foto: Reprodução

O repertório do novo álbum inclui samba, mas vai além. Em seu 21º disco, o artista se conecta com cantores e músicos de gerações mais jovens, realimentando a tradição com pitadas de modernidade em duetos com Zé Ibarra ("Todo amor que houver nessa vida") e com a baiana Josyara ("Bahia-Rio"). O frescor de uma sonoridade mais ousada é reforçado pela produção musical do jovem guitarrista Elisio Freitas. Há ainda parcerias com Manu da Cuíca (“Niterói”) e outros, além de canção de Thiago Amud (“Graça”).

Etarismo

"Arco" chega à praça após o autoral "Caminho para o samba", lançado em 2022, que passou despercebido. Culpa da pandemia? Sacramento apresenta sua teoria:

— Nunca parei de trabalhar, mas se a gente não toca no rádio ou não está na mídia, some.

O fato é que para um artista dessa idade é praticamente proibido não estar consolidado. O preço que se paga é a invisibilidade diante de festivais, rádios e outras mídias.

— Um artista de 64 anos que não está no top 10 das paradas e nas páginas é desconsiderado em função do pensamento etarista. É preciso falar sobre isso sem medo, porque não sou só eu, há centenas — desabafa. — Alaíde Costa, por exemplo, só recentemente foi reconhecida. Cartola lavou carro até os 60 anos, Hermínio Bello de Carvalho diz: "Não descobri Clementina de Jesus, só prestei atenção nela". Não estou me comparando, mas essas coisas estão no raio dessa discussão.

Dentro dela, ele segue argumentando, também cabe o fato de não ter sido nada fácil pertencer a uma geração que veio logo depois de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Maria Bethânia, Djavan...

— Nossos ídolos, que estão aí vigorosos, fazendo sucesso há 60 anos, surgiram num momento histórico da cultura no Brasil bem diferente do da minha geração. Tropicália, Cinema Novo, festivais.... Isso havia desaparecido na década de 1980, quando passamos por uma ditadura e muitos cortes — analisa.

Ao mesmo tempo, continua o cantor, aqueles movimentos transformadores que começaram a ser decantados nos anos 1970, na década de 1980, ainda estavam borbulhando.

— É foda ser artista no país desses ídolos que promoveram uma verdadeira revolução. A primeira vez que subi num palco foi no do Circo Voador, com um grupo chamado Cão Sem Dono, abrindo para um show do Arrigo Barnabé. Éramos undergrounds, fazíamos shows nos buracos mais recônditos. A banda acabou em 1987. E, aí, a manutenção de uma carreira no mercado independente é barra pesada. Tem que ter muito fôlego, tutano, perseverança, fé no seu negócio. Meus 40 anos de carreira foram de muito altos e baixos.

'Estou limpo há 24 anos'

Isso incluiu um mergulho de cabeça no fundo poço levado pelo abuso de álcool e cocaína, vícios que também contribuíram para dar uma bela minada em sua carreira.

— Diferente de artistas ídolos, heróis que morreram de overdose, ou de outros que beberam demais, foram super bem-sucedidos e são célebres até hoje, como Vinicius de Moraes, eu não tive essa sorte. O efeito das drogas no meu corpo foi muito devastador, me impediu de fazer coisas, de estar em lugares em que eu deveria estar. Em vez disso, eu estava no botequim enchendo a cara — assume. — Embora nunca tenha deixado de trabalhar, fiz muito show bêbado.

A gota d'água para que se percebesse num labirinto sem saída veio depois de um fim de semana pesado...

— Meu último porre foi no dia 7 de abril de 2000, ano do apocalipse. Fui vítima de um (golpe) boa noite, Cinderela e passei o fim de semana inteiro desacordado. Quando acordei, vi que tinha que fazer alguma coisa. A ficha caiu. Entendi que não estava fazendo aquilo porque era um vagabundo inconsequente, era uma doença, e eu precisava ser tratado.

A ajuda veio no Alcóolicos Anônimos. Três anos após o tratamento, estava gravando o disco "Memorável samba" e fazendo show na Europa. Lá se vão mais de duas décadas com os vícios sob controle.

— Estou limpo há 24 anos. Não bebo, não fumo, não uso nenhum tipo de droga. Minha alimentação é quase vegana, faço pilates, terapia e corro 10 quilômetros por dia. Mas sou relax. Se tiver uma festa na minha casa, vai ter cerveja, afinal amigo eu nunca fiz bebendo leite (risos) — afirma, citando verso célebre de uma música de Moacyr Luz. — Sou um dependente químico assumido em recuperação até hoje. Está tudo certo, pode beber perto de mim, estou feliz com a minha água mineral.

É o que se vê no Samba do Sacramento. Há garrafas e mais garrafas de cerveja espalhadas pela mesa. Todas na frente dos músicos. Na reta do cantor, apenas água.

Sexualidade

Outro componente que carregou a caminhada de desafios foi o fato de Sacramento ser um homem gay. Ainda mais dentro do universo do samba, para o qual acabou apontando o seu rumo. Num cenário historicamente masculino e dominado pela heteronormatividade, ele se sentiu, muitas vezes, invisível.

— De maneira geral, o ambiente do samba sempre torceu o nariz para gay. "Esse cara aí, com essa voz e esse fraseado, tá fora!" — conta, lembrando situações e olhares. — Mas não generalizo. Tive apoio de gente importante que nunca se importou com esse detalhe: Nei Lopes, Ruy Castro e Marquinhos de Oswaldo Cruz me puxaram para cima.

A sexualidade nunca foi questão para o artista. Mas agora ele fala abertamente do assunto até na música. "Para Frido", registrada em "Arco", é dedicada ao grande amor de sua vida, com quem vive há 34 anos — hoje, em casas separadas, "entre tapas e beijos".

— Nunca é tarde para uma declaração de amor e também para uma declaração de amor gay para que se entenda que qualquer maneira de amor vale a pena, como cantou Milton (Nascimento) — filosofa ele, que viu muitos amigos morrem de Aids nos anos 1980. — Frequentei velórios de amigos quando ainda chamávamos de "câncer gay". Não peguei HIV mesmo levando uma vida super promíscua como muitos da minha geração. Atravessando a década de 1980 botando pra quebrar, doidão no Posto 9, indo da praia para a putaria. Dei muita sorte, sou um sobrevivente. Acho que a gente precisa falar disso porque o tabu não ajuda em nada.

O anonimato, inclusive, ele quebrou no AA, onde hoje faz parte de um grupo de ajuda que acolhe quem chega.

— Consegui levar pessoas sabem que sabem que estou em recuperação há mais de duas décadas. Digo para levantar o dedinho que o Tio Sacra vai lá e estende a mão — brinca. — A vida é livre. O mundo sem álcool seria mais chato. A maioria das pessoas pode encher a cara, mas tem gente que não pode. Eu sou um. E quando você assume, isso fica mais fácil.

Nada na vida de Sacra foi sem sofrimento. Mas tudo ganha sentido cada vez que ele toma a toma a rua de forma democrática e vê que seu samba pegou:

— Tem sido gratificante ver a cara das pessoas misturadas: jovem, velho, gays, hétero, preto, branco — enumera o músico, fruto da mistura de famílias baiana e italiana. — Embora corra o risco de ser cancelado ao usar essa palavra, sou mulato com muito orgulho, esse cara miscigenado com genes europeus e descendentes de africanos provavelmente escravizados com vitalidade física para encarar até 4h30 da manhã, o que também vem do amor que tenho pelo samba. Sou o que sou por causa do samba, ele é tudo para mim.

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