ARTIGO: Fernanda Montenegro, uma trajetória de vida e profissão dedicada à cultura das artes no Brasil
Atriz é exemplo de rebeldia contra um tempo acelerado que corrói a essência que, aos poucos, configura-se em torno das experiências de vida em sua integralidade
RESUMO
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GERADO EM: 04/12/2024 - 18:03
Fernanda Montenegro: 95 anos de resistência e arte
Fernanda Montenegro, símbolo de resistência à pressa, inspira a valorizar a espera e a essência da vida. Seus 95 anos e 80 de carreira refletem sua devoção ao teatro e à liberdade artística, destacando a importância da arte na sociedade. Sua história e influência são lembradas como essenciais para a cultura nacional e a valorização da vida e liberdade de expressão.
Atriz Fernanda Montenegro, Fernanda Montenegro, Dona Fernanda, Acadêmica Fernanda Montenegro, Fernanda Montenegro, dentre outras formas de nos referirmos, no Brasil e no exterior, à respeitada personalidade do Teatro e da Cultura das Artes, Arlette Pinheiro da Silva Torres. Mulher. Mulher forte e destemida, que, na função de humana nos inspira. Aplausos a ela, que comemora seus 95 anos de idade e 80 anos de carreira. Nosso respeito e admiração.
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De forma bastante satisfatória, cabe-me nesta oportunidade, reportar-me à memória de livros que li: de Ecléa Bosi (1936-2017), “O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social” (2003), e, de Aleida Assmann (1947- ), “Espaços da Recordação: Formas e Transformação da Memória Cultural” (2011). Ambos retratam e evocam a importância de nos tonarmos pessoas como Fernanda Montenegro: vivas na memória, na história, na mentalidade e na imaginação social de grande parte de uma nação, de um povo. Dessa forma, do ponto de vista da História e da Memória, que sustentam minha escrita, devo considerar que pessoas como Fernanda Montenegro jamais deverão ser esquecidas, porque sua trajetória de vida e incentivo ao Teatro, à Cultura das Artes, inspira-nos em todos os setores sociais de vida e, em particular, da vida pública que vivenciamos diariamente.
Quero chamar atenção neste artigo para a inspiração que Fernanda Montenegro tem representado diante da Cultura das Artes em nosso país e no mundo. Ela tem provocado uma geração movida pela pressa, pelo imediatismo, pela ânsia de se conquistar tudo para ontem. Ela é um exemplo claro de rebeldia contra um tempo acelerado que corrói a espera, a maturação, a essência que, aos poucos, configura-se em torno das experiências de vida e da vida humana em sua integralidade. Nota-se, portanto, que sua atuação como personagem histórica diante de tantas peças, filmes, palestras, novelas, séries, minisséries, participações de cunho público nas quais devotou sua vida coloca-nos frente a um livro biográfico da atriz aberto, o qual tem início, mas não apresenta um fim em si mesmo.
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O Brasil pôde, ao longo de anos, ter acesso aos chavões de que a atriz se valeu, como: “Se você exerce a sua vocação, metade da sua vida está resolvida”; “O palco, as tábuas do palco é que de fato formam um ator”; “Seguir o teatro? Desista! Caso você não conseguir levantar da cama porque ele lhe faz falta, então, volte e atue”. Essas frases são elementos importantes e deveriam dialogar com qualquer profissão, pois assumem contorno de exemplos, são válidas, precisas e inspiradoras.
O botão eletrônico e a tecnologia que têm nos colocado frente a um novo modo de vida não têm superado a necessidade de plateias nos teatros. Segundo Fernanda Montenegro, o ser humano precisa de contato com o outro. Isso é bastante significativo, se pensarmos em uma necessidade humana que deve ser valorizada e contemplada no tempo presente diante do ser humano que é informado e instigado o tempo todo para o ódio, a guerra, a desunião, a destruição, em outras palavras, o ser humano que tem se dilacerado pelo mundo. Se posso me referir à filósofa Hannah Arendt (1906-1975), Fernanda Montenegro cumpre o seu papel de nos conscientizar e lutar pelo bem da condição humana, na qual estamos situados no tempo e no espaço.
Fernanda Montenegro comemora seus 95 anos de idade e 80 anos de carreira. É uma mulher que viveu momentos desafiadores, como a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Guerra Fria (1947-1989), o regime militar brasileiro (1964-1985), dentre outros episódios históricos que nos fizeram pensar sobre a nossa existência. Nesse aspecto, cabe analisar do ponto de vista histórico: a atriz sempre deixou vestígios e rastros sobre sua postura de valor à vida e, de forma incondicional, de valor à liberdade de expressão.
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No encalço das atuações cênicas e de vida de Fernanda Montenegro, a Arte deve ser entendida como libertadora frente aos grilhões da censura, do conservadorismo, das amarras do ódio, do desrespeito ao ser humano, dos sistemas políticos autoritários e totalitários. O filósofo Walter Benjamin (1892-1940), por meio de sua obra “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (1936), traz elementos para entendermos a importância de se valorizar a Arte, para a qual tanto a atriz tem chamado a atenção. Por isso, a valorização da atriz Fernanda Montenegro em relação à Cultura das Artes nos remete à valorização daquele ofício que se configura, primeiramente, por meio dos palcos, no seu caso específico, mas que não deixa de se estender para outras formas de expressão artística que, de fato, vão nos proporcionar a liberdade. Nesse sentido, a Arte é uma realidade e, ao mesmo tempo, uma necessidade, porque ela nos alimenta, nos cura, nos salva, nos torna seres humanos constituídos de valores e com sentimentos reais de existência.
O Teatro dos Sete, companhia de teatro criada em 1959 pelo diretor Gianni Ratto (1916-2005), e da qual Fernanda Montenegro era integrante, coloca-nos frente ao amor ao teatro que tanto revelou seu talento, assim como alimentou seu desejo ardente em unir forças para um bem comum - o Teatro, a liberdade. Além disso, a atriz nos faz refletir que seus laços com o teatro envolveram as novas gerações e, a partir de então, costurou-se uma bandeira rumo à conscientização da importância do teatro e das artes de modo geral em nosso país. A união estabelecida com seu esposo Fernando Torres (1927-2008), o ator Ítalo Rossi (1931-2011) - que a atriz considera como um irmão -, Sérgio Britto (1923-2011), entre outros, contribuiu de forma decisiva na luta de atores em defesa da profissão desempenhada nos palcos e da Cultura das Artes em nosso país.
Por fim, o incentivo ao Teatro no Brasil é e será sempre bem-vindo, porque suaviza as relações humanas, conscientiza-nos da nossa existência e nos traz sentido de vida diante da arte que nos provoca, que incomoda, que nos leva à consciência do que nos é por direito. E entre nossos maiores direitos, o direito à vida, à liberdade e à liberdade de expressão. O incentivo ao teatro é, do meu ponto de vista, o reconhecimento de nossa vida cotidiana, parafraseando a atriz: “nós somos o tempo todo atores no palco da vida, no mundo”. Viva Fernanda Montenegro! Damos graças por ela existir e nos inspirar tanto, ontem, hoje e amanhã.
Varlei da Silva é Mestre em História Cultural pela UNICAMP
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