Ana Paula Lisboa
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Ana Paula Lisboa 

Escritora, jornalista e apresentadora.

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Ana Paula Lisboa 

RESUMO

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GERADO EM: 18/09/2024 - 03:30

Reflexões sobre Denúncias de Assédio: Aprendizado Coletivo na Luta pelos Direitos Sociais

Em reflexão após denúncias de assédio, autora destaca aprendizado coletivo e a necessidade de questionar padrões. Inspirada por Mandela, ressalta a importância de aprender e desacreditar em salvadores. Comparando a luta social diária com a hidratação, enfatiza a constância no combate às opressões. Critica a inércia e aponta a necessidade de ir além do superficial para verdadeira evolução.

Eu demorei pra entender um determinado incômodo que me tomou da cabeça aos pés na semana passada. Havia um outro sentimento junto, o da vergonha, que foi bem resumido por um dos tantos comentários que li: eu sinto como se fosse alguém da minha família que tivesse feito isso.

Foram muitos os relatos que falavam em derrota, em perda, dor e luto, depois das denúncias de assédio sexual contra o então ministro Silvio Almeida e sua posterior demissão. Eu passei um tempão lendo tudo aquilo, concordando em muitas partes, mas visivelmente incomodada por não sentir a mesma coisa, esse sentimento de derrota.

Eu acredito em sentimentos coletivos, eu acredito nas mangueiras que dão mangas ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro e em Luanda, sem que ninguém tenha que avisá-las. E a (santa) terapia ajuda a perceber quando esse sentimento sem nome se instaura, a fazer perguntas a si mesma sobre ele.

Foi fazendo perguntas que me lembrei do ensinamento de Nelson Mandela: “Eu nunca perco. Ou ganho, ou aprendo.” Isso dito por alguém que passou quase 30 anos preso ensina muito mais. Outra coisa que a vida de Mandela ensina é que a luta se faz em coletivo.

Perdemos, sim, quando não aprendemos a desacreditar no mito do salvador, aquele que vai nos guiar até a terra prometida, ao nosso quilombo destruído e queimado, e que lá poderemos viver em harmonia e paz. Acontece muita decepção quando a gente fala em Ubuntu, usa camiseta, faz tatuagem, mas permanece com a cabeça presa no sebastianismo. E me incluo nessa crítica, porque foi assim que fomos educados, catequizados, socializados.

Outro dia, conversando com uma amiga, eu disse a ela que qualquer movimento contrário a machismo, homofobia, racismo, misoginia, capacitismo, gordofobia e outros é muito cansativo porque precisa se lembrar de fazer todos os dias. É como beber água, não dá para beber seis litros d’água num dia e achar que nos próximos dois dias pode tirar uma folga.

Tem que beber dois litros todos os dias, independentemente dos dias anteriores, mas nem sempre dá. Há dias em que a gente só consegue beber 500ml de água e olhe lá.

Títulos, cargos, livros publicados e milhões de seguidores não livram ninguém de exercer qualquer tipo de opressão. Tem que beber dois litros d’água todos os dias. Mas eu sei, estar ciente disso também não nos livra da decepção, da vergonha, da dor ou da confusão.

O que eu sei é que nunca perco, então não venham me chamar de derrotada. A gente só perde se não aprender. A gente perde feio se continua a falar como uma matraca, se obriga mulheres a falar, se não consegue parar para raciocinar, intuir. A gente perde muito se continuamos a seguir este fluxo de pergunta e resposta como se a vida fosse um talk show. Para aprender, tem que ir na direção contrária, tem que beber dois litros d’água todos os dias.

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