Educação e as instituições
O caráter elitista e excludente da educação brasileira não foi obra do acaso. Foi moldado para ser assim
“O baixo nível de instrução dos países pobres é causado por instituições econômicas que falham em criar incentivos para que pais eduquem seus filhos e instituições políticas que não conseguem induzir o governo a construir, financiar e apoiar escolas e os desejos dos pais e das crianças. O preço que essas nações pagam pela baixa escolarização da população e pela falta de mercados inclusivos é alto: não conseguem mobilizar seu talento natural.” O trecho acima é do livro “Por que as nações fracassam”, de Daron Acemoglu e James A. Robinson, que há duas semanas foram anunciados como vencedores do prêmio Nobel de Economia, ao lado de Simon Johnson.
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Educação não é o tema principal do trabalho de Acemoglu e Robinson. A tese central dos autores no livro é de que o crescimento econômico e a prosperidade das nações estão associados a instituições políticas e econômicas inclusivas (que geram incentivos para o desenvolvimento econômico e social dos indivíduos), enquanto instituições extrativistas (baseadas na exploração do trabalho para benefício de uma pequena elite) tradicionalmente levam a estagnação e pobreza. Mas muitos outros autores já estudaram, em mais profundidade, a relação entre as instituições políticas e econômicas com a educação, corroborando o argumento de que sociedades mais inclusivas (e, portanto, menos desiguais) foram mais bem-sucedidas no desenvolvimento de seus sistemas educacionais.
Num estudo publicado em 2000 (“Schooling, Suffrage, and the Persistence of Inequality in the Americas, 1800–1945”), por exemplo, Elisa Mariscal e Kenneth Sokoloff concluem não ser surpresa que, “com este tipo de extrema desigualdade na distribuição de renda, capital humano e poder político, os governos locais na América Latina tenham fracassado em organizar escolas mantidas com impostos e abertas a todos”.
Em sua tese “O atraso em meio à riqueza: uma história econômica da educação primária em São Paulo, 1835 a 1920”, o historiador Renato Perim Colistete chega à conclusão semelhante: “Olhando em retrospectiva, é difícil evitar a conclusão de que as elites econômicas mostraram-se eficazes na resistência à tributação de suas propriedades e rendas durante todo o período de debates e reformas da instrução pública no século XIX e início do século XX”
As causas do atraso educacional brasileiro, porém, não estão relacionadas somente ao subfinanciamento. O caráter elitista e excludente da educação brasileira não foi obra do acaso. Pelo contrário, nosso sistema educacional foi moldado para ser assim, ao contrário dos sistemas educacionais de países desenvolvidos, que, nos termos de Acemoglu e Robinson, poderiam ser classificados como inclusivos.
Nas décadas de 40 e 60, por vezes equivocadamente retratadas como épocas de ouro da educação, mais da metade dos alunos que ingressavam na primeira série do primário (hoje ensino fundamental) abandoava a escola após sucessivas reprovações, sem chegar sequer à segunda série. E apenas míseros 6% conseguiam completar o colegial (hoje ensino médio) no início dos anos 70. Em vez de ter como objetivo expandir ao máximo o acesso e conclusão da educação básica para formação em massa de capital humano, a lógica do sistema era, desde os primórdios da educação básica, de que apenas os mais “aptos” mereciam progredir, resultando em taxas de repetência absurdamente altas até para padrões latino-americanos. E o pior é que, até hoje, há quem defenda esse modelo arcaico, e que nos levou até aqui.