SOS Rio Grande do Sul
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RESUMO

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GERADO EM: 30/10/2024 - 13:00

Reconstrução pós-enchentes: desafios e esperança

Seis meses após a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, a reconstrução ainda não está completa, com desabrigados e sistemas de prevenção deficientes. Foram gastos R$ 45 bilhões, mas milhares ainda sem casa. Ações de ajuda e reconstrução em andamento, porém, com desafios burocráticos e de coordenação entre os governos. O retorno à normalidade é lento, com destaque para a necessidade de preparação para futuros desastres naturais.

A reabertura parcial do Aeroporto Salgado Filho neste mês, em Porto Alegre, resume o andamento da recuperação do Rio Grande do Sul, seis meses após a primeira das quase 200 mortes pelas chuvas que afetaram a vida de mais de dois milhões de moradores: ela avança, mas ainda não está completa. Foram gastos cerca de R$ 45 bilhões de recursos municipais, estaduais e federais para recuperar escolas, hospitais, rodovias, e em ajudas emergenciais à população e a empresas. Mas ainda há pessoas sem casa e os sistemas contra enchentes não foram sanados.

Segundo o governo estadual, 8.345 famílias recebem aluguel social em 52 cidades, e 1.810 pessoas vivem em 40 abrigos de 23 municípios. Mas o total de moradores que nunca voltaram para suas casas vai muito além, já que a maioria recorreu a lares de parentes ou se mudou. A prefeitura de Porto Alegre calcula que serão necessárias 20.781 novas casas para quem foi afetado pela elevação das águas do Rio Guaíba.

O que foi feito e o que falta fazer — Foto: Editoria de Arte
O que foi feito e o que falta fazer — Foto: Editoria de Arte

O governo federal entregou apenas 367 casas, e 224 imóveis foram escolhidos por famílias beneficiárias de um programa de compra assistida dos imóveis. Além disso, há 2.310 apartamentos do Minha Casa, Minha Vida disponíveis para seleção. A meta é a construção de 24,8 mil moradias, inclusive 17,5 mil gratuitas. Prefeituras apontam lentidão no processo, mas a União alega que municípios precisam agilizar laudos e documentações que viabilizam as entregas.

Moradora de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, a empregada doméstica Sandra Braga ainda não conseguiu voltar para casa. Ela passou duas semanas em um abrigo e está com a família em um apartamento emprestado pelo chefe de sua filha.

— Caíram todas as divisórias dos cômodos. Só uma geladeira voltou a funcionar — lamenta Sandra, que relata o perigo de invasões às casas de Canoas nesse período. — A prioridade é reconstruir o muro dos fundos.

Sandra conseguiu os R$ 5,1 mil de ajuda emergencial do governo federal destinado a famílias afetadas. O dinheiro ajudou Gislaine Trindade a voltar para casa em Canoas há poucas semanas.

— Foi bem difícil voltar. Ela estava sem a porta, sem janelas. Todos os dias olho a previsão do tempo. Quando vai chover já fico preocupada — conta Gislaine, que gastou a ajuda federal com o aluguel de um apartamento.

Na falta de soluções, o arquiteto e urbanista Eber Pires Marzulo, da UFRGS, diz que, aparentemente, o local que mais recebeu desabrigados em Porto Alegre foi uma ocupação do MTST em um prédio abandonado do INSS, na entrada do Cais do Porto.

— Mostra como o poder público não conseguiu responder a essa demanda – afirma Marzulo, que diz que, nos últimos meses, subiram os preços imobiliários nos bairros menos afetados da cidade — A maioria dos equipamentos públicos voltou a funcionar, mas a minoria fechada, que está principalmente nos bairros populares, faz muita falta.

Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias do Ministério Público do Rio Grande do Sul, o promotor Claudio Ari Mello diz que a falta de clareza e definição das responsabilidades do governo federal, do estado e dos municípios prejudicou a eficiência do trabalho.

— Foi feito muito pouco. Não existe um sistema interfederativo para enfrentamento a desastres no Brasil, e o Rio Grande do Sul se ressentiu disso — explica.

Mello frisa que projetos do Minha Casa, Minha Vida levam em média de três a quatro anos até a entrega. A compra assistida, outra estratégia federal, exige o planejamento e iniciativa das prefeituras, o que tem atrasado as aquisições, afirma o promotor. Enquanto isso, módulos temporários têm sido uma tentativa de solução por parte do governo estadual.

Prevenção incerta

Nas ações de prevenção a novas enchentes, a melhoria da proteção na Região Metropolitana de Porto Alegre depende não só da reforma do sistema já existente, mas de novas estruturas em outras cidades, como Eldorado do Sul, que teve 80% do seu território alagado. No Vale do Taquari, a dificuldade é definir se a geografia local permite um sistema de diques e muros. O governo federal encomendou estudos para essa análise, diz o promotor, que também recomenda a redefinição da responsabilidade por essas proteções:

— O sistema do Guaíba tem que ter gestão estadual ou federal, mas por enquanto as operações continuam com os municípios — afirma o promotor, que destaca que o Ministério Público tem priorizado recomendações e acordos em detrimento de ações judiciais para exigência de novos planos diretores e de contingência dos municípios.

Doutor em Engenharia Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-Ufrgs), Tiago Luis Gomes explica que fortes chuvas poderiam causar grandes estragos de novo, diante da situação atual dos sistemas de contenção:

— Porto Alegre estaria um pouco mais preparada, mas não imune. Em regiões como o Vale do Taquari, a melhor medida é as pessoas não voltarem para suas casas.

O governo gaúcho diz que já foram gastos R$ 2,2 bilhões em ações como repasses a Defesas Civis de municípios, conservação de estradas e desassoreamento de rios. Em Porto Alegre, foram priorizados 309 equipamentos públicos destruídos ou afetados pelas enchentes. Segundo o secretário do Meio Ambiente e coordenador do escritório de reconstrução de Porto Alegre, Germano Bremm, 38 obras foram concluídas e 163 em andamento. Ele diz que 90% dos equipamentos estão em operação, pleno ou parcialmente.

No entanto, o secretário admite um “gargalo muito grande” nos eixos habitacional e do sistema de proteção de enchentes, e justifica a demora pela necessidade de articulação com estado e União.

Do custo de R$ 1,2 bilhão para reconstrução, ele destaca que a maior fatia – R$ 567 milhões - será destinada a ações de mitigação e adaptação climática.

— Cada vez mais precisamos nos preparar para as mudanças climáticas. Isso tende a ser uma realidade de todos os municípios, cada um com seus riscos e ameaças — afirma o secretário, que celebra o retorno do movimento econômico da cidade, com abertura de empregos e retomada de arrecadação. — O resultado está superior à nossa expectativa. Afinal, vivemos uma das maiores tragédias do mundo.

Doações também ajudam a reconstrução

Além dos gastos públicos, o Rio Grande do Sul recebeu um número expressivo de doações. Segundo dados divulgados pela Defesa Civil do Rio Grande do Sul, foram doados 1,5 milhão de litros de água potável e 202,2 toneladas de alimentos diversos. Ainda de acordo com o balanço, foram recebidas 166.076 cestas básicas, 136 mil litros de leite, 98 mil cobertores, 24 mil colchões e 244 mil kits de higiene e limpeza.

No total, a Defesa Civil contabilizou 3,375 milhões de itens recebidos e distribuídos, incluindo também 62 mil sacos de ração animal, 42 mil fraldas e 364 mil kits de roupas.

— As doações foram essenciais para alimentar e abrigar milhares de famílias, bem como tem possibilitado a reconstrução após as enchentes — afirma Marcella Coelho, conselheira e cofundadora do Movimento União BR, que já atuou em 28 catástrofes nos últimos 3 anos com doações que ultrapassaram 400 milhões de reais atendendo mais de 28 milhões de pessoas.

Coelho é uma das entrevistadas da série documental "Meu, Seu, Nosso" disponível na plataforma de streaming Aquarius, que discute a cultura de doação no Brasil. Ela destaca que as mobilizações para doações no país ainda são muito voltadas para situações de catástrofes, e diz que ainda é necessário aumentar a conscientização para que a ajuda continue mesmo após os momentos de crise.

— As pessoas são solidárias, mas a prática de doar regularmente, de forma planejada, ainda representa muito pouco. Em catástrofes, como enchentes, as pessoas se mobilizam, mas, quando a água desce, a doação tende a diminuir, embora os maiores desafios surgem a partir desse ponto para tentar recompor o que se foi — diz a especialista. — E essencial fortalecer a transparência e a confiança nas organizações sociais para que as pessoas saibam que suas contribuições estão realmente ajudando a transformar vidas ao longo do ano, e não apenas em momentos críticos.

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