Um profe pelo mundo
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Informações da coluna

João Alegria

João Alegria é Doutor em Educação Brasileira, professor do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio e atual Secretário Geral da Fundação Roberto Marinho

A justiça climática refere-se à ideia de que as mudanças climáticas têm um impacto desproporcional sobre as comunidades mais vulnerabilizadas e menos desenvolvidas. Isso acontece porque essas comunidades geralmente têm menos recursos para se adaptar ou lidar com os efeitos adversos das mudanças climáticas. A justiça climática busca abordar essas desigualdades, garantindo que as ações para combatê-las sejam implementadas de forma equitativa.

Países desenvolvidos contribuem desproporcionalmente para as emissões de gases de efeito estufa desde a Revolução Industrial, enquanto outros sofrem as consequências das mudanças climáticas, mesmo tendo contribuído minimamente para o problema. Penso que não há exemplo melhor para isto do que Tuvalu: a pequena ilha do Pacífico tem data para desaparecer do mapa com a elevação do nível das águas dos oceanos. Mas a população de Tuvalu muito pouco teve a ver com as ações humanas responsáveis pelo seu desaparecimento. É razoável pensar que os países que mais contribuíram para as mudanças climáticas devem assumir uma maior responsabilidade na mitigação e fornecimento de recursos para o enfrentamento das consequências do desarranjo climático global.

Olhando para cenários internos, a desigualdade também é perceptível. As mudanças climáticas frequentemente afetam mais gravemente as comunidades mais pobres e marginalizadas, seja em áreas urbanas ou rurais, em qualquer país. Essas comunidades têm menos recursos e capacidade para se adaptar ou se recuperar de eventos climáticos extremos. Um caso gravíssimo: povos indígenas vivem em áreas particularmente vulneráveis às mudanças climáticas e também têm conhecimentos tradicionais valiosos sobre manejo de terras e conservação. Seus direitos, terras e conhecimentos devem ser protegidos e respeitados.

Como a educação está em primeiro plano para mim, preciso compartilhar que o conceito de justiça climática pode ser aplicado à educação pública de várias maneiras. Também na educação, a justiça climática refere-se à ideia de que todos os estudantes, independentemente de sua origem socioeconômica ou geográfica, devem ter acesso igualitário à educação sobre mudanças climáticas e às ferramentas necessárias para enfrentar seus impactos na sua vida escolar e pessoal.

É vital que a educação sobre mudanças climáticas seja integrada em currículos escolares, garantindo que todos os estudantes tenham uma compreensão clara dos desafios que enfrentamos e como podem contribuir para soluções. Escolas em áreas mais afetadas pelas mudanças climáticas podem precisar de recursos adicionais, como infraestrutura resiliente ao clima ou programas de apoio emocional para estudantes que enfrentam traumas relacionados ao clima. Estudantes de escolas destruídas pelos tufões que atravessam o Sul do Brasil, ou afastados das aulas pela drástica redução do volume das águas dos rios da Amazônia precisam de atenção redobrada. No Brasil e em muitas partes do mundo, as escolas precisam ser construídas ou adaptadas para resistir a eventos climáticos extremos, garantindo que os estudantes tenham um ambiente de aprendizado seguro. Além disso, as escolas podem desempenhar um papel crucial na sensibilização das comunidades sobre as mudanças climáticas, promovendo ações locais e envolvendo famílias e comunidades em iniciativas de sustentabilidade.

As práticas pedagógicas precisam de renovação para dar conta de formar competências e habilidades para os desafios do clima. No dia a dia da sala de aula, professores têm a oportunidade de criar atividades práticas e envolventes que abordem a justiça climática e incentivem a resiliência.

Tenho várias propostas sobre como trazer a discussão para a rotina escolar. Não há necessidade de criação de novas disciplinas, e sim de engajar sistemas educacionais e educadores com a temática. Por exemplo, investigar os impactos das mudanças climáticas na comunidade local, identificando grupos vulneráveis e discutindo possíveis soluções. Isso pode incluir entrevistas com membros da comunidade, visitas a locais afetados ou pesquisas documentais. Encorajar os estudantes a iniciar projetos de sustentabilidade na escola, como hortas comunitárias, coleta seletiva de resíduos ou campanhas de economia de água e energia. Criar simulações ou jogos que ajudem os alunos a entender as consequências das mudanças climáticas e a importância da justiça climática. Pode ser um jogo de tabuleiro onde os jogadores têm que tomar decisões sobre recursos limitados em um cenário de mudança climática, para citar uma possibilidade. Promover discussões sobre tópicos como desigualdades climáticas, migrações forçadas devido ao clima e a importância da ação coletiva. Incentivar os alunos a expressar seus sentimentos e percepções sobre as mudanças climáticas através da arte, música ou escrita. Convidar especialistas locais em mudanças climáticas, sustentabilidade ou justiça climática para falar com os estudantes e compartilhar suas experiências. Engajar os estudantes em projetos de ciência cidadã, onde eles podem coletar dados ou observações sobre o meio ambiente local e contribuir para pesquisas reais.

Ao abordar a justiça climática na sala de aula, é importante que os professores também considerem as realidades e desafios específicos de sua comunidade, adaptando as atividades para atender às necessidades e interesses dos estudantes. Essas atividades não só aumentam a conscientização, mas também capacitam os alunos a se tornarem agentes de mudança em suas próprias comunidades.

A justiça climática vai além da mera redução de emissões. Trata-se de reconhecer e abordar as profundas desigualdades globais que são exacerbadas pelas mudanças climáticas e de garantir que as soluções sejam implementadas de forma justa e equitativa para todos. Para a tomada de decisões eficaz sobre o clima, é crucial que todas as partes interessadas, especialmente as mais vulneráveis, estejam representadas e possam participar ativamente das discussões e soluções. Países e comunidades mais vulneráveis devem ter acesso a financiamento e tecnologia para se adaptarem às mudanças climáticas e transitarem para economias de baixo carbono.

*João Alegria é Professor e atual Secretário Geral da Fundação Roberto Marinho. Viaja a COP 28 a convite do GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas.

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