“Kaô, meu velho. Volta e me dá os caminhos”: estes são os versos que iniciam o samba que a Beija-Flor de Nilópolis vai cantar na Sapucaí em 2025, com o enredo “Laíla de todos os santos, Laíla de todos os sambas”, em homenagem ao lendário diretor de carnaval, que morreu em 2021.
E, na noite de quinta-feira (17), todos os caminhos levavam à quadra da escola, em Nilópolis, para a final da disputa de samba. Um espaço que, tantas vezes referenciado como “quilombo” em desfiles comandados por Laíla, ontem emanava menos resistência e mais reconciliação.
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Desde o lançamento do enredo, feito logo depois de um amargo 8º lugar em 2024, via-se nos olhos e ouvia-se nas vozes do torcedor nilopolitano uma ansiedade em “fazer as pazes” com uma figura que moldou a personalidade da Beija-Flor, foi pilar para a conquista dos 14 títulos que a agremiação acumula, mas que teve uma saída minimamente incômoda em 2018, após 42 anos desde o primeiro beijo na flor, com a conquista do tricampeonato de 1976/77/78.
Privilegiada, a escola pôde escolher com muita tranquilidade quais versos usaria para reencontrar Laíla. A elogiada sinopse, desenvolvida pelo carnavalesco João Vitor Araújo junto a Bianca Behrends, Vivian Pereira e Guilherme Niegro, teve a grande virtude de não cair na armadilha de romantizar seu homenageado.
O Laíla que a Beija-Flor quer levar para a Sapucaí em 2025 é aquele que todos conhecemos publicamente por décadas. Entre as guias e o dedo em riste. Entre o ebó e a competência. Entre as palavras de comando e o abraço apertado em uma Nilópolis inteira. Ancestralidade, religiosidade, representatividade e muito, muito talento e amor pelo carnaval.
Assim, com uma missão colada no peito, a comunidade adentrou seu quilombo azul e branco para decidir qual dos três rumos tomar em seu canto. A princípio, duas parcerias haviam chegado à final com mais consistência na disputa: samba 01 (Diogo Rosa & Cia) e samba 05 (Romulo Massacesi & Cia). Ainda completava a final o digno samba 23 (Kirraizinho & Cia).
Como já é tradição, cada parceria usou de artefatos para insuflar sua torcida e encher os olhos da plateia. Balões, orixás representados em performances, bonecões estilo Olinda e até um sósia de Laíla: não faltaram recursos para convencer comunidade e diretoria.
Passadas as apresentações, sob olhar atento de Gabriel David, presidente da Liesa e filho de Aniz Abraão David, o Anísio, presidente de honra da escola, a disputa parecia clara entre sambas 01 e 05. Mas algo diferente pairava no ar, para além do aroma generalizado de arruda.
Caminhando pelo quilombo naqueles tensos minutos entre o fim das performances e o anúncio do resultado, era possível ver organicamente versos de uma das duas parcerias favoritas sendo disseminados.
Era baiana soltando “na casa de Ogum, Xangô me guia”. Era passista balbuciando “coragem na fala sem temer a queda, o dedo na cara, quem for contra reza”. Era baluarte sorrindo ao cantar “chama João pra matar a saudade”, como se esperasse não somente um abraço de Laíla, mas também um chamego de Joãosinho Trinta, irmão de tantas conquistas em Nilópolis.
O equilíbrio da disputa, antes aparente, agora parecia mais dissipado diante da comunhão de emoções em meio à comunidade naquele momento. Havia, sim, um samba favorito. Bastava apenas a expectativa diante do anúncio oficial.
Eram quase três e meia da madrugada de sexta-feira quando, após um prolongado suspense, o envelope foi aberto. Neguinho da Beija-flor ao microfone, Selminha Sorriso e Claudinho a bailar, passistas a riscar a pista, baianas a girar, Velha Guarda sob reverência geral.
Ah, e também copos de cerveja para o alto, sorrisos e lágrimas estampados, abraços acalorados. O samba 05, de Romulo Massacesi & Cia, havia sido anunciado como grande vencedor da final.
E talvez aqueles que não estiveram presentes nesta noite única no quilombo Beija-Flor pensem que, agora sim, a reconciliação com Laíla está pronta para acontecer em março, na Sapucaí. Ledo engano. Ela já aconteceu.
“Sua presença ainda está aqui. Mesmo sem ver, eu posso sentir”, diz um dos versos mais tocantes do samba vencedor. A verdade é que Laíla nunca deixou Nilópolis. E, nesta madrugada, Nilópolis entendeu que ela jamais deixará de ser “terreiro de Laíla”.