Míriam Leitão
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GERADO EM: 14/09/2024 - 04:30

"Neca Setubal defende taxação dos super-ricos e ações sociais"

Neca Setubal defende que os super-ricos paguem mais impostos e atuem em ações sociais. Ela destaca a ineficácia da elite brasileira em lidar com a desigualdade. Além disso, aborda a necessidade de uma reforma tributária progressiva. A emergência climática também é discutida, ressaltando a importância da articulação entre setor público e privado. Seu novo livro destaca a influência de sua mãe e a luta antirracista. A ideia de taxação global dos super-ricos e direcionamento para fundo climático é mencionada.

A socióloga Maria Alice Setubal, conhecida como Neca Setubal, tem décadas de ação social e de trabalho de promoção do desenvolvimento humano. Ela acabou de lançar o livro "Minha escolha pela ação social", em que faz uma reflexão profunda sobre seu trabalho e como isso deve ser entendido em várias áreas da elite brasileira. Uma das acionistas do Banco Itaú, ela defende que os super-ricos paguem mais impostos e que se envolvam mais em ações sociais. Veja abaixo a entrevista que fiz com ela.

Você já deve ter ouvido muitas vezes a mesma pergunta: por que alguém rico como você se envolve na busca por soluções para a educação brasileira, a questão ambiental e a ação social? Mas eu vim aqui para fazer a pergunta ao contrário. Por que outras pessoas da elite brasileira não se envolvem da mesma forma na redução dos problemas sociais do Brasil? O que você acha?

Essa é uma pergunta que sempre faço ao longo da minha trajetória. Me pergunto por que a elite brasileira não se responsabiliza por um país tão desigual. Mas, vamos matizar um pouco. Acho que há uma parte da elite que se responsabiliza. Se olharmos desde a redemocratização, veremos a criação de várias fundações empresariais e familiares que se multiplicaram ao longo do tempo, além de fundações independentes. Então, não podemos dizer que a elite como um todo não se responsabiliza. Existe uma parte mais progressista que busca criar fundações, institutos e outras formas de atuação social, nas áreas de educação, saúde e outras.

Por outro lado, ainda acho que é insuficiente, principalmente se compararmos com outros países, como os Estados Unidos, que também possuem grandes desigualdades, mas onde a sociedade tem um olhar mais comunitário e a elite desempenha um papel social mais ativo. Falta uma maior responsabilização da elite brasileira, mas, na verdade, falta um senso de responsabilidade da sociedade como um todo. Há uma ideia de que "isso é papel do governo, não me cabe". Talvez não seja apenas a elite; acho que não temos uma cultura de cidadania forte. Falta isso.

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Isso se aplica a todas as classes com mais privilégios, até mesmo a classe média.

Exatamente. Há a ideia de que o governo resolve tudo. Falta um sentimento de cidadania, de apropriação do bem público. Temos pouca noção do que é a coisa pública, o que é republicano, de pertencimento e de ação política.

Historicamente, a elite brasileira sempre pediu que o Estado cuidasse dela, pedindo doações, subsídios e incentivos. Ainda vemos essa atitude remanescente, não é?

Sim, sem dúvida. Parte da elite continua questionando políticas públicas, como o Bolsa Família, embora em menor número. Até hoje, vemos resistências às cotas afirmativas. Essas resistências revelam uma incapacidade de enxergar os benefícios que a elite recebe, como subsídios às empresas, à indústria, e até à classe média, como descontos em educação e saúde no Imposto de Renda. E mesmo, a classe média, você tem um desconto de educação, você tem desconto de plano de saúde. Esses subsídios são muito maiores que os programas para as classes mais pobres, mas a elite parece não perceber isso.

Recentemente, o ministro Fernando Haddad falou sobre a necessidade de uma reforma do imposto de renda. Vi uma entrevista em que você diz que os ricos deveriam pagar mais impostos? Continua com essa posição?

Sim, mantenho essa posição desde 2014, quando estava com a Marina Silva em sua campanha. Defendi uma Reforma Tributária que introduza uma taxação progressiva e que atinja os super-ricos. Isso é algo que precisa ser amplamente discutido pela sociedade. No Conselhão, escrevi um artigo apoiando a proposta do ministro Haddad de levar ao G20 a taxação dos super-ricos em nível global. Essa medida global pode ajudar a evitar que o capital fuja de um país para outro. Internamente, a segunda parte da Reforma Tributária deve ser progressiva e atingir os mais ricos.

A ideia da Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia, de direcionar essa taxação para um fundo climático também é inovadora. Ela propõe que esse fundo beneficie os países mais pobres ou de renda média e tenha um foco claro no enfrentamento das questões climáticas. Isso é algo que precisamos considerar.

O Brasil está enfrentando uma emergência ambiental. O que é possível fazer neste momento, especialmente na articulação entre o setor público e o privado?

Estamos vivendo um momento dramático. Embora os cientistas venham alertando há anos, a gravidade dos incêndios e da seca ainda nos pegou de surpresa. Precisamos urgentemente articular governos municipais, estaduais e o Ministério do Meio Ambiente.

A ministra Marina Silva tem um plano de emergência climática para os municípios, que precisa ser implementado. O que vemos é uma grande impotência dos gestores locais, que muitas vezes não sabem como agir. É fundamental que esse plano seja colocado em prática e que haja um diálogo entre todos os níveis de governo. Também precisamos de apoio do Congresso para isso.

O Congresso não só não apoia, como às vezes aprova medidas que agravam a crise ambiental, não é?

Sim, é inexplicável. Continuamos vendo desmatamento e o uso de produtos químicos que prejudicam o meio ambiente. O Congresso precisa entender que estamos em uma emergência climática. A sociedade precisa pressionar para que isso seja tratado com urgência. E parece que o Congresso está falando da Anistia também. Não está se dando conta do que a gente está vivendo. É uma coisa inexplicável, inexplicável isso. Realmente não sei como a gente pode, enquanto sociedade, pressionar para que isso chegue até o Congresso de uma forma urgente, que a situação exige.

A elite do agronegócio, que é uma força econômica no Brasil, muitas vezes apoia bandeiras contrárias ao seu próprio benefício. Como você vê isso?

Esse foco no curto prazo acaba cegando a elite do agronegócio. Eles não percebem que, em médio prazo, o impacto das mudanças climáticas afetará diretamente seus negócios. Com tantos incêndios no Centro-Oeste, talvez alguns comecem a perceber que é preciso mudar.

Vamos falar do seu livro. O que te levou a escrevê-lo e o que os leitores podem esperar? Li que há um resgate do papel da sua mãe. Morreu tão jovem, a Tide Setubal, mas você foi procurar nos arquivos, nos papéis e mostrou que ela tinha uma visão muito à frente do seu tempo. Isso deve ter te dado um orgulho muito grande.

Sempre fui convidada a falar sobre minhas experiências, e isso me motivou a escrever. Tive essa coragem, porque eu já tinha escrito outras coisas de educação, mas nunca na primeira pessoa. Tive essa coragem de escrever na primeira pessoa e foi ótimo, foi a melhor coisa que eu fiz, porque escrever sempre é um processo meio terapêutico. Resolvi escrever não só um pouco o legado que eu estou deixando, a minha trajetória, mas o legado que eu recebi. Nasci numa família de muitos homens, tenho seis irmãos homens, mas eu tive o privilégio de ter um pai (Olavo Setubal, que foi prefeito, foi também ministro das Relações Exteriores) muito à frente do seu tempo, uma pessoa liberal.

Muitas vezes tive posições diferentes políticas dele e isso estava tudo bem, ele gostava de discutir, confrontar e isso foi importante na minha trajetória. Minha mãe morreu com 52 anos de um câncer e eu tinha 26 anos na época. Foi uma mãe também à frente do seu tempo, ela era muito oposta do meu pai, muito ligada às artes literatura, poesias e tal, mas era uma pessoa muito carismática e sempre falava: 'seja o seu caminho autônomo e procure o seu sonho, não vá atrás'. E ela, do jeito dela, também enfrentava o meu pai. Ela também tinha posições diferentes, seguia, tinha autonomia e seguia as posições dela, o que na minha época as mães eram muito mais suficientes, muito mais submissas.

Tive um modelo de uma mãe muito forte que, recuperando, depois, ao longo da vida, eu fui ressignificando. Isso foi muito importante para eu seguir a minha trajetória, que foi uma trajetória diferente dessa minha família empresária. Eu tive uma trajetória de educação, que eu conto no meu livro, de educação pública, que foi a maior parte da minha história, numa organização que eu criei, a Cenpec, que é uma ONG. Mas depois, quando eu fui olhar os escritos da minha mãe, eu descobri uma pessoa que também, quando meu pai foi prefeito, que ela criou um Corpo Municipal de Voluntários, como ela também foi à frente no olhar social dela, que colocou a centralidade do desenvolvimento humano, já pensava todo o trabalho voluntariado junto com a comunidade, articulado com políticas públicas. E foi aí que eu resolvi criar a Fundação Tide Setubal, que é uma fundação familiar, atuando nas periferias de São Paulo.

No caso, em São Miguel Paulista, porque lá já tinha, como ela faleceu na época que meu pai era prefeito, tinha um hospital municipal, uma escola e um clube da comunidade com o nome dela. Então a gente começou a fundação recuperando esses equipamentos, com um olhar para o desenvolvimento local, pensando em cidadania. Mas depois a gente redirecionou a fundação, como hoje, pensando e apoiando lá também, mas o desenvolvimento de periferias urbanas no enfrentamento das desigualdades sociais. A gente apoia organizações no Brasil todo, que atuam em periferias, com recorte de raça e gênero, mas tem essa inspiração da minha mãe. E é uma coisa muito de pensar esse papel da mulher, que traz um olhar muito diferenciado de pensar, como pensar a capacidade humana também de olhar as periferias com o olhar de incluir todo mundo.

O prefácio do seu livro foi escrito por Sueli Carneiro, uma referência na luta antirracista. Qual é importância a seu ver da luta antirracista?

Sim, a luta antirracista está no centro da nossa atuação, especialmente desde 2016. Nós trouxemos a questão racial para o centro da nossa atuação. Temos um programa focado em raça e gênero, que permeia todos os nossos projetos. Sueli Carneiro é conselheira da Fundação Tide Setubal e temos um comitê de diversidade, além de políticas para promover a diversidade em todos os níveis da organização. Nos consideramos uma organização branca que atua pela equidade racial e como aliada na luta antirracista. Isso é muito explicito na nossa atuação pública. A partir do conselho, fui conhecendo a Sueli melhor, e nos tornamos amigas. Embora viéssemos de contextos diferentes, descobrimos muitas semelhanças em nossas trajetórias.

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