Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Macau, China

RESUMO

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GERADO EM: 19/12/2024 - 15:20

"Restaurante lusitano em Macau sob novo domínio: 25 anos da devolução à China"

Há 25 anos da devolução de Macau à China, Santos Pinto mantém restaurante lusitano de renome na região. Mesmo sob novo domínio, vestígios portugueses persistem, mas críticos apontam violações aos direitos. Macau, com economia próspera, enfrenta desafios pós-pandemia. Santos Pinto, após 40 anos na cidade, relata apreço pela agitação local e dificuldade em deixá-la.

Em 20 de dezembro de 1999, Macau voltou a ser território da China, dando fim a 442 anos de domínio português. Na sexta-feira, o presidente chinês, Xi Jinping, participa de uma cerimônia para assinalar o aniversário de 25 anos da transferência da soberania de Macau, e também a posse do novo chefe do Executivo local, Sam Houi Fai. Nascido na província de Guandong e formado em Pequim, ele é o primeiro administrador do território que não vem de uma das famílias que tradicionalmente dominavam a economia local.

Quem chega a Macau logo percebe que os sinais da herança portuguesa continuam visíveis, na arquitetura, nos nomes das ruas e nos muitos restaurantes que servem iguarias lusitanas, mas não no idioma falado. Poucos dominam o português, mesmo entre os mais velhos. Para os portugueses que decidiram continuar morando em Macau, a convivência com as autoridades chinesas é em geral tranquila. Um dos mais antigos é Santos Pinto, de 74 anos, que chegou a Macau em 1984 como cozinheiro da Marinha portuguesa e nunca mais saiu.

Trabalhou seis anos na Capitania dos Portos, quando o território ainda estava sob soberania portuguesa, e depois decidiu ter o próprio negócio. Funcionando há mais de três décadas, seu restaurante, “O Santos”, tornou-se uma referência da gastronomia portuguesa na região e o preferido de famosos que passam por lá, como Mick Jagger. Numa mesa de canto após o almoço, Santos Pinto contou à coluna como foi a transferência de poder na última herança do império colonial português, a adaptação aos novos tempos e a relação com os chineses. Para ele, melhor do que a que tinha com as autoridades de seu país.

Embora oficialmente seja parte da China, Macau tem um status à parte, assim como Hong Kong, que foi transferido do domínio britânico para o de Pequim em 1997. Ambos são “regiões autônomas especiais”, espécie de territórios semiautônomos. Nos acordos de transferência, o entendimento é que ambos preservariam as liberdades que tinham antes por um prazo de cinquenta anos, no esquema conhecido como “um país, dois sistemas”. Essa premissa ruiu em Hong Kong em 2020, quando Pequim aprovou a Lei de Segurança Nacional em resposta aos protestos pró-democracia que sacudiram o território.

Mesmo sem grandes protestos em Macau, uma versão da lei de segurança também foi aprovada para a ex-colônia portuguesa. Macau deixou de ser um caso de transição suave de poder devido às violações cometidas contra direitos fundamentais, o que contraria o acordo de transição, afirmam os críticos a Pequim. Um dos mais veementes entre eles é o advogado português Jorge Menezes, que vive em Macau desde 1997. Ele cita como exemplos de violações as restrições às liberdades de imprensa e de manifestações públicas.

O acordo de transferência sino-português prevê a manutenção dos nomes portugueses dos logradouros, e graças a ele Macau preserva um ar lusitano. Santos Pinto lembra de um detalhe curioso da virada de 1999, quando a China retomou o controle do território. As placas que tinham nomes em português e cantonês foram modificadas assim que Macau mudou de dono: imediatamente a ordem foi invertida, passando a ter a grafia em chinês acima da versão portuguesa. Ainda que as liberdades tenham encolhido nos 25 anos desde a transferência, a internet ainda é relativamente livre, sem a censura da China continental.

Com pouco mais de 700 mil habitantes, Macau tem um ritmo pacato se comparado a cidades chinesas e um padrão de vida muito acima da média nacional. Paraíso dos apostadores de toda a Ásia por seus megacassinos, Macau quadruplicou seu PIB per capita desde a transferência, segundo a agência estatal chinesa de notícias Xinhua, e está entre as cinco cidades mais ricas do mundo. A pandemia foi um baque, conta Santos, porque interrompeu o fluxo de turismo que é uma das principais fontes de renda. Em 2022 seu restaurante chegou a ficar 45 dias seguidos fechado por ordem das autoridades. A equipe de 12 funcionários teve que ser reduzida à metade. Mas o ano seguinte, já sem as restrições, foi um estouro. “O Santos” teve o maior faturamento de sua história.

Para o alentejano, depois de 40 anos em Macau, onde criou três filhas em dois casamentos, é difícil pensar em sair. Ele volta a Portugal duas vezes por ano para visitar a mãe, que está com 102 anos: uma no dia das mães, em maio, a outra no aniversário dela, em outubro. Mas quando vai, Santos Pinto sente falta de Macau.

— Comprei uma casinha no Alentejo, com peixinhos e passarinhos. Mas é muita solidão. Na minha terra, às seis da tarde já não tem ninguém na rua. Aqui a vida não para nunca.

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