Marcelo Ninio
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Marcelo Ninio

Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.

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Marcelo Ninio

Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.

Por — Pequim

O presidente e o chanceler do Irã morreram sem verem a consolidação das maiores conquistas de seu governo em política externa. Ambas tiveram em comum o objetivo maior, de romper o isolamento internacional do país imposto pelas sanções dos EUA. Nos dois casos, foram movimentos facilitados pela China, o país do qual o Irã mais se aproximou nos últimos anos sob a presidência de Ebrahim Raisi.

O primeiro movimento foi a reconciliação diplomática com a Arábia Saudita, seu maior rival no mundo muçulmano. O acordo que selou as pazes após anos de “guerra fria” foi assinado ano passado não em Teerã, Riad ou algum local considerado neutro, como Genebra, mas em Pequim. Meses depois, o Irã obteve sinal verde para entrar no Brics ao lado de cinco novos membros, que se juntaram a Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. De novo, foi um gol diplomático de Teerã marcado graças a um passe da China, o maior defensor da adesão iraniana ao grupo dos emergentes. Um ano antes, o mesmo apoio já fora fundamental para a entrada do Irã em outro grupo liderado pela China, a Organização de Cooperação de Xangai (OCX). A exemplo do Brics, a parceria de uma potência regional como o Irã num grupo visto como contrapeso às alianças do Ocidente foi um gesto quase natural e de “benefício mútuo” para Pequim e Teerã.

Sob a Presidência de Raisi, a aproximação dos dois países que vinha se fortalecendo gradativamente nos anos anteriores ganhou mais peso político em ambos os lados. Para isso, contribuíram interesses econômicos ancorados no comércio de petróleo, mas foi a intensificação da rivalidade com os EUA o que serviu para os chineses como um empurrão extra na busca por parceiros dispostos a desafiar o poderio americano. Quando Raisi tomou posse, em 2021, a tinta ainda estava fresca na assinatura de um acordo de cooperação de 25 anos entre Irã e China, que mostrou não apenas o desejo mútuo de uma parceria de longo prazo, mas a confiança dos dois regimes autoritários na longevidade de seu sistema político para cumprir um programa que vai até 2046.

Em 2023, Raisi liderou uma grande delegação à China, que incluiu o presidente do Banco Central iraniano e o principal negociador nuclear do país. Economia, política e segurança se entrelaçaram em Pequim, resultando na assinatura de mais 20 acordos.

A entrada no Brics foi considerada uma grande vitória para o regime, que há tempos sofre com as sanções impostas pelos EUA. Pouco antes da adesão oficial, um convite foi enviado no ano passado à Embaixada do Brasil e dos demais membros do grupo para visitarem a ilha de Kish, no sul do país, que virou uma espécie de laboratório para formas alternativas de pagamento, com vistas a escapar da hegemonia do dólar que tenta estrangular a economia iraniana. Na cúpula de estreia do novo Brics, em outubro na Rússia, a “desdolarização” deve ser uma das prioridades da delegação iraniana.

Raisi foi hábil ao ampliar o espaço de manobra diplomática iraniano, embora no sistema clerical do país o presidente tenha autoridade limitada, subordinada ao líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Mas o fato de ser próximo do líder e cotado para suceder a Khamenei sugere que ele tinha mais poder que o sistema político iraniano geralmente permite ao presidente. Sua morte talvez embaralhe a sucessão de Khamenei, mas mesmo que a política externa do país sofra alterações, provavelmente continuará alinhada com Pequim.

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