Repórter desde 1989, passou por O GLOBO, Jornal do Brasil, EFE e Folha de São Paulo.
Informações da coluna
Marcelo Ninio
Passou pelas redações do Jornal do Brasil, Agência EFE e Folha de S.Paulo. Tem mestrado em relações internacionais pela Universidade de Jerusalém.
Com porto no Peru, China dobra aposta na América do Sul
Inaugurado com a presença do líder da China, Xi Jinping, o megaporto de Chancay foi projetado com a ambição de mudar a dinâmica comercial da região
RESUMO
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GERADO EM: 15/11/2024 - 09:36
China inaugura megaporto em Chancay, Peru, impulsionando comércio na América do Sul e gerando tensões com os EUA
A China inaugura o megaporto de Chancay no Peru para impulsionar o comércio com a América do Sul, gerando tensões com os EUA. O porto reduzirá custos e prazos, beneficiando o Brasil. A visita de Xi Jinping marca a competição EUA-China na região, com destaque para a Nova Rota da Seda. A geopolítica e interesses comerciais estão em jogo, com potencial para conflitos futuros.
Na imprensa oficial chinesa, ele é descrito como um “divisor de águas” para a economia da região. Inaugurado nesta quinta com a presença do líder da China, Xi Jinping, o megaporto de Chancay, no Peru, foi projetado com a ambição de mudar a dinâmica comercial entre a América do Sul e a Ásia, energizando o fluxo de bens por meio do novo terminal. Como quase toda iniciativa que envolve a China, há controvérsias e temores.
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Em tese, o novo porto oferece todas as condições para dar certo, numa relação “ganha-ganha”, como os chineses gostam de descrever os projetos que patrocinam. Com 60% de participação da gigante estatal de navegação chinesa Cosco, o Porto de Chancay foi construído com um custo estimado de US$ 3,6 bilhões e o objetivo de otimizar a logística das trocas entre a América do Sul e a China, principal parceiro comercial da maioria dos países do continente.
Para o Brasil, as vantagens potenciais são evidentes.
Quase todos os estados brasileiros têm como destino principal de exportação a China e o Sudeste Asiático, disse durante visita a Pequim em junho a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Segundo ela, ao usar portos do Pacífico como Chancay para escoar as exportações brasileiras, haveria uma redução de duas a três semanas no tempo de embarque para a Ásia, a depender do ponto de partida. O desvio das mercadorias para o Pacífico é um dos eixos do programa de rotas de integração da América do Sul defendido por Tebet.
A visita de Xi ao Peru tem uma dimensão maior que sua participação no Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC). Além da inauguração do porto patrocinado pela China, deve ser o último encontro de Xi com o presidente dos EUA, Joe Biden. Com a volta de Donald Trump à Casa Branca, espera-se o acirramento da competição entre Washington e Pequim e da pressão para que países tomem um lado. A América Latina, vista nas duas capitais como “quintal dos EUA”, é campo fértil para a disputa.
Assim como ocorreu no primeiro governo de Trump, que fez campanha contra a entrada da empresa chinesa Huawei em redes de telecomunicações ao redor do mundo, o mesmo deve se repetir agora em outras áreas, prevê o analista americano Scott Kennedy, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. Em conversa com jornalistas esta semana em Pequim, Kennedy arriscou que um dos alvos deve ser o setor automotivo, para barrar a expansão de gigantes chinesas como a BYD, que está montando uma fábrica em Camaçari (BA).
O Porto de Chancay tem potencial de alavancar o comércio da região com a China e também de tornar-se mais um foco de tensão com os EUA. Em seu discurso em Lima, o presidente Xi Jinping disse que o porto irá reduzir o transporte de mercadorias do Peru para a China em 23 dias, cortando o custo em pelo menos 20%, além de gerar US$ 4,5 bilhões para o país andino. Indo além do aceno econômico, Xi citou o intelectual marxista peruano José Carlos Mariátegui, para o qual “espiritualmente e materialmente, a China é mais próxima de nós que a Europa”.
Para Xi, Chancay tem um sabor especial por ser um marco triunfal na América do Sul da Nova Rota da Seda, o megaprojeto de infraestrutura que ele lançou em 2013 e tornou-se a principal bandeira de sua diplomacia econômica. De todos os países da região, só Brasil, Colômbia e Paraguai não aderiram formalmente à iniciativa. No mês passado, causou fricção entre Washington e Pequim a declaração da representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, alertando para os riscos de o Brasil aderir à iniciativa chinesa. Com o Porto de Chancay, a preocupação dos EUA é de que a China use o terminal não só como alavanca comercial, mas também base para seus navios militares. Enquanto os EUA mantêm centenas de bases militares na Ásia, não seria surpresa se Pequim visse Chancay como uma opção para sua Marinha.
As cúpulas da APEC em Lima e do G20 no Rio serão os primeiros eventos internacionais com a participação de Xi Jinping desde a vitória de Trump. Até agora, a sensação em Pequim é de que a liderança chinesa continua sem saber muito bem como reagir à volta do magnata novaiorquino à Casa Branca, diz Kennedy. Portanto, recomenda o analista, é bom ouvir com especial atenção os discursos de Xi em Lima e no Rio: talvez surjam os primeiros indícios de qual será a política chinesa para encarar a nova era Trump.