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Para PF, Bolsonaro se preparou para golpe quase dois anos antes de derrota para Lula
Plano para sustentar ruptura democrática, elaborado em março de 2021, foi encontrado pelos investigadores em computador de Mauro Cid e amparou ofensiva contra STF no mesmo ano
O relatório final da Polícia Federal que embasou o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa aponta que o planejamento de Bolsonaro e aliados para promover uma ruptura institucional no Brasil teve início quase dois anos antes de sua derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva.
O pilar da tese dos investigadores é uma apresentação de slides encontrada em um notebook do ex-ajudante de ordens Mauro Cid apreendido pela PF, cujo arquivo foi criado em 22 de março de 2021 – 20 meses antes da eleição, portanto.
O documento detalha o planejamento de um golpe de Estado com técnicas militares adotadas pelas forças especiais do Exército, incluindo um plano de fuga de Bolsonaro para o exterior caso a investida autoritária fracassasse.
Para a PF, uma vez amparado pelo esquema, o então presidente enfrentou o Judiciário e chegou perto de bancar uma ruptura institucional meses depois, no 7 de setembro de 2021, diante da ofensiva de Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas a trama só avançou após a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2022.
Veja quem são os indiciados pela Polícia Federal
O plano encontrado no computador do tenente-coronel Cid foi elaborado quando Bolsonaro já estava em uma ofensiva contra a Corte. Começou logo no princípio de seu mandato, em 2019, com a abertura do inquérito das fake news, mas se acentuou durante a pandemia de Covid-19 depois que o STF reconheceu a autonomia de prefeitos e governadores para adotar medidas de isolamento social, criticadas por Bolsonaro, bem como a pressão dele pela adoção do voto impresso e a reabilitação política de Lula após o tribunal anular os processos do petista na Lava-Jato.
À época, Moraes já presidia o inquérito dos atos antidemocráticos, que levou para a prisão aliados do então presidente e derrubou perfis de bolsonaristas nas redes sociais. A perspectiva de o ministro assumir o TSE também provocava apreensão no entorno de Bolsonaro, que dizia na ocasião que só aceitaria o resultado das eleições se houvesse um comprovante impresso do voto.
O relatório demonstra que o plano que estava no computador de Mauro Cid previa três cenários que levariam Bolsonaro a desrespeitar decisões Judiciais e avançar para uma ruptura democrática: intervenção do STF sobre o Executivo; a eventual cassação da chapa de Bolsonaro à reeleição em 2022 ou o veto do Supremo e/ou do TSE à implementação do voto impresso, caso ele fosse aprovado pelo Congresso. O projeto, no entanto, foi derrotado ainda na Câmara dos Deputados meses depois e não chegou a passar pelo Senado.
“Os elementos de prova colhidos demonstram que os investigados planejaram o cenário de enfrentamento de Jair Bolsonaro com o Poder Judiciário, que levaria a uma ruptura institucional. Conforme exposto, tal fato ocorreu de forma mais incisiva no dia 7 de setembro de 2021, quando o então presidente ameaçou o STF e seus ministros, evidenciando a prática de atos contra o regime democrático, restringindo a atuação da Suprema Corte brasileira”, diz o relatório da PF.
“Nesse contexto, mais uma vez se evidencia a utilização de técnicas militares pelos investigados contra o próprio Estado brasileiro com o objetivo de garantir a fuga de Jair Bolsonaro caso a tentativa de Golpe de Estado fosse frustrada”.
Os atos em Brasília e São Paulo foram convocados com semanas de antecedência e despertaram grande preocupação entre ministros da Corte. Moraes chegou a proibir bolsonaristas de se aproximarem da Praça dos Três Poderes após discursos violentos, entre eles o cantor e ex-deputado Sérgio Reis, que incitou a invasão do STF em um áudio que viralizou nas redes, e Zé Trovão, caminhoneiro e atualmente deputado federal pelo PL de Santa Catarina, que, segundo o tribunal, convocou bolsonaristas para “atos criminosos e violentos de protesto”.
Foi nessa ocasião que Bolsonaro anunciou que não cumpriria mais decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes e o chamou de canalha, além de exigir sua renúncia no palanque da Avenida Paulista, em São Paulo, onde dezenas de milhares de bolsonaristas se concentravam.
À época, Moraes já presidia o inquérito dos atos antidemocráticos, que levou à prisão aliados do então presidente e derrubou perfis de bolsonaristas nas redes sociais. A perspectiva de o ministro assumir o TSE também provocava apreensão no entorno de Bolsonaro.
Na véspera do 7 de setembro de 2021, o cordão de isolamento da Esplanada dos Ministérios montado pela Polícia Militar do DF foi rompido por manifestantes, que invadiram a área. O STF amanheceu cercado de caminhões e de uma multidão bolsonarista. Diante destes apoiadores, Bolsonaro sentenciou:
“Ou o chefe desse Poder [na época, Luiz Fux] enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, conforme destacado pela própria PF no relatório.
No mesmo discurso, o então presidente declarou ainda que não poderia participar de uma “farsa” patrocinada pelo TSE, em referência a eleições sem o voto impresso.
Bolsonaro também anunciou no 7 de setembro que faria uma reunião do Conselho da República, órgão que tem entre suas atribuições a convocação de um estado de defesa ou do estado de sítio. O colegiado, no entanto, não foi acionado formalmente. O presidente recuou da ameaça contra as instituições em uma carta redigida às pressas pelo ex-presidente Michel Temer.
Como mostrou O GLOBO, a apresentação de Cid empregava nomenclaturas técnicas do jargão militar e previa não só a pronta disposição de armas e munições do Estado para utilização em uma eventual resistência à Justiça como o sequestro e até mesmo a destruição de estruturas estratégicas para a estabilidade do país por militares cooperados para que as forças golpistas demonstrassem força, embora o plano não detalhe quais estruturas seriam essas.
Caso essas etapas fracassassem, o planejamento previa a “exfiltração” de Bolsonaro – sua retirada do país à revelia das autoridades – para evitar sua prisão pelo descumprimento das medidas judiciais e a própria investida golpista.
A PF afirma que o então ocupante do Palácio do Planalto só acionou o plano de fuga em 2022, quando deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos a dois dias do fim de seu mandato um mês após a derrota nas urnas. De acordo com o documento, Bolsonaro viajou para o exterior para evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho da conspiração golpista que desaguou nos ataques terroristas do 8 de janeiro.