Malu Gaspar
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Malu Gaspar

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A conclusão da Polícia Federal de que Jair Bolsonaro fugiu do Brasil para os Estados Unidos para evitar uma possível prisão e aguardar os desdobramentos da intentona golpista deflagrada pouco mais de uma semana depois de ele deixar o governo, em 8 de janeiro de 2023, foi disseminada pelo próprio bolsonarismo em grupos de WhatsApp e do Telegram nos últimos dias do mandato.

No dia 30 de dezembro de 2022, data em que o então presidente embarcou rumo a Orlando, nos EUA, seus apoiadores lotaram as redes com mensagens dizendo que a decisão de deixar o Brasil era uma “jogada de mestre” para que as Forças Armadas pudessem intervir e impedir a posse de Lula, blindando Bolsonaro de uma eventual responsabilização pelo golpe.

Como mostramos na época, a onda de mensagens com o mesmo teor se deu poucas horas depois da última live de Bolsonaro no exercício da presidência, em Brasília e horas antes de ele viajar. Na live, ele disse que foi “muito difícil” permanecer calado por dois meses sobre o resultado das eleições e insinuou que a Justiça Eleitoral não foi imparcial, e pela primeira se referiu à gestão de Lula ao defender oposição ao futuro governo.

A transmissão inicialmente deixou perplexos apoiadores que apoiavam uma ruptura institucional e esperavam de Bolsonaro uma mensagem aos apelos golpistas dos acampamentos na porta de quartéis. Esse humor mudou quando começou a circular a versão de que a viagem guardava intenções ocultas.

No relatório final da PF, os investigadores apontam que a viagem de Bolsonaro não ocorreu por resistência em entregar a faixa para o sucessor, e sim para se blindar de uma eventual prisão. Os policiais encontraram um plano de fuga no computador de seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid – que de acordo com os metadados do documento foi elaborado em 2021 e resgatado no final do mandato.

“Apesar de não ter sido empregado no ano de 2021, o plano de fuga foi adaptado e utilizado no final do ano de 2022, quando a organização criminosa não obteve êxito na consumação do golpe de Estado. Conforme será descrito nos próximos tópicos, Jair Bolsonaro, após não conseguir o apoio das Forças Armadas para consumar a ruptura institucional, saiu do país para evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 08 de janeiro de 2023 (‘festa da Selma’)”, salientou a PF.

Outro ponto apresentado no relatório final da Polícia Federal que guarda semelhança com a narrativa dos grupos pró-Bolsonaro é o papel do então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, na ruptura que se desenhava nos bastidores da Esplanada desde o fim do segundo turno.

Os investigadores descobriram que o plano golpista envolvia a criação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, órgão vinculado ao GSI que seria comandado por Heleno e coordenado por Walter Braga Netto, vice de Bolsonaro nas eleições de 2022 e general da reserva, ambos indiciados pela PF pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.

De acordo com as investigações da PF, a estrutura orientaria o então presidente derrotado “na administração dos fatos decorrentes da ruptura institucional” e seria constituído em quase a totalidade por militares, com exceção de poucos civis – entre eles o assessor internacional da presidência, Filipe Martins.

Dois dias antes da posse de Lula, bolsonaristas espalharam grupos que antes de deixar o país Bolsonaro havia passado o comando do país a Heleno por meio de um decreto - o que é inconstitucional. Mas a fake news provocou uma corrida de apoiadores ao Diário Oficial da União.

No fim de 2022, a liderança de Heleno no golpe contra Lula também era exaltada publicamente nos grupos, embora o Gabinete Institucional de Gestão de Crise não seja mencionado.

“Aos pés frios daqui do grupo de plantão, leiam o Diário Oficial de hoje. Bolsonaro passou todo o poder para o GSI, ou seja, quem dá as cartas no Brasil a partir de agora é o General Heleno. É ele quem está com a faca e o queijo nas mãos!”, disparou um bolsonarista contra militantes decepcionados com a live de Bolsonaro.

“General Heleno é o presidente da República. Ele é o melhor estrategista do país, talvez do mundo”, escreveu outro apoiador.

“Não vai ter Lula. Parem de cair na lábia de quem quer derrotar o Brasil. Para que colocar isto [críticas a Lula] aqui? General Heleno é quem vai ficar no poder. O presidente precisava sair do Brasil, agora o Exército tomará conta”, postou uma administradora do grupo “Patriotas bolsonaristas unidos - Deus, Pátria, Família e Liberdade” no Telegram.

“Em um dia de governo sob o General Heleno, o Brasil vai evoluir 100 anos!”, bradou outro bolsonarista.

A tese conspiratória se espalhou por mais de dez grupos bolsonaristas monitorados pela equipe da coluna nas redes. Como se sabe, não houve transferência de poder e coube ao então vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), que não transmitiu a faixa presidencial a Lula, completar o mandato bolsonarista em 1 de janeiro.

Curiosamente, a liderança do gabinete por Braga Netto e Heleno levantou entre investigadores da Polícia Federal e até bolsonaristas a tese de que a dupla de generais poderia orquestrar uma espécie de “golpe dentro do golpe” que limaria Bolsonaro e instauraria uma ditadura militar no país – hipótese que foi rechaçada pelo ex-candidato a vice, em uma nota na qual não negou a conspiração golpista.

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