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Milicianização da polícia de São Paulo é risco para Tarcísio
Os casos recentes de violência policial em São Paulo puseram na berlinda a ação do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, e obrigaram o governador a se posicionar. Questionado mais de uma vez, Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que Derrite fica no cargo porque faz um bom trabalho: “Olha os números que você vai ver que está”.
Ele não disse a que números se referia, mas é de supor que falasse da queda nos homicídios (menos 3,3% até agora em relação a 2023), dos furtos (que diminuíram 4%) e dos roubos (que caíram 15%). Como engenheiro, porém, ele sabe que estatísticas ajudam a provar qualquer coisa, a depender do gosto do freguês.
Até a semana passada, São Paulo registrava 712 mortes decorrentes de intervenção de PMs, ante 460 em todo o ano de 2023 — alta de 55%. Quer dizer que a matança compensa? Não necessariamente.
O anuário de 2024 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, enquanto os crimes de rua têm caído mesmo nos estados onde a letalidade policial é baixa, a criminalidade on-line está em alta, porque o crime organizado percebeu que é mais lucrativo e menos arriscado agir de forma virtual. Indicadores da ONU também apontam que 50% dos homicídios perpetrados nas Américas são resultado das disputas entre facções por pontos estratégicos.
Bolsonaristas fazem manifestação na Avenida Paulista; fotos
Assassinatos como o do menino de 4 anos, morto com um tiro de espingarda calibre 12 de um PM, do estudante de medicina abatido por um policial depois de uma abordagem ou do rapaz negro que tomou 11 tiros nas costas depois de furtar sabão no supermercado em nada contribuem para atenuar esse cenário. Tampouco há números capazes de justificar o absurdo de policiais atirarem cidadãos de cima de uma ponte, como aconteceu com um entregador no último domingo, durante uma blitz. Ele sobreviveu.
Filmados e divulgados na TV e nas redes sociais, esses episódios fizeram o governador passar do “não tô nem aí” de março, quando a PM já matara 39 pessoas no litoral paulista durante a Operação Verão, para o atual “essas maçãs podres, vamos tirar”.
Na prática, Tarcísio não demonstra grande preocupação com os focos de podridão de sua polícia. Em maio, ele flexibilizou o sistema de gravação das câmeras acopladas aos uniformes de modo que se possa desligá-las durante a ação policial. Desde que assumiu, Derrite cancelou afastamentos e perdoou dezenas de policiais afastados das ruas por ter matado demais.
Apoio de bolsonaristas
Aficionado por pesquisas de opinião e trackings, Tarcísio sabe que boa parte da população ainda é adepta do “bandido bom é bandido morto”. Tanto que, diante da repercussão dos casos de violência, bolsonaristas como os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Jorge Seif (PL-SC) aplaudiram a ação dos policiais.
Mesmo que quisesse, portanto, o governador teria problemas na direita para se livrar de seu secretário de Segurança. Ao mantê-lo, porém, assume o risco de efeitos colaterais que podem ser até mais danosos que a “política da morte”.
O histórico de estados como o Rio de Janeiro mostra que os mesmos agentes policiais que se sentem autorizados a matar indiscriminadamente fazem preço pela vida dos bandidos, extorquem criminosos e, no final, acabam se juntando a eles. A “milicianização” está em curso na polícia paulista e é acelerada.
Há um mês, quando o delator do PCC Antônio Vinícius Gritzbach foi assassinado com tiros de fuzil no aeroporto de Guarulhos, descobriu-se que ele tinha uma escolta formada por PMs pagos por fora — é proibido — e que esses seguranças o deixaram desguarnecido alegando pane no carro que usavam.
Gritzbach era considerado um delator valioso porque conhecia os caminhos da contaminação da polícia, do sistema financeiro e da política pelo crime. Em sua delação premiada, acusou policiais civis de lhe roubar sete relógios importados, exibidos em redes sociais, e de exigir R$ 40 milhões para encerrar um inquérito sobre a sua participação na morte de dois integrantes do PCC.
Logo após a morte de Gritzbach, Derrite anunciou a criação de uma força-tarefa, garantindo que não mediria esforços para apurar o crime. Horas depois, se esbaldou ao som do cantor Latino na festa de aniversário de um deputado em Maresias, com o delegado-geral da Polícia Civil.
Até agora, o caso Gritzbach não levou a nenhuma punição. Só dá para dizer com certeza que as maçãs podres estão à solta. Se nada for feito, acabarão dominando a segurança pública em São Paulo, tornando o governador refém do monstro que criou. Aí, de nada adiantará recorrer às estatísticas.