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Informações da coluna
William Helal Filho
Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.
O que aconteceu com o argentino Enrique Mansilla, rival de Senna na Fórmula Ford?
Adversário retratado em série da Netflix sobre o piloto brasileiro sofreu boicote durante a Guerra das Malvinas e foi sequestrado na Libéria; saiba como ele está hoje
RESUMO
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GERADO EM: 04/12/2024 - 14:55
Enrique Mansilla: da pista à gestão esportiva
O argentino Enrique Mansilla, rival de Senna na Fórmula Ford, enfrentou boicote pós-Guerra das Malvinas e sequestro na Libéria. Hoje, atua como consultor de automobilismo e gerencia equipe campeã na TCR South America.
Na sua primeira temporada fora do Brasil, dedicando-se exclusivamente ao automobilismo, Ayrton Senna estreou na Formula Ford 1600, em 1981, dirigindo na equipe Van Diemen. Seu maior adversário no período foi o argentino Enrique "Quico" Marsilia, que também era seu companheiro de escuderia. Os dois pilotos disputavam cada palmo das pistas no circuito inglês. Como mostra a nova série da Netflix sobre a vida do ídolo brasileiro, os carros deles chegaram a se tocar em diferentes disputas, gerando pequenos acidentes. Nos bastidores, os dois por pouco não foram às vias de fato.
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A produção disponível na plataforma de streaming reproduz um episódio ocorrido na pista de Mallory Park, onde, em meio a uma disputa acirrada pela liderança, Mansilla jogou o colega de equipe para fora do trajeto. Nos bastidores, os pilotos discutiram, e Senna chegou a agarrar o rival pelo pescoço. Com o tempo, porém, os dois se tornaram amigos. "Ayrton era introvertido e não puxava muito papo, mas as nossas mulheres se davam bem", contou Mansilla em entrevista recente ao site The Race. "A gente até fazia jantares. Um prato típico do Brasil em uma noite e um churrasco argentino em outra".
Senna se tornou o campeão daquela temporada em 1981, após vencer 12 das 20 corridas, e seguiu sua trajetória meteórica até os três títulos na Fórmula 1. Seu antigo adversário, mesmo derrotado, tinha um talento inegável e mostrou que poderia ser um grande piloto. No meio do automobilismo, Mansilla é sempre lembrado como um prodígio que se sentara ao volante de um kart pela primeira vez aos 19 anos e, em pouco tempo, estava entre os melhores da Fórmula Ford. Mas a carreira do argentino com ar de fanfarrão seria duramente afetada por uma guerra no Oceano Atlântico Sul.
Em 1982, enquanto o brasileiro conquistou o título da Fórmula Ford 2000, Quique Marsilia ficou em segundo lugar na Fórmula 3. Apesar de deixar evidente seu potencial em outro circuito disputado na Inglaterra, o jovem piloto nascido em Buenos Aires enfrentou um crise com a perda de patrocinadores britânicos, que se negaram a apoiá-lo após o estouro da Guerra das Malvinas. Iniciado em abril daquele ano, o conflito opunha, justamente, o Reino Unido e a Argentina. Mansilla ainda insistiu nas pistas, mas, sem respaldo financeiro, sua carreira entrou em decadência até que ele se aposentou, em 1986.
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Morando nos Estados Unidos, o argentino conheceu um empresário da mineração que o chamou para trabalhar com exploração de ouro e diamantes na África. Em 1990, Mansilla estava morando na Libéria quando outro conflito, muito mais violento, atravessou a sua vida, desta vez de forma assustadora.
Em dezembro de 1989, os rebeldes da Frente Patriótica Nacional da Libéria (FPNL), de Charles Taylor, investiram contra o então ditador Samuel Doe, que governava o país desde o golpe de Estado de 1980. Era o começo de uma guerra civil que só terminaria em 1996, com mais de 250 mil mortos. Ainda em setembro de 1990, Samuel Doe foi torturado e morto por guerrilheiros da Frente Patriótica Nacional Independente da Libéria (FPNIL), uma dissidência do grupo de Taylor liderada por Prince Johnson. A execução do ditador não pôs fim ao conflito no país, que ficou mergulhado no caos por seis anos.
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Em fevereiro de 1990, Quique Mansilla estava em um hotel nos arredores de Monróvia, a capital do país, quando o prédio foi invadido por dezenas de rebeldes da FPNIL. "Eles entraram no hotel com armas e granadas, renderam todo mundo e nos levaram embora", relatou o ex-piloto para o site The Race. "Eles acharam no início que eu era americano, e tive que gritar várias vezes dizendo que eu era argentino". Então, continuou, um guerrilheiro reagiu dizendo: "Ah, Maradona!". "Eu não poda acreditar que estava vivendo aquela situação e ele citando o nome de Diego. Tive que rir".
Durante seis meses, Mansilla e muitos outros reféns foram mantidos numa casa rodeada por homens armados. De acordo com o ex-piloto, eles não sofreram maus tratos, mas, basicamente, passavam os dias inteiros lá sem fazer nada além de ouvir as notícias pelo rádio. Quando foram libertados, depois de muita angústia, o argentino ainda continuou vivendo na Libéria por algum tempo.
Ele mantém ligações com o país africano até hoje, mas, atualmente, também atua como consultor de automobilismo. O ex-piloto gerencia a equipe PMO Racing, que disputa o campeonato da TCR South America, uma liga de carros de passeio adaptados para a corrida. A PMO tem entre seus pilotos o brasileiro Pedro Cardoso. No último fim de semana, Cardoso conquistou o título da temporada 2024.
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