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William Helal Filho
Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.
Cem dias com tubarões e tempestades: Amyr Klink relembra travessia do Oceano Atlântico que vai virar filme
há 40 anos, navegador chegava na Bahia após 7 mil quilômetros em barco a remo; Livro sobre a viagem embasa longa de Carlos Saldanha com Filipe Bragança no papel principal
Por William Helal Filho
RESUMO
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GERADO EM: 18/09/2024 - 06:00
Amyr Klink: da Travessia Épica ao Legado Familiar
Amyr Klink relembra sua épica travessia do Oceano Atlântico em um barco a remo, que inspira um filme após 40 anos. O navegador enfrentou tempestades, tubarões e desafios físicos, revelando que a jornada foi menos difícil do que a produção cinematográfica. Seu legado inspira sua filha Tâmara, que segue seus passos em aventuras marítimas, navegando atualmente na Groenlândia.
Ninguém sabia em que ponto do litoral baiano atracaria Amyr Klink. A hora da chegada também era mistério, já que o navegador não tinha transmitido essas informações. Portanto, quando o explorador se aproximou da Praia da Espera, em Itacimirim, ao Norte de Salvador, e se preparou para sair do barco, foi recebido apenas por um pescador local de mais idade que perguntou a ele: "Como foi a pescaria, moço?". Ao que o navegador, reflexivo, respondeu: "Eu não pesquei nada, não, senhor".
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Klink queria mesmo chegar sem alarde e contemplar o momento em silêncio. Mas a notícia circulou e, horas depois, apareceram os jornalistas interessados em documentar o êxito de uma jornada de quase 7 mil quilômetros que começara três meses antes, no Sul da África.
Naquela terça-feira, o paulistano radicado em Paraty, no Estado do Rio, tornava-se a primeira pessoa a completar a travessia do Oceano Atlântico Sul, sozinho, em um barco a remo de 5,95 metros. Ele havia deixado o porto de Lüderitz, na Namíbia, em 12 de junho de 1984. Ao longo de cem dias, enfrentou 22 tempestades, muitos tubarões e conheceu os limites do seu corpo, até concluir a viagem no dia 18 de setembro, há 40 anos, em águas tranquilas na Bahia. Estava 20 quilos mais magro.
- Foi uma ideia absurda, eu não era navegador - conta Klink, hoje aos 68 anos, por telefone. - Apenas comecei a me interessar pelas travessias no Atlântico Norte. Só que, em vez de pesquisar os casos que haviam dado certo, eu estudava detalhadamente as tentativas que tinham fracassado. Então, percebi que esses fracassos não ocorreram por causa de tempestades, desgaste físico, tubarões ou algo assim, mas por erros de planejamento quase infantis dos navegadores. Fui reunindo soluções para todos esses erros cometidos, e nasceu um dossiê.
A partir desse dossiê de 70 páginas, Klink, mesmo sem experiência em navegação, decidiu fazer a então inédita travessia do Atlântico Sul. Com poucos recursos, de forma independente, ele se lançou no que seria a primeira de uma série de expedições do hoje famoso explorador. Agora, 40 anos mais tarde, um filme dirigido por Carlos Saldanha ("Rio") está sendo gravado com base no livro "Cem dias entre o céu e o mar", escrito por Klink, que no cinema será interpretado por Filipe Bragança.
- Gostaria de ter morrido antes de assistir a um filme sobre mim (risos). Acho muito estranho - afirma o navegador. - Não estou acompanhando as gravações e nem pretendo. Não quero ficar dando palpites e tenho até medo de não gostar do resultado. Mas estou impressionado com o nível de detalhamento, a competência da equipe e a quantidade de dinheiro que levantaram. Posso dizer, com segurança, que atravessar o Atlântico foi 550 vezes mais fácil do que fazer um filme desse tamanho (risos).
Ao relembrar seu feito, Klink conta que algumas travessias do Atlântico Norte não tinham dado certo porque os navegadores não deram a devida atenção a temas importantes, como o design do barco e a dieta. Ele, por sua vez, cercou-se de cuidados. Mesmo assim, os perrengues começaram antes da partida. Após uma violenta tempestade, as autoridades em Lüderitz só permitiram sua viagem após o brasileiro assinar um termo isentando o governo de responsabilidades. Nem direito a resgate ele teria.
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Três anos antes da travessia, Klink havia sofrido um grave acidente que decepou parte da mão direita. Ele foi submetido a um reimplante, mas ficou com sequelas e chegou a ser declarado inválido por uma seguradora. Mas, segundo o navegador contou ao chegar no Brasil, a condição se mostrou favorável. "Como sinto pouco a mão direita, foi sem dúvida a parte do meu corpo que menos doeu", disse ele, na época, segundo uma reportagem do GLOBO. "O traseiro foi a parte mais dolorida no percurso".
No livro "Cem dias entre o céu e o mar", o navegador conta que uma grande preocupação na travessia foram os tubarões. Os temidos animais batiam no casco para soltar os moluscos que cresciam ali e, assim, atrair outros peixes, como os dourados, uma de suas presas prediletas. Em certas ocasiões, Klink se viu cercado por tubarões. O pior é que, frequentemente, ele tinha que mergulhar para remover os moluscos do fundo do barco, já que a presença deles era como um freio na viagem.
- Enquanto estava na água, ficava o tempo todo de olho nos dourados. Quando eles fugiam, era porque tinha um tubarão se aproximando. Aí, eu pulava para dentro do barco de novo.
Quatro anos depois da travessia, o navegador viajou sozinho de Paraty até a Antártica com o veleiro Paratii. Klink ficou na região durante um ano, depois seguir para o Polo Norte e retornou ao ponto de partida, em 1991. Ele fez ainda duas viagens de circum-navegação da Terra. Uma delas, sozinho, entre 1998 e 1999, e outra com cinco tripulantes, já a bordo do veleiro o Paratii 2, em 2003. Hoje pai de três filhas e dono de uma marina em Paraty, ele tem seis livros publicados sobre suas viagens.
A filha Tâmara Klink, de 26 anos, herdou o gosto por viagens marítimas, mas trilha o próprio caminho. Em 2020, atravessou o Mar do Norte, entre a Noruega e a França. No ano seguinte, cruzou o Atlântico, entre França e Recife. Neste momento, ela está navegando na costa da Groenlândia, sozinha, a bordo do veleiro Sardinha 2. A exploradora compartilha vídeos da aventura no seu perfil no Instagram com 350 mil seguidores. No último post, há seis dias, relatou uma tempestade com ventos de 50 nós.
- Não sabemos quando ela volta, nem pra onde ela vai, mas espero que dê tudo certo - conta Amyr. - Na verdade, fico mais preocupado com a minha outra filha pedalando no Ibirapuera, em São Paulo.
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