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Informações da coluna
William Helal Filho
Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.
Rogério de Andrade x Fernando Iggnácio: Uma guerra entre bicheiros e uma pilha de corpos
Paulinho de Andrade saiu da garagem do edifício Barra Business, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, em sua picape Jeep Cherokee, conduzida pelo segurança Haroldo Alves Bernardo. Minutos depois, eles estavam parados em um sinal aguardando para tomar a Avenida das Américas no sentido Recreio dos Bandeirantes quando, às 19h15 daquela quarta-feira, 22 de outubro de 1998, um homem se aproximou e descarregou sua pistola calibre 9mm. Foram mortos o motorista e o passageiro, que era filho do poderoso contraventor Castor de Andrade. Escancarava-se, ali, uma guerra familiar no jogo do bicho.
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Chefe de uma das maiores organizações criminosas do Rio por mais de duas décadas, Castor falecera em 1997, aos 71 anos, vítima de infarto. Ele escolhera o sobrinho, Rogério de Andrade, como seu sucessor no comando do jogo. Entretanto, o filho do bicheiro morto não gostara nada disso e resolvera disputar o controle do negócio com o primo. Após a execução de Paulinho, o genro de Castor, Fernando Iggnácio, apanhou o bastão e o ergueu contra Rogério, suspeito de encomendar a morte do parente. Era o início de uma rivalidade que formaria uma pilha de cadáveres ao longo dos anos seguintes.
Segundo os legistas que analisaram a cena do crime na Barra da Tijuca, o assassino de Paulinho e Haroldo fez 13 disparos de pistola 9mm, sem errar nenhum tiro. O segurança foi atingido oito vezes, enquanto o bicheiro morreu com cinco disparos (o último, no rosto, a queima-roupa). Em seguida, o pistoleiro atravessou a rua, rendeu o motorista de um caminhão da transportadora Minuano e fugiu. Em depoimento à polícia, o condutor do veículo contou que o assassino obrigou-o a parar diante do Barra Shopping e saiu andando tranquilamente para um ponto de ônibus.
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Quando um repórter do GLOBO, por telefone, disse a Rogério de Andrade que a polícia investigava a hipótese de a morte de Paulinho ter sido obra de alguém da família, o bicheiro se mostrou surpreso e respondeu chorando: "Isso é um absurdo! Como é que podemos fazer uma coisa dessas, se a família vive numa harmonia só? Estamos correndo atrás para saber quem pode ter feito essa covardia".
No dia 7 de dezembro de 1998, com base no depoimento de testemunhas, os investigadores do caso prenderam o ex-PM Jadir Simeone, que, mais tarde, confessaria o crime acusando Rogério de ser o mandante. O bicheiro chegou a ser preso e, em 2002, foi condenado a 19 anos e dez meses de prisão, mas obteve habeas corpus para recorrer em liberdade. Posteriormente, a Justiça derrubou a liminar. Rogério se tornou um foragido, mas continuava a circular pela cidade, frequentando churrascarias e boates, sempre com a proteção de muitos policiais.
Uma reportagem do GLOBO publicada em abril de 2006, baseada em documentos da Subsecretaria de Inteligência do Estado, do Ministério Público e da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), mostrara que pelo menos 86 servidores da lei, entre eles policiais, bombeiros e agentes penitenciários, recebiam propina para dar segurança e garantir a liberdade de Andrade e Iggnácio. Uma investigação recente do MP cita 11 policiais civis e militares por envolvimento com o grupo chefiado por Rogério e seu filho Gustavo.
O sobrinho de Castor só foi detido de novo em setembro de 2006, numa ação da Polícia Federal, que o capturou na Rodovia Washington Luís, quando ele voltava de Itaipava para o Rio, usando cabelos longos e lentes de contato azuis. O grupo do bicheiro, denunciado pelo Ministério Público por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, era suspeito de matar o policial federal Aluízio dos Santos. Àquela altura, a guerra entre os dois chefes da contravenção se arrastava havia mais de oito anos, com um rastro estimado em cerca de 50 mortes.
O genro de Castor foi preso menos de um mês depois de seu rival. Mas eles não ficaram muito tempo sob custódia do Estado. Em 2009, Iggnácio, acusado de ser o mandante de vários assassinatos, foi solto por força de um habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ) A decisão ocorreu um mês e meio após ele ser condenado a 18 anos de prisão. No mesmo ano, Andrade foi colocado em liberdade, também graças a uma liminar (em 2013, a Justiça ainda absolveu o bicheiro da acusação de homicídio qualificado contra o primo).
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Os mortos da disputa em família eram, muitas vezes, policiais aliados dos bicheiros. Mas, em abril de 2010, Rogério e seu filho Diogo, de 17 anos, voltavam de uma academia de ginástica em um Toyotta Corolla quando o carro explodiu em plena Avenida das Américas. O impacto foi tão forte que arrancou o teto do veículo. Diogo morreu na hora, enquanto Rogério foi ferido e teve que se submeter a uma cirurgia. Outros dois automóveis, que supostamente levavam policiais que faziam a segurança do bicheiro, também foram atingidos, mas ninguém mais se feriu.
Aquele não foi o primeiro e nem seria o último atentado sofrido por Rogério. Em 2001, ele chegava de uma festa e ia deixar sua então namorada num apart-hotel na Barra quando foi atacado pelo cabo fuzileiro naval da reserva Eduardo Oliveira. A arma do militar falhou, e o bicheiro se atracou com ele. Levou um soco no rosto, mas escapou. Em 2017, Rogério estava em um carro no Itanhangá quando atiradores dispararam contra ele. Apenas sua mulher foi atingida, sem gravidade, no braço. Em todos os casos, as suspeitas recaíram sobre o rival Fernando Iggnácio.
Em novembro de 2010, o sargento Antonio Carlos Macedo, do Corpo de Bombeiros, que havia sido chefe da segurança de Rogério de Andrade, foi morto a tiros na Avenida Sernambetiba, na orla da Barra, quando pilotava sua motocicleta Harley-Davisdon. Em abril de 2011, a Justiça decretou a prisão do bicheiro, acusado de ser o mandante. Segundo investigadores, o contraventor decidira matar Macedo por desconfiar do envolvimento dele na explosão que matou seu filho Diogo.
A guerra entre os dois chefes da contravenção terminou em 11 de novembro de 2020. Naquele dia, Fernando Iggnácio desembarcou de um helicóptero no Recreio dos Bandeirantes e, no momento em que andava até sua caminhonete Range Rover blindada, no estacionamento do heliponto, foi alvejado com vários tiros de fuzil na cabeça. Os indícios deixaram claro que os assassinos sabiam que o contraventor chegaria de Angra dos Reis naquele momento. Eles esperaram num terreno baldio ao lado do heliponto e, quando identificaram o bicheiro, aproximaram-se e efetuaram ao menos dez disparos a cerca de cinco metros de distância do criminoso.
O Ministério Público denunciou Rogério de Andrade como mandante da execução do rival e obteve, na Justiça, a determinação de prisão preventiva do contraventor. Mas a defesa dele recorreu e, em fevereiro deste ano, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou a decisão, argumentando que não há provas ligando o sobrinho de Castor de Andrade ao crime.
A lista de suspeitos da morte de Fernando Iggnácio reforça a ligação estreita entre o jogo do bicho e as forças de segurança. Entre os acusados, estão o policial militar Rodrigo Silva das Neves, o ex-policial militar Pedro Emanuel D'Onofre e o seu irmão Otto Emanuel D'Onofre, que é PM de São Paulo, além do policial reformado Márcio Araújo de Souza, de 52 anos, segurança de Rogério de Andrade. Segundo as investigações, Araújo de Souza contratou os demais para cometer o crime. Ele e o PM Rodrigo Silva estão presos. Os demais são considerados foragidos da Justiça.
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