Um olhar sobre a política e o poder no Brasil
Informações da coluna
Bernardo Mello Franco
Colunista do GLOBO e da rádio CBN. Trabalhou na Folha de S.Paulo e no Jornal do Brasil. Foi correspondente em Londres e escreveu o livro "Mil dias de tormenta"
STM inventou o homicídio com 257 tiros sem intenção de matar
Militares que destruíram duas famílias vão passar Natal em casa, protegidos pelo corporativismo da farda
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você
GERADO EM: 19/12/2024 - 22:20
Viúva indignada: impunidade na Justiça Militar
Justiça Militar absolve militares que fuzilaram músico com 257 tiros, alegando falta de intenção de matar. Viúva indignada com decisão que favorece corporativismo. Caso revela impunidade e injustiça em julgamentos de crimes contra civis pela Justiça Militar.
O Superior Tribunal Militar deu uma contribuição original às ciências jurídicas. Inventou o fuzilamento com 257 tiros sem intenção de matar. A Corte livrou os oito militares que metralharam o músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo. Eles destruíram duas famílias e vão passar o Natal em casa, protegidos pelo corporativismo da farda.
O crime aconteceu em abril de 2019. Era um domingo de sol, e Evaldo levava mulher, sogro, filho e afilhado para um chá de bebê no subúrbio do Rio. Assim que o carro passou por uma patrulha do Exército, os agentes abriram fogo. O músico foi atingido e morreu na hora. O catador se aproximou para socorrê-lo e também foi alvejado.
A primeira reação da caserna foi culpar as vítimas. Em nota, o Comando Militar do Leste chamou Evaldo de “assaltante” e narrou um tiroteio inexistente, em que os militares teriam revidado uma “injusta agressão”. Desmentido por testemunhas e pela polícia, o Exército admitiu “inconsistências”, mas não se desculpou pela mentira.
O então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, classificou o episódio como um “lamentável incidente” e disse que a Justiça Militar estava pronta para “cortar na carne”. Quem confiou na promessa deve acreditar que o 8 de Janeiro foi um piquenique de senhoras.
Em 2021, oito militares foram condenados em primeira instância a até 31 anos de prisão. Nesta quarta, o STM reformou a sentença e reduziu as penas para apenas três anos em regime aberto. Os réus foram absolvidos pela morte de Evaldo, fuzilado diante do filho de 7 anos. No caso de Luciano, a Corte considerou que não houve dolo: os agentes teriam mirado e disparado 257 vezes sem o objetivo de matar.
Prevaleceu o voto do brigadeiro Carlos Augusto Amaral, que classificou o massacre de civis inocentes como um “erro plenamente justificado pelas circunstâncias”.
A viúva de Evaldo, Luciana Santos, entendeu o recado dos ministros do STM. “Eles agiram da mesma forma que os militares que atiraram contra o meu carro. Se sentem superiores, se sentem melhores”, desabafou. “Já imaginava que seria um julgamento difícil. Que, sendo militares julgando militares, iriam favorecer o lado deles.”
- Caso Evaldo Rosa: A impunidade veste farda
- "Infortúnio": Por que a Justiça Militar não deveria julgar crimes contra civis