Médicos e cientistas abordam diferentes aspectos da saúde.
Informações da coluna
O teste dos ultraprocessados
O mesmo critério que declara que uma batatinha chips é um ultraprocessado diz a mesma coisa de um iogurte grego
RESUMO
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GERADO EM: 20/12/2024 - 22:13
Estudo do NIH alerta sobre riscos de dietas ultraprocessadas.
Cientistas realizaram um estudo do NIH com voluntários submetidos a dietas ultraprocessadas e não processadas. Constataram que, ao consumir alimentos ultraprocessados, os participantes ingeriram mais calorias, ganharam peso e comeram mais rapidamente. Destacaram a densidade calórica e a falta de nutrientes como possíveis fatores. Alertaram para os perigos das calorias vazias e a importância de uma alimentação equilibrada.
Uma das contribuições teóricas de maior impacto global feitas por cientistas brasileiros em tempos recentes foi a de classificar alimentos de acordo com o número de etapas de transformação que os ingredientes sofrem antes de chegar ao consumidor. No topo dessa escala ficam os ultraprocessados, que têm sido relacionados a problemas de saúde.
A ideia faz sentido porque há uma correlação forte entre o número de transformações dos ingredientes e o empobrecimento nutricional do alimento: em sua maioria, os ultraprocessados contêm grandes quantidades de sal, gordura e açúcar, e poucos nutrientes como fibras ou proteínas.
O problema é que a correlação pode ser forte, mas está longe de ser perfeita. O mesmo critério que declara que uma batatinha chips é um ultraprocessado diz a mesma coisa de um iogurte grego.
E até pouco tempo atrás, a correlação baseava-se em estudos observacionais, mas ninguém tinha feito ainda um teste clínico cuidadoso para avaliar se existe relação de causa e efeito entre o consumo de ultraprocessados e ganho de peso.
Cientistas do NIH (Instituto Nacional de Saúde dos EUA) resolveram encarar o desafio. O grupo do NIH foi extremamente criativo: recrutaram vinte voluntários para passar um mês em um ambiente controlado, recebendo por quinze dias uma dieta só com alimentos ultraprocessados, e por quinze dias uma dieta com alimentos não processados.
As dietas foram balanceadas para ter aproximadamente a mesma quantidade de carboidratos, proteínas, gorduras e fibras, e os voluntários foram instruídos a consumir à vontade. Todos os voluntários passaram pelas duas dietas, em ordem aleatória.
O resultado? Durante o tempo da dieta de ultraprocessados, os voluntários consumiram aproximadamente 500 calorias a mais por dia. Houve maior consumo de alimentos ricos em carboidratos e gorduras, mas não em proteínas. Os participantes ganharam em média um quilo durante a dieta ultraprocessada e perderam também um quilo durante o período de comidas não processadas.
O experimento tem várias limitações, todas reconhecidas e apontadas pelos próprios autores. Equiparar a quantidade de nutrientes não foi fácil, e como a maior parte dos alimentos ultraprocessados é pobre em fibras, a solução foi suplementá-las nas bebidas. Mas a saciedade com fibras em bebidas não é a mesma produzida por fibras na comida. O estudo foi feito com um número pequeno de pessoas, e teve curta duração. Um período maior poderia ter resultados diferentes.
Apesar das limitações, o experimento tem um modelo que deve ser levado em conta. Os voluntários afinal, tinham acesso a duas dietas diferentes, não relataram diferenças no prazer de comer, ou na fome e saciedade. Mas ingeriram mais calorias nos processados.
Os autores arriscam algumas hipóteses: os ultraprocessados têm maior densidade calórica, ou seja, mais calorias por grama. Isso pode interferir na sensação de saciedade. Uma das diferenças percebidas, além das calorias ingeridas, foi a rapidez do consumo. As pessoas comiam os processados mais rápido, possivelmente porque os alimentos, pobres em fibras, são mais fáceis e rápidos para mastigar e engolir, e mais palatáveis, por causa do alto teor de sal e açúcar, o que também pode levar à ingestão de maiores quantidades.
Os autores também chamam atenção para o fato de que nas condições do estudo, as pessoas recebiam tudo pronto, o que não corresponde à realidade de comprar e preparar o alimento, o que também influencia a escolha. E exatamente por isso, pedem cuidado para que não se demonize a industrialização e a facilidade das comidas prontas. Mas alertam para os perigos das calorias vazias – alimentos cujo único nutriente relevante é energia – e para a necessidade de ter uma alimentação rica em todos os nutrientes.