100 anos
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O maior feito do GLOBO em quase um século foi redefinir por completo o que os brasileiros entendem por jornal. Em 1925, eram muitas as publicações com notícias impressas em papel. Só no Rio de Janeiro, então capital, havia mais de 20. Aqueles jornais de 99 anos atrás eram feitos com páginas claras e tintas pretas. As capas traziam bem grande o horário da edição, para que os leitores soubessem o quão novas (ou velhas) eram as informações. Os textos eram longuíssimos, às vezes diagramados entre fotos pequenas e charges, às vezes divididos em colunas sem uma única ilustração. A imprensa era composta por jornalistas boêmios, em geral romancistas, poetas e aspirantes a escritores que equilibravam seu trabalho nas redações com outros empregos e terminavam a noite nos botequins. E os jornais eram quase sempre ligados a partidos políticos.

Foi nesse ambiente que, em 29 de julho de 1925, Irineu Marinho fundou O GLOBO, marco zero do Grupo Globo, que inicia hoje, através deste suplemento, a contagem regressiva para o seu centenário. Ele, porém, tinha uma visão diferente do que deveria ser um jornal.

A primeira edição do GLOBO em 29 de julho de 1925 — Foto: Reprodução
A primeira edição do GLOBO em 29 de julho de 1925 — Foto: Reprodução

Hoje, aquele mesmo GLOBO é feito com telas ou páginas de todas as cores. É atualizado 24 horas por dia, todos os dias da semana, com textos, imagens, vídeos e áudios em formatos e tamanhos diferentes, do jeito que for mais confortável e relevante para o leitor. Pelas mãos do diário, um jornal foi (literalmente) à guerra, transformou-se em eventos de cultura e gastronomia, abriu palcos para debates de ideias presenciais ou virtuais, lançou tendências, mudou o calendário do país e atualizou verbetes no dicionário.

Essa mudança começa ainda em 1925. Com passagens pelas publicações Diário de Notícias, A Notícia, A Tribuna e A Gazeta de Notícias, Irineu lançou seu primeiro veículo em 1911, batizado de A Noite. O GLOBO veio depois, como consequência de anos de experiência como revisor, repórter, secretário de Redação e diretor dos diferentes veículos em que atuou. Para seu novo projeto, ele já sonhava com uma imprensa moderna que se posicionasse tanto nas grandes questões nacionais quanto nos problemas da vida cotidiana. E que fosse, sobretudo, independente.

Uma análise dessa edição de estreia do GLOBO sintetiza as propostas de seu fundador. Os primeiros exemplares chegaram às ruas às 18h daquele 29 de julho, uma quarta-feira, ao preço de 100 réis, e foram comprados por 33.435 leitores. Na manchete (“Voltam-se as vistas para nossa borracha!”), uma abordagem contundente. O fato era a viagem do empresário americano Henry Ford ao Pará, mas Irineu acreditava que uma notícia era mais do que um fato. O GLOBO precisava explicar ao leitor o que significava aquela visita de um fabricante de carros atrás da matéria-prima para os pneus de sua revolução industrial.

Em paralelo à necessidade de contextualizar os grandes acontecimentos, o sonho do novo jornal incluía a atenção com o dia a dia dos leitores. O GLOBO não era sobre o Brasil, mas para o Brasil. Ainda naquela primeira edição, o jornal estampou na primeira página a foto de um buraco no bairro do Engenho Novo, no Rio, que, de acordo com o texto da época, “engolia tudo, carro, ‘chauffeurs’, passageiros, gasolina e até os cavalos”. A notícia, com o sarcasmo que seria uma marca registrada, veio acompanhada do anúncio de que o jornal mandou fechar o buraco com uma tampa provisória, até que a prefeitura terminasse a obra. O texto dizia: “um pequeno serviço prestado ao público pelo GLOBO”.

Irineu Marinho morreu em 21 de agosto de 1925, aos 49 anos, menos de um mês após a fundação, em decorrência de um infarto. O desejo de fazer do GLOBO um jornal moderno, no entanto, permaneceu vivo nas décadas seguintes com seus filhos, netos e bisnetos. Com Roberto Marinho, primogênito de Irineu que foi repórter no início do jornal, assumiu sua direção em 1931 e se manteve atuante até sua morte, em 2003, O GLOBO se consolidou como o veículo idealizado por seu fundador.

Em 99 anos, são incontáveis as vezes em que O GLOBO impactou a história, a cultura e o comportamento dos brasileiros. Tradições nacionais, como o Dia dos Pais celebrado em agosto e a chegada do Papai Noel de helicóptero no Maracanã nasceram de campanhas desenvolvidas pelo jornal — a primeira em 1953, a segunda em 1968. O termo “gibi”, hoje sinônimo de revista de quadrinhos, era o nome de uma publicação do jornal vendida em bancas a partir de 1939. O “Bonequinho”, símbolo para a crítica de cinema no Brasil, nasceu em 1938 por ideia de Rogério Marinho, filho de Irineu, irmão de Roberto e na época vice-presidente do GLOBO.

Inovações na imprensa brasileira, como a primeira telefoto (1936), a primeira radiofoto colorida (1959) e a primeira telefoto colorida (1979) estrearam no GLOBO. O jornal foi o primeiro do país a circular num 1º de janeiro, coincidente e tragicamente a partir de 1989, no dia seguinte ao naufrágio do Bateau Mouche no réveillon do Rio. Foi, também, responsável pelo primeiro festival de música online na pandemia da Covid-19, em março de 2020, uma semana depois de a OMS alertar para os riscos da doença: batizado de #tamojunto, a ação foi “um festival de música gratuito para quem já entendeu que a quarentena é a melhor forma de prevenção”.

Eventos e ações tradicionais da cultura brasileira, como o Rio Gastronomia, o Projeto Aquarius e o Estandarte de Ouro foram criados e até hoje são realizados pelo GLOBO. No início da década de 1930, o jornal patrocinou a competição do carnaval carioca, antes mesmo de os desfiles se tornarem parte do calendário oficial do Rio. No final da década de 1940, lançou a campanha para a construção de um estádio de futebol para a Copa de 1950, sediada no Brasil, e assim nasceu o Maracanã.

Atualmente, em tempos desafiadores para a imprensa, O GLOBO puxou a fila da transformação digital no Brasil. Nunca teve tantos leitores. São em média 40 milhões de usuários todos os meses em suas plataformas digitais, consolidando-se como o maior jornal do país.

São todas iniciativas que deram sequência ao projeto de Irineu Marinho. A última dessas inovações, desenvolvida e lançada pelo GLOBO em junho, foi um projeto de inteligência artificial para agilizar os processos da redação e melhorar a experiência dos leitores. Esse projeto, não por acaso, foi batizado de Irineu. E é com a vocação de inovar sempre que abrimos as comemorações de nossos 100 anos, como no título deste artigo: orgulho da nossa história, de olho no futuro.

Alan Gripp é Diretor de Redação do GLOBO

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