Mineiro de Caratinga, Vladimir Netto cresceu em uma família de jornalistas. Começou a carreira na mídia impressa, passando por veículos como Jornal do Brasil, O Globo e revista Veja. Especializou-se em jornalismo ambiental, mas se tornou conhecido pelas reportagens investigativas na área de política, pela Globo em Brasília.
Vladimir Netto acompanhou de perto os maiores escândalos políticos do país, desde a instauração da CPI dos Correios no Congresso, que investigou o esquema do Mensalão, em 2005. Foi responsável pelas reportagens que denunciaram o esquema conhecido como Mensalão do Democratas de Brasília, cuja consequência foi a prisão do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, em 2009; e por furos de reportagem para Globo e GloboNews, durante toda a cobertura da Operação Lava Jato, a partir de 2014.
“A luta contra a corrupção é complexa e difícil, luta que a gente talvez não ganhe agora. Tenho orgulho de tudo o que eu fiz por essa história, fazendo um jornalismo relevante para meu país.”
FAMÍLIA DE JORNALISTAS
Filho mais velho de Miriam Leitão e Marcelo Netto, Vladimir de Almeida Leitão Netto nasceu em Caratinga, no dia 3 de agosto de 1973, em Minas Gerais, onde passou os primeiros anos de sua vida. Lá, foi criado pela tia e os avós. Seus pais, militantes do Partido Comunista do Brasil, haviam se mudado para Vitória, no Espírito Santo, para se tornarem jornalistas. Recuperavam-se do trauma de terem sido presos e torturados pelo regime militar. Quando Vladimir tinha 4 anos, a família se mudou para Brasília. Morou ainda em São Paulo até se estabelecer no Rio de Janeiro, onde decidiu seguir a profissão dos pais.
“Venho de uma família de jornalistas que tem uma tradição de fazer um bom jornalismo ético, que busca o interesse público. Em casa, a gente brinca que almoço de domingo é reunião de pauta: a gente discute a melhor matéria, a melhor cobertura, outras pautas.”
Vladimir Netto se formou em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1995. Nessa época, começou a se especializar em jornalismo ambiental, uma paixão que o acompanha ao longo da vida. Antes de concluir o curso, tornou-se estagiário de O Dia, em 1994, onde pôde ter contato com jornalismo investigativo. Depois, passou pelo Jornal do Brasil na sucursal de Brasília e pela revista Veja. Nesse período, foi setorista do Palácio do Planalto, Ministério da Fazenda, Banco Central e, principalmente, Itamaraty. Cobriu a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso e, nesse momento, começou a cultivar fontes nos Três Poderes.
No início dos anos 2000, foi contratado pelo portal de notícias IG e, em seguida, aceitou convite para ser repórter de O Globo.
Quando Ali Kamel assumiu a direção executiva do Jornalismo da Globo, em 2001, convidou Vladimir Netto para ser repórter de vídeo na Globo em Brasília. Vladimir foi integrado à equipe dos telejornais locais, apesar de ter experiência em cobrir assuntos de abrangência nacional pela mídia impressa.
Em 2005, durante o escândalo do Mensalão, Vladimir se enveredou definitivamente para o jornalismo investigativo na área de política, que considera a bandeira de sua geração. Nessa época, a redação da Globo de Brasília, sob a direção de Silvia Faria, competiu com a mídia impressa por furos de reportagem que revelassem os detalhes do esquema de compra de apoio político no Congresso e armou uma complexa estrutura de trabalho. Para o 'Bom Dia Brasil', Vladimir Netto acompanhou a CPI dos Correios. Ele lembra:
“Foi uma cobertura extensa e complexa. Tínhamos que passar o dia inteiro no Senado conversando no subterrâneo com fontes, apurando nos meandros. Ali, abriu-se uma janela na sociedade brasileira para discutir corrupção.”
PRÊMIO REDE GLOBO DE JORNALISMO
A especialização em política levou Vladimir a conseguir seguidos furos de reportagem com a cobertura do Mensalão do DEM de Brasília, um esquema de corrupção de agentes públicos que levou à prisão o governador em exercício do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Por meio de uma fonte, o repórter conseguiu vídeos que flagravam figuras públicas, como o governador, recebendo maços de dinheiro, em 2009. A atuação no caso rendeu a ele o Prêmio Rede Globo de Jornalismo daquele ano, na categoria Grande Cobertura.
“Todo mundo queria fazer aquela matéria, só se falava disso na cidade. A fonte foi me dando mais munição a cada dia… eu tinha vários vídeos. De repente, fiz as matérias sobre o dinheiro na meia, na bolsa, na cueca, a oração da propina. Aquela semana foi inteira de furos, eu abria o jornal todo dia com uma história escandalosa. Tenho orgulho dessa cobertura.”
Reportagem de Vladimir Netto sobre um esquema de corrupção encabeçado pelo governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (DEM) que funcionava com desvio de dinheiro público para compra de apoio de deputados distritais, Jornal Nacional, 28/11/2009.
FATOS QUE MOBILIZARAM A REDAÇÃO
No período, o repórter cobriu também outros fatos que mobilizaram a redação da Globo em Brasília, como o acidente com o avião da Gol no sul do Pará; a eleição de Dilma Rousseff, em 2010; e a visita do presidente Barack Obama a Brasília; o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal, em 2012. No mesmo ano, Vladimir foi responsável pelas principais reportagens sobre o caso Carlinhos Cachoeira, contraventor acusado de operar uma quadrilha que explorava jogo ilegal em Goiás. O repórter atuou em parceria com um núcleo especial de produção montado na redação, que decupava centenas de áudios extraídos de grampos telefônicos liberados pelas autoridades envolvidas no caso à imprensa; sendo responsável por encontrar ligação entre o contraventor e o senador Demóstenes Torres, envolvendo recebimento de cifras milionárias.
No encalço de uma boa história, Vladimir Netto emplacou no 'Jornal Nacional' do dia 3 de dezembro de 2013, uma reportagem que denunciava a irregularidade na contratação do ex-ministro José Dirceu como funcionário de um hotel em Brasília. Na ocasião, Dirceu cumpria pena no presídio da Papuda e, para conseguir progressão para regime semiaberto, precisava de um emprego. Uma fonte passou a Vladimir a informação de que o nome do sócio do hotel St. Peter, disposto a contratar o político por R$ 20 mil, parecia ser de um laranja. O repórter foi atrás da história e encontrou o suspeito em um bairro pobre do Panamá, o que confirmava a suspeita.
O JN encontrou o suposto presidente da empresa administradora do hotel de Brasília, que ofereceu o salário de R$ 20 mil a José Dirceu. O homem mora numa área pobre, no Panamá.
“Nessa cobertura, misturei várias técnicas de jornalismo. Apurei com muitas fontes, e, ao mesmo tempo, usei jornalismo de dados, com ferramentas para cruzar informações de documentação encontrada na internet. Com isso, localizei o endereço do sócio do hotel. Cheguei a um bairro pobre, de difícil acesso. Ele estava na porta da casa, lavando um carro simples. Ligamos a câmera, perguntei o nome, ele confirmou tudo”
OPERAÇÃO LAVA JATO
A maior cobertura de que Vladimir Netto participou começou em 2014, com a deflagração da Operação Lava Jato. A partir dali o jornalista mergulhou no assunto, investigou documentos e informações obtidas com fontes de vários setores do mundo da política, polícia e justiça, viajou diversas vezes a Curitiba e conseguiu furos de reportagem para a Globo e GloboNews. Escreveu também um livro sobre o assunto, publicado em 2016, que serviu de base para a série de ficção "O mecanismo", dirigida por José Padilha.
Tudo começou em novembro daquele ano quando “a prisão do Paulo Roberto Costa acendeu um rastilho de pólvora em Brasília. As fontes do submundo da política ficaram tensas”. Aos poucos, começaram a ser revelados detalhes do desvio de verba pública no fechamento de contratos da Petrobras e o envolvimento de partidos políticos no esquema.
Uma das principais reportagens dele no período foi a descoberta das contas secretas de Eduardo Cunha na Suíça, cuja repercussão levou à cassação do mandato do então presidente da Câmara dos Deputados, por quebra de decoro parlamentar. Vladimir lembra que estava em Curitiba naquele dia.
“Eu estava atrás dessa história há muito tempo. Os investigadores falavam que o Cunha tinha contas no exterior, e ele estava resistindo a confessar, nunca confessou para mim. Consegui os documentos com carta de recomendação para abertura de conta, fotos do passaporte, carta do banco reconhecendo, ficha dele entrando no banco. Foi acachapante”
A matéria foi ao ar no 'Jornal Hoje' no dia 16 de outubro de 2015.
Furo de reportagem de Vladimir Netto revela contas secretas de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, Jornal Hoje, 16/10/2015
Ao vivo do Supremo Tribunal Federal, os repórteres Júlio Mosquéra e Vladimir Netto divulgam a lista dos políticos que serão investigados, Jornal Nacional, 06/03/2015.
Até 2019, foram centenas de entradas ao vivo no 'Jornal Nacional', furos de reportagem para Globo e GloboNews, como a cobertura da prisão de Renato Duque, a divulgação dos nomes de políticos presentes na lista de Rodrigo Janot, em março de 2015; a divulgação pela Justiça dos grampos de conversas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff, em 2016; a divulgação no mesmo ano das conversas entre o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado e o então presidente nacional do PMDB, Antonio Carlos Jucá; e a divulgação das delações de dirigentes e ex-funcionários da Odebrecht, em abril de 2017.
“Fizemos bom jornalismo o tempo todo. Mas bom jornalismo desagrada, porque expõe aquilo que algumas pessoas não gostariam que viesse a público”, contou. “A luta contra a corrupção é complexa e difícil, e talvez a gente não ganhe agora. Tenho orgulho de tudo o que fiz por essa história, produzindo um jornalismo relevante para meu país.”
JORNALISMO AMBIENTAL
Para além da política, Vladimir Netto se dedicou desde o início da carreira ao jornalismo ambiental.
“Achei que essa era a grande questão da minha geração. Como conseguir produzir sem danificar o meio ambiente? Seria possível esse equilíbrio?”
Não à toa, esteve à frente da cobertura da morte da ativista e religiosa Dorothy Stang, assassinada no Pará, em 2005.
Em 2008, ganhou o Prêmio Embrapa de Reportagem 2008 com uma matéria sobre a crise mundial dos alimentos, que foi ao ar no programa Espaço Aberto Tecnologia da GloboNews. Viajou pelo Brasil, sob a chancela do 'Globo Natureza', para fazer a série Manguezais Brasileiros, exibida no 'Jornal Nacional', em 2013. A série recebeu o Prêmio Jornalistas&Cia/HSBC de Imprensa e Sustentabilidade, na categoria Mídia Nacional.
Jornal Nacional: Série Manguezais Brasileiros (2013)
Jornal Nacional: Série Manguezais Brasileiros (2013)
Jornal Nacional: Série Manguezais Brasileiros (2013)
FONTE:
depoimento concedido ao Memória Globo em 7/08/2018. |