Por Memória Globo

Memória Globo

O telespectador brasileiro se acostumou a vê-lo no domingo à noite no 'Fantástico'. Mas nunca é uma sensação prazerosa porque ele remexe nas feridas das tragédias nacionais. Com jeito sóbrio e postura respeitosa com todos os envolvidos em suas matérias jornalísticas, Valmir Salaro se tornou um dos repórteres investigativos mais conceituados do país: “Eu tive a oportunidade de participar de casos de grande repercussão e de ficar frente à frente com suspeitos e criminosos. O meu maior cuidado é respeitar aquela pessoa. Eu posso ter mil sentimentos ruins, mas não vou transparecer, porque se ela se dispõe a falar comigo, eu estou numa posição privilegiada de poder sobre ela. Muitas vezes, essa pessoa pode ser inocente, porque a investigação pode falhar, então, você tem que ter cuidado. Não sou um jornalista justiceiro”.

 Aos 16 anos criou na escola o jornal “Primata”, que fazia com mimeógrafo. Pensava, na época, que poderia seguir a profissão de advogado, médico ou engenheiro. A escolha seria para satisfazer o pai, mas logo descobriu que o seu mundo era mesmo o jornalismo. 

Estou há mais de 20 anos aqui e aprendo todo dia. Para mim, o ponto mais importante é saber que você não faz televisão sozinho. Jornal é solitário e televisão é equipe. Isso me fascina. Eu dependo do cinegrafista, do iluminador, do motoqueiro, do editor de imagem, do editor de texto.

Formado na Faculdade Cásper Líbero de São Paulo, Salaro começou como laboratorista no jornal Shopping News e, em seguida, estagiou na Gazeta Esportiva. Tornou-se repórter de polícia, em 1978, no Diário do Grande ABC, uma experiência que o direcionaria, definitivamente, para sua vocação. Na redação, convivia com grandes nomes do jornalismo policial, entre eles o escritor e roteirista José Louzeiro: “Eu aprendi com eles a fazer reportagem policial”.

Dali, Valmir Salaro foi trabalhar na Agência Folha onde conheceu de perto a realidade da violência urbana. Era a época da Rota, a polícia de elite de São Paulo, conhecida pela truculência: “Ela matava muito e chamava de tiroteio, dizendo que havia um confronto, mas muitos casos eram execução sumária. Isso marcou a minha vida pessoal e profissional”.

Em 1982, com a reportagem “A Rota Entre o Bem e o Mal” no jornal Folha de São Paulo, Valmir, junto com o jornalista Dácio Nitrini, ganhou o prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo: “Deu bastante trabalho, mas o importante é que me mostrou que a reportagem policial tem que ser independente porque, muitas vezes, o jornalista em busca de um “furo”, vira parceiro do policial. Ele sabe do envolvimento do policial em crimes e corrupção, mas esconde isso para conseguir a informação exclusiva”.

Em parceria com outro colega, o jornalista Antenor Braído, Valmir Salaro ganhou mais um prêmio Vladimir Herzog, desta vez com a reportagem “Na Pista dos Assassinos” que mostrava as execuções do Esquadrão da Morte, grupo formado por policiais: “Existe ainda muito preconceito com a reportagem policial porque é uma área que ninguém quer cobrir. Eu faço parte de uma geração onde foi rompido um certo acordo entre jornalista e polícia.”

Valmir Salaro foi trabalhar na sucursal de São Paulo do Jornal do Brasil, em 1986. Uma época de sequestros praticados por quadrilhas formadas por integrantes sul americanos e brasileiros. Os casos mais famosos foram o do banqueiro Beltran Martinez e do empresário Abílio Diniz. O repórter também cobriu para o JB uma história que teve repercussão mundial: a do carrasco nazista Joseph Mengele, que morreu incógnito no Brasil: “A investigação foi feita pela polícia alemã, depois passaram para a polícia federal chefiada pelo Romeu Tuma. Uma história fascinante.” Valmir Salaro considera que um dos segredos do sucesso na profissão é a persistência: “Repórter tem que perder tempo, gastar a sola do sapato. Leva 99% de não, e 1% de sim. Nesse sim, eu me agarro do jeito que posso”.

20140313_MEMORIA GLOBO BP MG - valmir-salaro/20140313_MEMORIA-GLOBO-BP-MG.jpg — Foto: Memória Globo

Chegada na Globo

Repórter experiente, Valmir veio para a Globo em 1992. Deparou-se com um “admirável mundo novo”: “Estou há mais de 20 anos aqui e aprendo todo dia. Para mim, o ponto mais importante é saber que você não faz televisão sozinho. Jornal é solitário e televisão é equipe. Isso me fascina. Eu dependo do cinegrafista, do iluminador, do motoqueiro, do editor de imagem, do editor de texto”.

Valmir Salaro começou pelos jornais locais 'Bom Dia São Paulo' e 'SPTV 1ª. edição'. Demorou um tempo para ir para os jornais de rede: “No início, tinha dificuldade de decorar o texto das passagens. Brincavam me chamando de “repórter fantasma” porque eu nunca aparecia”. Depois, começou a fazer matérias para o 'Jornal da Globo'. Aparecia também em reportagens no 'Fantástico', já na linha investigativa. A primeira marcante foi sobre tráfico de órgãos humanos: “Eram médicos legistas que tiravam os órgãos das pessoas que tinham tido morte violenta e vendiam para faculdades de medicina. Uma coisa bem chocante”. Na relação com as fontes, Salaro defende a distância e a transparência: “Eu não me relaciono com essas pessoas. Elas não vão à minha casa e eu não vou à casa delas”.

Entre as inúmeras reportagens de impacto ao longo das duas últimas décadas, uma, em especial, deixou lições amargas: o caso da Escola Base de São Paulo, onde os donos foram acusados no inquérito policial de abuso sexual. Execrados pela mídia e pela opinião pública, tiveram suas vidas destruídas. Posteriormente, ficou provado que eles eram inocentes: “O estrago tinha sido feito. Com isso, aprendi uma lição: desconfiar sempre da versão policial e não embarcar em um ponto de vista sem uma investigação própria tratando-se de um assunto tão grave”.

Outra cobertura difícil foram os assassinatos cometidos pelo “serial killer” que ficou conhecido como “Maníaco do Parque”: “Entrevistei os pais das vítimas. É difícil você ficar de frente com alguém que perdeu a filha de forma tão brutal, tão violenta. Emociona. São histórias que deixam uma marca na alma”.

O Brasil inteiro acompanhou outro crime que estarreceu o país por meio das reportagens de Valmir Salaro no 'Fantástico': a morte da menina Isabela Nardoni, de seis anos. Salaro entrevistou o pai e a madrasta, condenados pela morte da criança: “Tinha diante de mim um casal que era odiado pelo país. Aquele casal jamais poderia sair às ruas. Não voltaria vivo. Eles saíam para depor, as pessoas xingavam, batiam no carro da polícia. Eles eram marcados, os assassinos de plantão no Brasil, os inimigos públicos número 1”.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Depoimento exclusivo do jornalista Valmir Salaro ao Memória Globo sobre a entrevista exibida no Fantástico de 20/04/2008, com o pai e a madrasta da menina Isabella Nardoni, assassinada em 29/03/2008, em São Paulo.

Depoimento exclusivo do jornalista Valmir Salaro ao Memória Globo sobre a entrevista exibida no Fantástico de 20/04/2008, com o pai e a madrasta da menina Isabella Nardoni, assassinada em 29/03/2008, em São Paulo.

Suzane Von Richstofen, a adolescente rica que matou os pais para ficar com a herança; Antônio Pimenta Neves, o jornalista de carreira brilhante que assassinou a namorada e colega de profissão e Kevin Espada, o menino boliviano morto por um sinalizador atirado no meio da torcida. Personagens de reportagens marcantes de Valmir Salaro. Histórias trágicas que ele vai carregar pelo resto da vida: “Eu não tenho histórias felizes para contar. São histórias com pessoas de carne e osso que sofreram ou fizeram sofrer outras pessoas, e eu, indiretamente sofro com elas. Muitas estão vivas e morando no mesmo mundo que eu. Muitas têm uma sensação de injustiça enorme porque os assassinos dos parentes, muitas vezes, não foram punidos, identificados ou julgados. Isso deve ser uma tristeza, uma angústia, um vazio muito grande para essas pessoas. Eu compartilho esses sentimentos com elas.”

Reportagens

Reportagem de Valmir Salaro com as primeiras notícias sobre o assassinato do engenheiro Manfred Albert e da psiquiatra Marísia Von Richthofen. 'Jornal Nacional', 01/11/2002.

Reportagem de Valmir Salaro com as primeiras notícias sobre o assassinato do engenheiro Manfred Albert e da psiquiatra Marísia Von Richthofen. 'Jornal Nacional', 01/11/2002.

Caso Bruno (2011): Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, concede entrevista exclusiva ao repórter Valmir Salaro sobre o caso do assassinato de Eliza Samudio, Fantástico, 31/07/2011.

Caso Bruno (2011): Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, concede entrevista exclusiva ao repórter Valmir Salaro sobre o caso do assassinato de Eliza Samudio, Fantástico, 31/07/2011.

Reportagem de Valmir Salaro sobre o flagrante de corrupção envolvendo uma máfia de fiscais em São Paulo, 'Jornal Nacional', 02/12/1998.

Reportagem de Valmir Salaro sobre o flagrante de corrupção envolvendo uma máfia de fiscais em São Paulo, 'Jornal Nacional', 02/12/1998.

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Valmir Salaro deixou a emissora em dezembro de 2023.

FONTE:

Depoimento de Valmir Salaro ao Memória Globo em 13/03/2014
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