Por Memória Globo

Renato Velasco | Arte/Memória Globo

Foi no Festival Internacional da Canção de 1970, no Maracanãzinho, Rio de Janeiro, que os brasileiros descobriram Antônio Viana Gomes, paulista de uma cidadezinha chamada Mirante do Paranapanema, conhecido como Tony Tornado. O ex-engraxate, ex-vendedor de balas e amigo de Stokely Carmichael (ativista do Black Power, movimento contra a discriminação racial e marido da cantora Miriam Makeba) sacudiu o estádio com a vitoriosa 'BR-3', música concorrente de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar. “Eu era a única pessoa desconhecida daquele festival. Ia disputar com Tom Jobim, Vinícius, Elis Regina. Só fera. Foi uma aventura.” Tony Tornado dançou e cantou como um furacão. A canção tirou o primeiro lugar. A carreira de Tony Tornado mistura música e atuação. O ator entrou na Globo em 1976 e, desde então, atuou em diversas novelas, minisséries e humor.

O ator nunca está legal, nunca está completo. Falta sempre alguma coisa. Essa é a minha filosofia de vida.

Tony Tornado em 'Roque Santeiro', 1985. — Foto: Nelson di Rago/Globo

Início da carreira

Tony Tornado nasceu em Mirante do Paranapanema, pequena cidade no Estado de São Paulo, em 26 de maio de 1930. Morou com os pais, Ray Antenon Roger Patterson e Maldy Pessanha Viana até os 17 anos, quando foi para Marília.

A minha infância foi muito boa. Mas Mirante era pequena para mim. Eu era um cara grande, de tamanho e de ideias. Queria ser artista.

A mãe achava o filho muito jovem para se aventurar em alguma metrópole. Já o pai não resistiu tanto à ideia. Ray Antenon, nasceu em Georgetown, capital da Guiana. Segundo Tornado, o pai era um contador de histórias e teria sido um dos sobreviventes da seita religiosa de Jim Jones, que levou à morte, por suicídio ou assassinato, de quase mil pessoas, em 1978. Embora a escravidão já tivesse sido abolida no Brasil, Ray chegou a trabalhar em fazendas de escravos no interior do país. “Dizem que era “usado” para fazer filhos. Não tinha medo de nada”, conta Tony, que afirma que seu pai teria mais de 100 filhos.

Tony Tornado seguiu o seu destino e, em 1948, chegou ao Rio de Janeiro. Queria ser paraquedista, mas, antes, foi engraxate, e vendedor de amendoim para sobreviver. Um ano depois, finalmente, entrou na corporação e conheceu o empresário Silvio Santos, dono do SBT, em um grupamento do Exército. “Foi ele que inaugurou a cantina da escola e vendia carnaúba para o pessoal limpar os coturnos. Já era um bom comerciante”, conta.

Carreira musical

Depois de 13 anos no Exército, finalmente pode dar aso à veia artística. Na época, anos 1960, o programa 'Hoje é Dia de Rock' fazia sucesso na rádio Mayrink Veiga. Tony arriscou participar, fez apresentações imitando cantores norte-americanos como Little Richard e Chubby Checker e chamou a atenção do produtor artístico Carlos Imperial, da extinta TV Continental, que lhe abriu às portas para a carreira musical.

Depois dos programas de Imperial, Tony partiu em busca de novas oportunidades do outro lado do Atlântico. Foi morar no Harlem, bairro negro de Nova York, mas logo se meteu em atividades ilícitas e acabou deportado. De volta ao Brasil, encontrou o amigo Serguei e os dois foram cantar em uma boate de Copacabana, o Porão 73, antes de Peri Ribeiro, a atração principal. No repertório do show, músicas de Dolores Duran. Certa noite, Serguei chamou Tornado para socorrer uma amiga na praia: “‘Você precisa me ajudar, disse Serguei, Ela está caída na praia, mas é boa demais, canta muito.’ Acredite se quiser, a mulher caída era a deusa dele”. Janis Joplin, segundo Tony, cantou na boate até o dia clarear.

BR-3

Em 1970, Tony Tornado passou a ser um dos cantores que trabalhava com o músico Ed Lincoln. Foi quando conheceu Antônio Adolfo. Interpretando a música dele com Tibério Gaspar, 'BR-3', Tony ganhou o Festival Internacional da Canção. Ninguém o conhecia. Foi aquele silêncio quando o Hilton Gomes anunciou: “Música 'BR-3', defendida por Tony Tornado, Trio Ternura e Quarteto Osmar Milito”. Virou uma febre.

Festival Internacional da Canção (1970): Tony Tornado canta 'BR-3'

Festival Internacional da Canção (1970): Tony Tornado canta 'BR-3'

Black is beautiful

1971. Maracanãzinho lotado em plena ditadura militar. Elis Regina cantava 'Black is Beautiful', de Marcos e Paulo Sérgio Valle: “Hoje cedo, na Rua do Ouvidor, quantos brancos horríveis eu vi, eu quero um homem de cor…” Na plateia, Tony Tornado não perdeu tempo e gritou: “Sou eu”. Subiu no palco, abraçou a cantora e ergueu o punho cerrado, gesto igual ao dos Panteras Negras, grupo revolucionário da década de 1960 que lutava contra o racismo nos Estados Unidos. O cantor já desceu algemado: “Eles sempre achavam que eu agitava e eu não agitava. Até que um dia os caras falaram: ‘vamos mandar esse negão embora.’ Aí, me botaram no avião e eu fui embora.”

Exilado, Tony passou por países como Uruguai, a antiga Tchecoslováquia (República Tcheca), Coreia do Norte, Cuba e Moscou. No retorno ao Brasil, beijou o chão. “Igual ao Papa. Eles ficaram com medo porque eu estava começando a implantar coisas. A consciência negra”, ressalta.

Tony Tornado no 5º 'Festival Internacional da Canção', 1968. — Foto: Acervo/Globo

Entrada na Globo

Tony Tornado entrou para a televisão pelas mãos do diretor Maurício Sherman. O primeiro teste foi para integrar o elenco da novela 'Jerônimo, o Herói do Sertão', na TV Tupi, em 1972. Tony conseguiu o papel de João Corisco, personagem que enfrentava o herói. Começava sua carreira de ator. Ainda na Tupi, conheceu 'Os Trapalhões' e foi parceiro de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias por dois anos.

Em 1976, foi contratado pela Globo e vai trabalhar com o humorista Chico Anysio: “Eu fazia o Linguinha em uma série que o Chico Anysio tinha, e ele falava: ‘Negão forte, Tony, é o super Freis…’ Conhecer o Chico foi a glória. Era o melhor cômico sobre a face da terra. Feliz daquele que trabalhou com o Chico. Ele me ensinou muitas coisas, muitos macetes”.

Tony Tornado em Sinhá Moça - 1ª versão, 1986 — Foto: Nelson Di Rago

Mas nem todos os macetes aprendidos com Chico Anysio livraram Tony Tornado de situações difíceis ao atuar na televisão. Em 'Sinhá Moça' (1986), por exemplo, ele interpretou o Capitão do Mato e conta que sofreu com o papel.

“Sofri, historicamente, pelo personagem, e sofri na vida particular, como transferência. Era um negro branco, que dava ‘porrada’ na negada e não gostava de preto. Essa época eu tive problemas.”

“Yes, Sir”

Antes de participar do elenco de 'Sinhá Moça', Tornado interpretou um personagem que dizia apenas duas expressões: “Yes, sir…” Um texto óbvio, mas dito com muita verdade, comenta o ator. Ele viveu o mordomo Charles do primo rico no humorístico 'Balança mais não Cai', entre 1982 e 1983. Paulo Gracindo era o primo rico e Brandão Filho, o primo pobre. “Ao ser chamado pelo primo rico, ‘Charles…’, eu respondia: ‘ Yes, Sir…’Virou uma mania no país”, recorda.

Novelas

Um negro que não conseguia compactuar com a religiosidade de seus antepassados e suas crenças. Na minissérie 'Tenda dos Milagres', de 1985, Tony Tornado interpretou o incrédulo Zé Alma Grande. O ator contou que a sua espiritualidade natural era desafiada o tempo todo: “Eu recorria à Chica Xavier, que fazia a Magé Bassã. Antes de gravar, eu conversava com a minha atriz e amiga e pedia proteção para fazer as cenas mais fortes”.

Tony Tornado em 'Roque Santeiro', 1985 — Foto: Geraldo Modesto/Globo

Ainda em 1985, Tornado participou de um dos maiores sucessos da Globo: a novela 'Roque Santeiro', de Dias Gomes. O personagem era Rodésio, empregado e apaixonado pela viúva Porcina, vivida por Regina Duarte. Tony relembra de uma cena hilária da novela: “A Porcina me manda encontrar uns cisnes e eu não consigo. Aí arrumo uns patos pretos e coloco na água. Ela vê aquilo e diz: ‘Rodésio, que isso?’ Eu digo: ‘O que é isso? São os cisnes.’ Aí ela diz: ‘Cisne, Rodésio, aquele ali por exemplo.’ Eu digo: ‘Qual?’ ‘Aquele ali, chega perto dele.’ Eu tinha que me abaixar para apontar para o cisne, ela me dá um chute e eu mergulho no chafariz com os patos”.

Em 1991, Tony fez 'Vamp', uma história infantil com conotações adultas. Ele interpretou o Pai Gil. “Eu contracenava com Nuno Leal Maia, que fazia o padre garotão, e eu fazia o Pai Gil. Eu era um visionário do bem, jogava búzios e tal. Eu fiz algumas novelas que eu era do bem, mas a maioria eu fui do mal por causa do tipo físico”, comenta.

'Vamp' (1991): Jurandir (Nuno Leal Maia) conta a verdade

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Em 2011, Tony trabalhou na novela 'Cordel Encantado', quando contracenou com o ator Domingos Montagner. Então estreante, o ator viria a falecer em 2016. Tony recorda do colega com carinho: “Ele era uma pessoa muito boa. Lembro dele do meu lado, falando: ‘Pô, Tornado, estou feliz à beça, feliz cara, estar trabalhando aqui com você.’ Batia texto com ele o tempo todo, que ele estava vindo de uma outra praia, para a nossa. Domingos… muita alegria e infelizmente marcado por uma fatalidade. Mas são coisas da vida… todo dia nós somos testados em nossas vidas, até as privações”.

Em 'Cordel Encantado', mais um desafio na carreira do ator. Seu personagem, Damião, era casado com a personagem de Débora Duarte e vivia o conflito de ter tido um filho branco. Estava sempre entrando em choque com a mulher, até que a trama esclarece que não se tratava de traição e que, sim, é possível um negro e uma branca terem um filho branco.

Minissérie

Carlos Bernardo e Tony Tornado em 'Agosto', 1993 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

Em 'Agosto', minissérie de 1993, baseada no romance de Rubem Fonseca, Tony interpretou Gregório Fortunato, segurança de Getúlio Vargas. O protagonista era um detetive de polícia vivido por José Mayer. Tony conta como construiu o personagem: “Carlos Manga chega pra mim e diz: ‘Tony, não é todo mundo que está de acordo que você faça o Gregório Fortunato, porque você é muito alegre, você está sempre sorridente. Eu disse pra eles que você era capaz de fazer o personagem.’ Eu disse: ‘Manga, como dizem lá, os deputados e senadores, em seu nome eu vou ficar sem rir”. Conseguiu o papel, e releva: “Eu conheci o Gregório. Eu era militar na época e ele era praticamente o dono do Palácio. Eu era um anão perto dele, ele era muito grande. Gregório Fortunato, mais conhecido como Eminência Parda, sabe-se historicamente que ele provava a comida de Getúlio Vargas antes do presidente”.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Agosto (1993): Gregório Fortunato (Tony Tornado)

Agosto (1993): Gregório Fortunato (Tony Tornado)

Infantojuvenis

Apesar do tamanho e da cara de mau, Tony Tornado encantou as crianças com o personagem Avanlanche em 'Caça Talentos', novela infantil exibida em 1997 e protagonizada pela apresentadora Angélica no programa 'Angel Mix'. Ele era divertido, inocente e lutava contra o mal. Em 2006, Tony voltou a trabalhar com Renato Aragão, agora na 'A Turma do Didi'. O ator não economiza elogios ao colega: “Por mais engraçado que os outros três fossem, o Renato é que tinha o approach”.

Zorra Total

Em 2007, Tony Tornado volta à comédia pelas mesmas mãos de Maurício Shermann. O convite era para participar do 'Zorra Total'. O ator considerava o programa o seu porto seguro: “Participo, saio para fazer novela, volto e tenho a chance de fazer o que gosto, que é o humor.”

Em 2015, quando Tony Tornado completou 85 anos, a direção do atual 'Zorra' preparou uma surpresa para o ator. No fim de uma esquete, onde todos estão vestidos como no tempo do nascimento de Jesus, Tornado é um dos três Reis Magos. Ele foi surpreendido com a homenagem: uma cortina cai e revela seu filho Lincoln, vestido como ele no Festival da Canção de 1970, cantando 'BR-3'. Tony se emocionou e cantou com o filho: “Eu fui me aproximando do palco, emoção subindo, aí ele cantou um verso e deixou outro verso pra mim. Puxa vida, o que vocês fizeram. Mata o velho, bicho!”.

Em 2017 participou da série 'A Fórmula', como Lisboa. No mesmo ano, esteve em 'Carcereiros', original Globoplay, como o agente Valdir. Ainda no serviço de streaming, fez uma participação em 'Encantados', em 2022. Em 2023, aos 92 anos, retorna às novelas em 'Amor Perfeito', de Duca Rachid e Júlio Fischer, interpretando o atrapalhado Frei Tomé.

Zorra (2015): Homenagem a Tony Tornado em especial de Fim de Ano

Zorra (2015): Homenagem a Tony Tornado em especial de Fim de Ano

Tony Tornado também é formado em Direito, atuou em quase 20 filmes e em 2015 participou do Rock In Rio ao lado dos roqueiros da banda Ira.

Fontes

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