Por Memória Globo

Leo Martins/Memória Globo

Atuar é uma grande diversão para Stênio Garcia. Foi por brincadeira que ele virou ator: de tanto frequentar os ensaios do grupo de teatro da Escola Técnica do Comércio de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, acabou sendo recrutado para uma estreia. “Eu ficava remedando os atores e me divertia muito. No dia do espetáculo, faltou um ator. O diretor virou e disse assim: ‘O Stênio sabe o personagem, sabe as falas, ele sabe o papel’. Me cataram e acabei entrando no lugar do tal ator. E com essa história de entrar sem compromisso da representação, eu fiz uma farra tremenda! Eu falava, ria, fazia uma algazarra, e acabaram achando que eu tinha sido o melhor do espetáculo”, conta.

O capixaba Stênio Garcia Faro se mudou com a mãe para o Rio quando ela se separou de seu pai. Começou como ator amador em 1952 e, em 1955, entrou para o Conservatório Nacional de Teatro. Ao terminar o curso, foi para a companhia de Cacilda Becker, na qual fez sua estreia como profissional em 1959, na peça 'Os Perigos da Pureza', de Hugh Mills. Depois, integrou o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, onde atuou em 'Panorama Visto da Ponte', de Arthur Miller, em 1960; 'A Semente', e Gianfrancesco Guarnieri, 'As Almas Mortas', de Gogol, e 'A Escada', de Jorge Andrade, todas em 1961; 'A Morte do Caixeiro Viajante', de Arthur Miller, em 1962; e 'Vereda da Salvação', de Jorge Andrade, em 1964, entre outras peças.

Sua primeira experiência na televisão foi dirigindo o 'Teleteatro Brastemp', na TV Excelsior. Já a sua estreia em telenovelas aconteceu em 1966, quando atuou em 'Minas de Prata', adaptação do romance de José de Alencar por Ivani Ribeiro, dirigida por Walter Avancini: “Era para fazer o início da novela, eram três meses, mas o personagem fez um sucesso tão grande que eu acabei ficando até o fim”. Ainda na Excelsior, fez outras novelas da autora, entre as quais 'Os Fantoches' (1967), 'A Muralha' (1968), 'Dez Vidas' (1969) e 'Os Estranhos' (1969). “Aí, eu me tornei o filhão da Ivani. É a minha mãezona profissional. Porque eu considero o Avancini o meu pai profissional”, brinca.

Estreia na Globo

Na TV Tupi, fez 'Hospital' (1971), de Benjamin Cattan, e 'Na Idade do Lobo' (1972), Sérgio Jockymann. A estreia na Globo aconteceu em 1973, quando foi convidado por Avancini para interpretar o Brucutu da novela 'Cavalo de Aço', de Walther Negrão. Em seguida, participou de 'O Semideus' (1973), de Janete Clair, como Lorde: “Era um personagem vigaristazinho, metido a fazer mágicas, pilantrinha, com piteira. E eu gosto muito de trabalhar com composições”.

Stênio Garcia em 'O Semideus'. — Foto: Acervo Globo

Durante os anos 1970, participou de vários 'Casos Especiais', como 'O Crime de Zé Bigorna' (1974), 'Sarapalha' (1975) e os premiados 'Poema Barroco' (1977), seu primeiro grande sucesso na emissora, no qual interpretou o escultor Aleijadinho, e 'A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água' (1978). Também fez parte do elenco do programa humorístico 'Planeta dos Homens' (1976). Stênio e sua então esposa, Clarice Piovesan, faziam o quadro 'Kika e Xuxu'. "O Paulo [Araújo, diretor do programa] chegou para mim e perguntou: 'Como é que vocês se tratam?'. Eu e a Clarice, né? 'Como é que vocês se chamam? Você brinca com a Clarice? Chama de quê?' E eu respondi: 'Eu chamo de Kika'. 'E a Clarice, como é que te chama?' 'Ah, eu chamo é de Xuxu, mas é uma brincadeira entre nós.' E aí ele falou: 'Então, vamos brincar com isso'. Aí pegou um quadro escrito pelo Max Nunes e o Haroldo Barbosa. Ele disse: 'Chama a Clarice de Kika, e ela passa a te chamar de Xuxu'. E eu falei: “Está bom, vamos lá.”

'Kika e Xuxu' fez tanto sucesso que deu origem a um programa homônimo, exibido diariamente em 1978.

Kika & Xuxu: Episódio "Sherlock Xuxu e o Escândalo da Boêmia"

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Parceria com Fagundes

Entre 1979 e 1981, viveu o caminhoneiro Bino na primeira versão do seriado 'Carga Pesada', ao lado de Antonio Fagundes, que interpretava seu parceiro, Pedro. O programa fez um enorme sucesso. “O Brasil parava naquele horário para assistir a 'Carga Pesada'. A estrada ficava deserta naquele momento”, lembra.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Depoimento - Stênio Garcia: 'Carga Pesada 1ª Versão' (1979)

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Webdoc seriado - 'Carga Pesada' (1979 e 2003)

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Por sua atuação no seriado, recebeu o prêmio de Melhor Ator da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). O programa voltou a ser produzido a partir de 2003, com a mesma dupla de atores, dois grandes amigos na vida real. “Até a Globo aproveitou dessa nossa amizade para criar personagens para que estivéssemos sempre contracenando. Foi assim em 'O Dono do Mundo' (1991), onde aí eu fazia um empresário que tinha a filha casada com um médico safado e salafrário (interpretado por Fagundes). Nós éramos irmãos em 'Corpo a Corpo' (1994), do Gilberto Braga. E culminou com 'O Rei do Gado' (1996), onde eu fiz aquele empregado que adorava o patrãozinho”, conta.

Com o jangadeiro Mestre Antônio, de 'Final Feliz', (1982), de Ivani Ribeiro, ganhou novamente o prêmio da APCA: “Eu queria que ele fosse a representação da poesia brasileira”.

Interpretou o Padre Cícero em minissérie homônima, de 1984, e em 'Que Rei Sou Eu?' (1989), de Cassiano Gabus Mendes, deu vida a um dos seus personagens mais conhecidos, o Corcoran, ao mesmo tempo bobo da corte e líder revolucionário no Reino de Avilan. “Foi um trabalho em que eu me realizei totalmente, porque pude fazer um tipo de estudo que já estava praticando. Eu já estava fazendo um trabalho de acrobacia de solo com um pessoal da Escola de Circo”, diz.

Stênio Garcia atuou em diversas minisséries: 'Bandidos da Falange' (1983), Aguinaldo Silva, 'Padre Cícero' (1984), de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, onde viveu o polêmico personagem-título, 'Boca do Lixo' (1990), de Silvio de Abreu; 'Agosto' (1993), adaptada por Jorge Furtado e Gina Assis Brasil da obra de Rubem Fonseca; 'A Madona de Cedro' (1994), adaptada da obra de Antônio Callado por Walther Negrão; 'Engraçadinha… Seus Amores e Seus Pecados' (1995), baseada na obra de Nelson Rodrigues e escrita por Leopoldo Serran; 'Decadência' (1995), baseada no romance de Dias Gomes e escrita e dirigida por Roberto Farias; 'Hilda Furacão' (1998), escrita por Gloria Perez a partir da obra de Roberto Drummond; e 'Labirinto' (1998), de Gilberto Braga. Em 2000, participou de 'A Muralha', de Maria Adelaide Amaral, e no ano seguinte, de 'Os Maias', adaptada pela mesma autora, da obra de Eça de Queirós.'

'De Corpo e Alma', novela de Gloria Perez exibida em 1992, foi uma experiência intensa para Stênio. Era a segunda vez que ele vivia um personagem que era pai da atriz Daniela Perez (antes, foi em 'O Dono do Mundo'). A trama tratou de doação de órgãos. "Tive a oportunidade de talvez fazer uma das cenas mais comoventes que eu já tenha feito em televisão num produto dramático, que foi pedir um coração para a filha que estava morrendo [Cristiane Oliveira, que interpretava a irmã de Daniela]. Foi uma cena que mudou o conceito de doação de órgãos aqui no Brasil, eu me orgulho muito disso", conta ele, lembrando que o número de doações de órgãos cresceu muito no país após a cena. "Posteriormente eu recebi agradecimentos assim, de associações encarregadas na coleta de órgãos, né, e eu fiquei muito satisfeito que o meu trabalho pudesse ser útil nesse sentido." Mas não foi só isso. Foi durante esta novela que aconteceu o brutal assassinato de Daniela, por um colega de elenco. "Ela era a minha filha na novela e [seu assassinato] me comoveu tanto quanto o pedido, muito mais do que o pedido do coração para salvar uma filha que era uma ficção. E eu fiquei a partir daí ligado, muito ligado à Gloria Perez, não em consolo, mas em questão de 'estou com você para o que der e vier'”.

'De Corpo e Alma': Edição de cenas em que, após inicialmente hesitar, a família de Betina (Bruna Lombardi) decide pela doação de seu coração para Paloma (Cristiana Oliveira). Com Bela (Ida Gomes), Caíque (José Mayer), Bia (Maria Zilda Bethlem), Domingos (Stênio Garcia), Lacy (Marilu Bueno), Yasmin (Daniela Perez) e Juca (Victor Fasano).

'De Corpo e Alma': Edição de cenas em que, após inicialmente hesitar, a família de Betina (Bruna Lombardi) decide pela doação de seu coração para Paloma (Cristiana Oliveira). Com Bela (Ida Gomes), Caíque (José Mayer), Bia (Maria Zilda Bethlem), Domingos (Stênio Garcia), Lacy (Marilu Bueno), Yasmin (Daniela Perez) e Juca (Victor Fasano).

Na novela 'O Clone' (2001), de Gloria Perez, interpretou o muçulmano Ali Rachid, tio de Jade (Giovanna Antonelli) e amigo do médico Albieri (Juca de Oliveira). Também encarnou o demônio Asmodeu, nas duas jornadas de 'Hoje é Dia de Maria' (2005), e foi o Dr. Castanho, um psiquiatra renomado e excêntrico em 'Caminho das Índias' (2009), também de Gloria Perez. Em 2012, voltou a trabalhar numa trama da autora, 'Salve Jorge', desta vez no papel do milionário falido Arturo.

Em 2014, fez uma participação especial em 'Meu Pedacinho de Chão', de Benedito Ruy Barbosa. No ano seguinte voltou a interpretar um de seus personagens de maior sucesso: o caminhoneiro Bino, em 'Totalmente Demais', de Rosane Svartman. Em 2016 e 2018, fez participações especiais em 'Malhação: Pro dia Nascer Feliz', de Emanuel Jacobina e 'Deus Salve o Rei', de Daniel Adjafre, respectivamente.

Frases no ar: Sid Ali (Stênio Garcia) em cena de 'O Clone'

Frases no ar: Sid Ali (Stênio Garcia) em cena de 'O Clone'

Outros trabalhos

No Canal Futura, apresentou o programa 'Brava Gente Brasileira'. E atuou em cerca de 30 filmes, entre os quais 'Vereda da Salvação' (1964) e 'O Crime do Zé Bigorna' (1977), ambos de Anselmo Duarte; 'Os Matadores' (1997), de Beto Brant; e 'Eu, Tu, Eles' (2000), de Andrucha Waddington, que lhe rendeu mais um prêmio de Melhor Ator da APCA.

Em 2009, Stênio Garcia lançou 'Força da Natureza', uma biografia escrita por Wagner de Assis, pela Imprensa Oficial.

Fontes

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