Silvia Sayão começou a trabalhar na Globo em 1978. Permaneceu oito anos como editora no 'Jornal Nacional' — de 1978 a 1985 — até se integrar, definitivamente, à equipe do 'Globo Repórter', em 1986. Inicialmente, ela assumiu a função de editora, até que, dez anos depois, tornou-se diretora do programa. A partir de então, participou da cobertura de alguns dos marcantes acontecimentos do século XXI, como os atentados de 11 de setembro. Sua liderança contribuiu para que o programa colecionasse prêmios e indicações ao Emmy Internacional. Com o olhar atento, crítico e voltado para os desafios do futuro, contribuiu para a construção de um programa mutante, mantendo sempre a qualidade, a credibilidade e o interesse pelo bem estar do brasileiro. Depois de mais de 24 anos à frente do 'Globo Repórter', a jornalista deixou a Globo no final de 2020.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre concepção e formatos do 'Globo Repórter', com entrevistas exclusivas ao Memória Globo.
Webdoc sobre a abordagem dos temas saúde e qualidade de vida no programa 'Globo Repórter', com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Silvia Sayão nasceu em 22 de maio de 1952, em São Paulo. Decidida a seguir a carreira de jornalista, prestou vestibular para o curso de Jornalismo na Fundação Armando Alves Penteado (Faap), em São Paulo. Simultaneamente, estudava história na Universidade de São Paulo (USP), curso que não chegou a concluir devido ao início da vida profissional. Silvia Sayão começou no jornal Diário Popular, onde ficou de 1972 a 1974, como repórter-estagiária de assuntos gerais e setorista da Editoria de Educação. Em 1974, foi para o jornal O Estado de S. Paulo, onde trabalhou até o final de 1977, também como repórter de geral e setorista de Educação. Em fevereiro de 1978, teve início sua carreira na televisão. Ao sair do jornal O Estado de S. Paulo, recebeu uma proposta de trabalho no Jornal do Brasil, de Brasília, mas acabou desistindo. A amiga e jornalista Diléa Frate a indicou para uma vaga na Globo de São Paulo, onde Silvia entrou como editora local do 'Jornal Nacional' para cobrir um período de férias. Após um mês de experiência, Luiz Fernando Mercadante, então diretor da emissora em São Paulo, convidou-a a permanecer na função.
“Nessa época, o 'Jornal Nacional' era ao vivo de São Paulo. Os apresentadores eram Cid Moreira no Rio e o Celso Freitas em São Paulo. São Paulo tinha um volume muito grande de matérias no 'Jornal Nacional'. A gente estava fazendo muita experiência com a formatação das matérias, tentando mudar. Foi um período muito rico. A gente experimentou muito e tinha acabado de chegar o VT. Antes era filme, em que você tem uma agilidade menor. ”
Silvia Sayão integrou a equipe do 'Jornal Nacional' por oito anos, de 1978 a 1985. Mas em 82, como convidada, fez o seu primeiro 'Globo Repórter', sobre o centenário de Monteiro Lobato. Nessa época, o programa iniciava uma nova fase. Com a entrada de Robert Feith na direção, o 'Globo Repórter' deixou a estrutura e a linguagem de documentário de cinema adotada até então para dar lugar a um formato mais jornalístico. A figura do repórter, que raramente aparecia no vídeo, passou a ser privilegiada.
Silvia continuou no 'JN', mas os convites para breves participações no 'Globo Repórter' foram ficando mais frequentes e, em 1986, transferiu-se definitivamente para o programa. Silvia passou a integrar a equipe fixa do 'Globo Repórter' do núcleo de São Paulo, onde permaneceu durante três anos. Voltou brevemente à editoria São Paulo em 1989, mas retornou ao 'Globo Repórter' no início de 1991, como chefe de redação, tendo como editor-chefe Jorge Pontual. Em 1995, passou seis meses no 'Fantástico' como chefe de redação. No mesmo ano, deixou São Paulo e mudou-se para o Rio de Janeiro.
Em 1989, Silvia Sayão tornou-se responsável pelo programa 'Retrospectiva', que vai ao ar todo final de ano na Globo com a proposta de abordar os principais acontecimentos do ano no Brasil e no mundo. Até 1992, a equipe do 'Retrospectiva' não era fixa, mas dessa data em diante o programa passou a ficar sob a responsabilidade da equipe do 'Globo Repórter'.
Direção do Globo Repórter
Com a entrada de Evandro Carlos de Andrade na Globo — ele assumiu a direção da Central Globo de Jornalismo em julho de 1995 —, algumas modificações foram implantadas no jornalismo da emissora. Devido a essas mudanças, em 1996, Jorge Pontual foi transferido para Nova York como chefe do escritório, e Silvia Sayão assumiu o cargo de editora-chefe do 'Globo Repórter', em seu lugar.
Ao longo de sua trajetória como diretora do programa, Silvia comandou inúmeros programas marcantes, como o 'Caso Riocentro, 15 anos Depois', em que, em março de 1996, reportagem especial de Caco Barcellos trouxe à tona revelações que evidenciaram a manipulação dos fatos sobre o atentado ao Riocentro. "Esse programa começou a ser produzido bem na saída do Pontual, e eu coloquei no ar em março de 1996. Mas ele começou a ser feito no final de 95. [...] A gente foi ao Riocentro, pegou todo mundo que trabalhou na segurança daquele dia, fomos um por um conversar para eles contarem o que viram. Reconstituímos tudo, descobrimos várias coisas. [...] A gente deu o retrato daquela noite através dessas testemunhas. Uma briga para eles falarem, muitos não queriam falar, muitos tinham medo. E a gente acabou conseguindo contar toda a história que ninguém conhecia. Isso foi uma revelação".
O ‘Globo Repórter’ do dia 8 de março de 1996 homenageou os Mamonas Assassinas, cuja carreira meteórica chegou ao fim na noite de 02 de março, quando o jato em que os integrantes da banda estavam se chocou contra a Serra da Cantareira, em São Paulo. "Um programa complicadíssimo, mas deu tempo para buscar material inédito, negociar com as famílias. Nossa, foi uma briga para comprar e pagar esse material. Naquele momento, tudo o que era dos Mamonas passou a valer ouro. Foi uma comoção nacional grande."
Correria, planejamento rápido e edição minuciosa para exibir o 'Globo Repórter' sobre os atentados terroristas que atingiram os Estados Unidos e estarreceram o mundo, em setembro de 2001. A equipe recorreu ao jornalista Jorge Pontual que conseguiu chegar próximo ao local do desabamento das torres gêmeas. Silvia lembra do dia enlouquecedor: “Histórias dramáticas, como não vi em nenhum outro acontecimento jornalístico. Uma das que mais me marcaram é a questão dos bombeiros. Eles viram tudo de fora e receberam ordem para subir as escadas, para socorrer quem estava lá em cima isolado. Eles sabiam que iam morrer, sabiam da gravidade vendo de fora, e a função deles era ajudar os que estavam lá. Eles cumpriram, por isso morreram tantos bombeiros nesse episódio. [...] Foi um programa de um impacto tremendo, uma audiência altíssima. [...] O programa refletiu o momento que o mundo vivia, o primeiro grande acontecimento deste século. [...] Foi impressionante”. Silvia ainda recorda que o 'Globo Repórter' conseguiu reconstituir a última cena que os passageiros viram até bater no prédio. Para a simulação, ela contou com a ajuda de um amigo que estudava programas de computador.
Um bom planejamento é essencial em qualquer atividade. No jornalismo, é fundamental. Mas como coordenar uma cobertura para um programa semanal em dois países diferentes? Em parceria com a equipe de Esportes, o 'Globo Repórter' mostrou os bastidores da Copa do Mundo da Coreia e do Japão, em 2002, incluindo a concentração da Seleção brasileira e imagens exclusivas do atacante Ronaldo. Ao 'Globo Repórter', coube uma abordagem diferente e particular: “Vamos esquecer um pouco o esporte, ir mais para o lado do comportamento. O que você faz numa Copa do Mundo? Prioriza a emoção brasileira porque o esporte entra em detalhes no 'Jornal Nacional'. [...] O que interessa para o nosso público é isso, o que ninguém mostrou, o que ninguém viu ainda, a primeira imagem da concentração, o que acontece, os que os jogadores fazem lá, quais são as brincadeiras. Isso é uma curiosidade imensa”.
"Mostrar um Quarup é dificílimo", destaca Silvia Sayão. Mas o 'Globo Repórter' conseguiu gravar para os brasileiros, em 2003, o ritual religioso em homenagens aos mortos celebrado pelos povos indígenas do Alto Xingu. Para chegar ao local da cerimônia, a equipe do programa voou, em um monomotor, de Cuiabá até o Parque Indígena do Xingu e seguiu de barco pelo Rio Tuatuari, passando por algumas das mais de 30 aldeias que se estendem pela região. “Nossa equipe conseguiu não só fazer o Quarup, como também mostrar o modo de vida dos índios do Xingu, os riscos que eles estão sofrendo, a cultura deles, com o avanço de agricultura. Foi uma experiência emocionante. [...] O grande prazer de se trabalhar no 'Globo Repórter' são as descobertas, você vai, traz coisas, descobre coisas”. Em 2004, a reportagem ganhou os prêmios Imprensa Embratel e Grande Prêmio Barbosa Lima Sobrinho.
Em 2004, a repórter Delis Ortiz esteve à frente da equipe do 'Globo Repórter' que denunciou a pedofilia e a exploração de crianças e adolescentes no Ceará e na Cidade do Leste, no Paraguai. A reportagem investigou o trabalho do judiciário e de ONGs para combater o abuso sexual e infantil e ganhou o prêmio Imprensa Embratel de 2004/2005. O programa foi editado por Denise Cunha. Silvia Sayão lembra que esse 'Globo Repórter' quase não foi ar porque os denunciados impetraram um mandado para impedir sua exibição. "É raro a gente não poder pôr um programa no ar por uma decisão judicial, mas chegou a ser expedido um mandado pra não pôr no ar. Só que não conseguiram entregar."
Em 2008, Silvia Sayão destaca um programa feito pelo repórter Clayton Conservani, 'Uma Aventura no Nepal'. "Essa foi uma aventura muito interessante. O Clayton é muito empenhado. Não existia ainda o 'Planeta Extremo', e o Clayton foi fazer uma escalada para o esporte. [...] Ele mostra a beleza daquela região do Nepal, os riscos, desde a chegada, aqueles aviõezinhos que pousam naquele aeroporto estranhíssimo e a escalada. Ele vai passando por pequenas cidades, por pequenas localidades. O esporte não tinha interesse em todo esse relato, e ele foi pra fazer isso pra gente. Ficou um programa maravilhoso, melhor do que eu esperava, porque o programa era um risco. Ele não estava com uma equipe completa nossa, era ele, o cinegrafista. E foi um programa emocionante. [...] O Clayton fazia um relato emocionante de cada lugar em que ele passava, pra gente um mundo totalmente desconhecido. [...] A beleza da paisagem, os riscos da subida, vai ficando o ar mais difícil, ele tem todo um preparo e uma sabedoria de traduzir aquilo para o público com leveza. Eu achei uma aventura muito interessante."
Aventuras de Glória Maria e o Brasil visto do céu
Em 2010, após dois anos fora do ar, a repórter Glória Maria voltou para a Globo à frente de matérias especiais do 'Globo Repórter'. Silvia lembra a primeira reportagem feita pela jornalista em Brunei, na Ásia: “Brunei era um lugar que eu queria fazer há muito tempo. É um mundo curiosíssimo, um sultanato em que, graças à renda do petróleo, a população tem um nível de vida altíssimo, o dinheiro é distribuído e o sultão, trilhardário, tem não sei quantas casas. Lembro que ela fez uma passagem muito interessante [...]: ‘No Brunei tudo que reluz de fato é ouro’. [...] Depois fizemos os Emirados, Dubai, Omã, mas o Brunei foi a primeira experiência dela aqui”.
Outro destaque do período foi uma série que levou ao ar um ponto de vista curioso: o Brasil observado do céu. A proposta foi da editora Cláudia Guimarães, prontamente aceita pela direção do 'Globo Repórter'. Exibida em novembro de 2011, a primeira reportagem da série 'Céus do Brasil' mostrou a diversidade dos principais biomas brasileiros a bordo de um imenso balão. Sérgio Chapelin e André Luiz Azevedo acompanharam o trabalho de cientistas e pesquisadores na floresta, em busca de novas espécies de plantas e animais. A filmagem foi feita em tecnologia de alta definição e com lentes especiais. A segunda reportagem da série foi exibida em março de 2012 e mostrou a caatinga, o único bioma que só existe no Brasil. Dessa vez, Chapelin foi acompanhado pelo repórter Francisco José. Sílvia Sayão comenta: "O balão permitia uma outra visão. [...] E neste programa nós levamos pesquisadores no balão, e eles viram sítios arqueológicos que eles nunca tinham explorado, daí foram explorar. [...] Acreditava-se que a presença humana naquela região era de no máximo 20 mil anos atrás, agora eles acham que pode ser de 50 mil. São coisas que vão mudar a história, né? [...] A gente precisa muito dos cientistas pra dar densidade para os nossos programas. Eu falei: 'Pô, fico feliz que o vice-versa também funciona'. A gente ajudar uma descoberta científica é muito legal". O último programa da série foi exibido em junho de 2012. O repórter André Luiz Azevedo mostrou o pampa gaúcho, bioma que atravessa a fronteira sul do Brasil e se estende pelo Uruguai e pela Argentina.
Indicações ao Emmy
Em 2013, o 'Globo Repórter' foi indicado ao prêmio Emmy Internacional na categoria Atualidades com uma reportagem de Francisco José: 'Os Rituais do Enawenê-Nawê'. A tribo vive isolada na Floresta Amazônica e tem ritual para tudo: “O principal ritual talvez caminhe para a extinção. Na crença religiosa deles, tem o momento de pegar os peixes que abastecem a tribo. É o momento do ano. O que acontece? Aquela região está cheia de hidroelétricas que estão mudando a vazão dos rios. [...] Então, eles não conseguem mais pegar os peixes, porque não chegam, com a mudança da vazão das hidroelétricas. Aí eles se sentem culpados, acham que estão fracassando”, comenta.
Indicado ao Emmy na categoria Jornalismo 2017, o programa 'Arte como Passaporte', exibido em 2016, foi idealizado por Renato Machado. A reportagem mostrou como a arte mudou a vida de jovens de comunidades pobres brasileiras, como Heliópolis, em São Paulo. “Fomos a centros de formação de músicos, balés, música clássica, mostrando como as pessoas que não têm oportunidade nenhuma, quando é oferecida essa oportunidade, através da arte, se agarram a ela e transformam a vida. Tínhamos um garoto que estudava em Heliópolis e estava crescendo. Como é a vida dele? Quantas horas ele estuda? A mãe: 'Olha, até o meu filho começar a estudar isso, não sabia o que era música clássica. E como é bonita a música clássica. Agora, ouço o meu filho tocando em casa'", lembra Silvia.
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Em dezembro de 2020, Silvia Sayão deixou a Globo, depois de 24 anos à frente do 'Globo Repórter'. Na emissora, ela somou 42 anos de jornalismo. Durante a pandemia de Covid-19, Silvia ainda levou ao ar um programa histórico sobre os 70 anos da televisão brasileira, e uma Retrospectiva intensa, marcada por crises e fatos inimagináveis até então.
Fonte
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Silvia Sayão em 06/12/2001 e 29/01/2018. |