A Revolução dos Cravos foi uma reviravolta na vida de Sandra Passarinho. Aos 24 anos, a repórter juntou “uma muda de roupa” e embarcou na viagem que transformaria sua trajetória pessoal e profissional. A jovem jornalista “caiu de paraquedas” no movimento pacífico que derrubou a ditadura em Portugal, que durava 40 anos. Era 25 de abril de 1974. Durante dois meses de muito trabalho e pouco sono, a primeira correspondente da Globo na Europa mergulhou na ebulição das ruas, com o desafio de separar o fato do boato.
Sandra Passarinho entrou na Globo em 1969 como estagiária. Foi editora, correspondente internacional e cobriu diversos fatos mundiais e nacionais que marcaram a história. Deixou a Globo no final de 2019.
Início da carreira
Sandra Passarinho entrou na Globo em 1969 como estagiária. Em 1972, tornou-se editora do 'Jornal Internacional' e, após essa experiência, foi escolhida para acompanhar de perto os desdobramentos do 25 de abril em Portugal. Depois de meses como correspondente itinerante na Europa, fixou-se em Londres, onde a Globo criava um posto de trabalho. Da capital inglesa, correu o mundo. Acompanhou viagens do Papa João Paulo II à Turquia e Irlanda; testemunhou aproximações diplomáticas entre Israel e Egito; cobriu atentados do grupo terrorista IRA na Inglaterra; reportou o nascimento do primeiro bebê de proveta (1978) e visitou um campo de refugiados cambojanos na Tailândia para o 'Jornal da Globo' (1980). Deixou o escritório em 1982, permanecendo em Londres até 1985, quando retornou ao Brasil para ser repórter do Globo Repórter. Conheceu o país de Norte a Sul, com base no Rio de Janeiro.
Filha de pai lituano e mãe brasileira, Sandra Laukenickas nasceu no dia 14 de abril de 1950, no Rio de Janeiro, e descobriu a profissão por acaso. Em 1969, ela fez vestibular para o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e passou. Mas, meses depois, o curso foi interditado pela ditadura militar e a estudante decidiu fazer Comunicação Social na mesma universidade, que não concluiu. Na mesma época, aceitou o convite de um amigo para fazer um estágio na Globo e se apaixonou pela profissão.
Na redação, Sandra também virou Passarinho – seu sobrenome era difícil, em suas palavras, “impronunciável”. Por isso, resolveu incorporar o apelido que ganhou dos colegas, por ser pequena e rápida. Passarinho não sabe quem começou a chamá-la assim: Amaury Monteiro, chefe de reportagem na época, ou Mauro Borja Lopes, o Borjalo, então diretor de programação. Ambos reclamavam a autoria. Mas o caso é que pegou.
Com bagagem cultural e domínio de línguas estrangeiras, Sandra Passarinho foi convidada, em 1972, para ser editora do recém-criado 'Jornal Internacional', telejornal com ênfase em notícias do exterior e imagens de agências, que era veiculado à noite. Durante o período, destacou-se na cobertura do golpe de estado chileno que depôs o então presidente Salvador Allende, em 1973. “O Jornal Internacional era como um nicho de liberdade na época da ditadura. Podíamos falar de Chile, Vietnã, Angela Davis, a professora e militante negra americana. O que não se podia falar no Brasil, porque estava censurado, a gente procurava falar dentro dos assuntos internacionais mais importantes”.
Revolução dos Cravos
Em 1974, Sandra foi enviada para cobrir os acontecimentos em Lisboa. “Lembro que voltei da praia e havia um recado para que eu fosse imediatamente para a Globo. Embarquei para a Europa, junto com o cinegrafista Orlando Moreira, naquela mesma noite”. Com apenas 24 anos, ela lembra que a experiência de cobrir uma revolução em Lisboa a deixou um pouco desnorteada: “Foi complicado e, ao mesmo tempo, muito enriquecedor. Cheguei de paraquedas no maior acontecimento do mundo, com soldados com cravos em suas baionetas e um milhão de pessoas nas ruas. Era uma passeata a favor do que era novo, a favor da mudança. Eu me via parte daquilo também, por estar ali, por falar português. Foi um momento fantástico”.
Correspondente em trânsito
Com o fim do turbilhão inicial da Revolução dos Cravos, Sandra passou seis meses sem endereço fixo, até se estabelecer em Londres, em novembro de 1974. Deslocava-se no ritmo dos acontecimentos, aprendendo a fazer jornalismo na prática. A repórter era também produtora, pauteira e editora. “Nos primeiros meses, ficamos indo de um lugar para o outro e não morávamos em lugar algum: os acontecimentos se sucediam antes que a gente tivesse se fixado. Nesse meio tempo, cobri as eleições gerais na França, um plebiscito sobre aborto na Itália e, no ano seguinte, em 1975, a morte do ditador espanhol Francisco Franco, que por sinal foi uma cobertura longa”.
A repórter ia às agências internacionais de notícias e nas emissoras locais para descobrir as últimas novidades, revelar o material – ainda na época do filme – e transmitir matérias para o Brasil. Ainda, complementava seu trabalho nas ruas, formando uma rede de contatos que a acompanharia pelos próximos anos.
Em Londres, Sandra Passarinho se dividia entre o trabalho em casa e o realizado na agência internacional UPITN, da qual a Globo era cliente. “Era uma estrutura da UPITN – uma mistura da agência de notícias UPI, United Press International, com a ITN, Independent Television News, que era uma televisão independente inglesa. Então, usávamos a redação desse escritório, e lá eu escrevia matérias, editava, telefonava, não tínhamos um lugar fixo. Foram muitas as dificuldades no início. Tanto operacional quanto pessoal”. Na capital britânica, o trânsito de pessoas de diferentes nacionalidades e a efervescência cultural a ajudaram a se sentir acolhida e transpor a saudade de casa.
Sandra lembra que o Brasil não tinha grande prestígio frente aos governos europeus, nos anos 1970. E que isso, muitas vezes, impactava em seu trabalho. “Nós nunca éramos prioridade, o Brasil era um país periférico. Pedíamos entrevistas, e muitos nem nos respondiam. Então, às vezes, eu simplesmente parava na frente da pessoa, em determinada ocasião, e fazia algumas perguntas. Foi assim com a Margareth Thatcher”. A condição era um pequeno entrave, mas não impedia que realizasse bem seu trabalho, principalmente em viagens internacionais.
De Londres para o mundo
Em novembro de 1977, o presidente do Egito Anwar Sadat se tornou o primeiro líder árabe a pisar no Estado de Israel. Em dezembro daquele ano, membros da diplomacia egípcia e israelense discutiram preparativos para um possível acordo entre ambos os países, no Cairo. Sandra Passarinho acompanhou a aproximação diplomática entre os dois países. “O Cairo era uma cidade com trânsito avassalador, uma confusão. Para se deslocar de um lugar para o outro era difícil… Imagina se nós ficássemos do outro lado da cidade e precisássemos atravessar tudo para chegar ao centro de imprensa”
Sandra Passarinho cobriu a visita do presidente Ernesto Geisel a Londres, a primeira dele no poder, por exemplo, e visitou campos de refugiados cambojanos na Tailândia. Nessa viagem à Ásia, ela lembra do verão muito quente e das condições precárias no campo de pessoas que sofreram no passado com a Guerra do Vietnã. Em 1978, a repórter acompanhou o nascimento do primeiro bebê de proveta do mundo, fazendo matérias na porta do hospital, na cidade de Oldham, Inglaterra.
Depois de oito anos no escritório da Globo em Londres, Sandra Passarinho saiu da emissora. Na época, aproveitou para realizar um desejo antigo: cursar a faculdade de Ciências Sociais, na Polytechnic of Central London. Simultaneamente, trabalhou como freelancer para o serviço brasileiro de notícias da BBC e colaborou com TVs da Alemanha e Finlândia. Em 1983, foi contratada pela TV Manchete para ser correspondente internacional e ficou um ano por lá. No início de 1985, já formada, decidiu voltar para o Brasil. “Depois de fazer a faculdade achei que minha estadia em Londres já estava de bom tamanho… Voltei para o Rio , recebi um convite da Globo e fui desbravar o Brasil”.
Desbravando o Brasil
Após descobrir o mundo, começava a desvendar o Brasil, em reportagens para o 'Globo Repórter'. “Nessa época, viajei o país de trás para frente e passei a me encontrar com a realidade brasileira”. A repórter guarda com carinho lembranças de matérias especiais feitas no Hospital Psiquiátrico de Juqueri e as primeiras reportagens sobre Aids, além de denúncias sobre a poluição em Cubatão e o tráfico de crianças na Bahia.
Descoberta e desdobramentos da Aids (1987)
Na década de 1990, no 'Bom Dia Brasil', apresentou o quadro 'Abra o Olho', dedicado a defender os direitos dos cidadãos e consumidores. Em 2001, tornou-se editora-chefe do programa 'Espaço Aberto', da GloboNews, sua primeira experiência na TV fechada: “Era a chance de ter mais flexibilidade em relação aos assuntos e ao tratamento que eles recebem”.
Em 2005, Sandra voltou a fazer reportagens para a Globo. E em 2008, foi indicada ao Prêmio Embratel com a série de reportagens sobre os 100 anos do arquiteto Oscar Niemeyer.
O acidente com o voo da Air France Rio-Paris no Oceano Atlântico, nas proximidades de Fernando de Noronha, também foi um dos momentos registrados pela repórter. Sandra entrevistou parentes das vítimas no Hotel Windsor, no Rio de janeiro, para o 'Jornal Nacional'. No mesmo ano, a jornalista fez a cobertura sobre a guerra do tráfico no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Na época, um helicóptero da Polícia Militar explodiu após pouso forçado matando três policiais. Em seguida, ela acompanhou a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro dos Macacos.
No Rio de Janeiro, a repórter passou a cobrir as grandes festas da cidade: o carnaval e o réveillon. Em 2011, fez uma entrevista com o cantor Roberto Carlos na quadra da Escola de Samba Beija-Flor, homenageado pela escola de Nilópolis vitoriosa nos desfiles daquele ano. “Ele estava cercado, um monte de gente, chegar lá era uma dificuldade, tinha que passar por aquela multidão com câmera, equipamento, tudo. Aí fiz uma pergunta simples: ‘Você já chorou muito hoje, Roberto?’. Buá! Buá! Ele botou a mão no meu rosto e aquilo fez toda a diferença".
Repórter especial
Antes disso, porém, participou de coberturas dramáticas. Na virada de 2009 para 2010, fortes chuvas provocaram deslizamentos, e muita destruição, na cidade do Rio de Janeiro. Em abril, uma grande enchente voltou a atingir a capital e, dessa vez, também Niterói. Sandra Passarinho gravou matérias especiais para o 'Jornal Nacional' e o 'Jornal da Globo' sobre o resgate de feridos e a solidariedade que mobilizou a população fluminense. Em janeiro de 2013, a repórter voltaria a alguns dos locais que visitara em 2010, novamente para cobrir os estragos causados pelo excesso de chuvas. “A notícia se impõe. Nós, jornalistas, somos reféns dela, vivemos ao sabor dos acontecimentos”, define.
Em novembro de 2010, a repórter integrou a equipe destacada pela Globo para cobrir a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro pelas forças de segurança do Rio. A cobertura rendeu ao 'Jornal Nacional', no ano seguinte, o primeiro Prêmio Emmy do jornalismo brasileiro.
Em 2013, Sandra Passarinho fez uma série especial com quatro reportagens sobre pesquisas brasileiras com células-tronco. A repórter apresentou o tratamento de pacientes com problemas cardíacos, mostrou alguns resultados de tratamentos e pesquisas experimentais para pessoas com diabetes, contou experiências brasileiras no tratamento de fraturas e de lesões na coluna, e ainda fez um alerta contra soluções milagrosas em tratamentos com células-tronco. A jornalista também acompanhou fieis e o Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude.
Mergulhar em grandes temas também é uma de suas características como repórter especial. É o que a leva a pensar em pautas para séries de reportagens e produzi-las do início ao fim. Como as realizadas em 2015 para o 'Jornal Nacional: Testes humanos', sobre como voluntários podem ajudar no desenvolvimento de vacinas no Brasil; e 'Educação inclusiva', sobre o aumento de crianças especiais em escolas regulares no país. Com a série Inovação (2017), para o mesmo telejornal, a repórter explorou a necessidade de inovar e trouxe à tona iniciativas pioneiras em tecnologia no Brasil.
Sandra explica como funciona seu processo de produção em séries sugeridas por ela: “Primeiro, preparo a ideia. Uma vez aprovada, eu eventualmente entro em campo para produzir: acho os personagens, lugares, vejo o foco, e, no final, peço socorro aos meninos da produção da editoria Rio. É bom porque você exerce o jornalismo realmente como deve ser, cuida e pensa no assunto, participa da edição”.
Sandra Passarinho deixou a Globo no final de 2019.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura do Início do Telejornalismo (1965) com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Webdoc sobre o Jornal Internacional com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Webdoc sobre a cobertura da Revolução dos Cravos em 1974, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Entrevista exclusiva da jornalista Sandra Passarinho ao Memória Globo, em 19/07/2000, sobre a posse de Margaret Thatcher.
Webdoc sobre os programas Espaço Aberto e GloboNews Painel, com depoimentos exclusivos ao Memória Globo.
FONTES:
Depoimento de Sandra Passarinho ao Memória Globo em 19/7/2000, 25/07/2016 e 04/05/2017. |