Por Memória Globo

Memória Globo

Fazer jornalismo em televisão, diário, é uma loucura. No jornalismo escrito, você apura e tem tempo para escrever. No jornalismo de televisão, você, ao apurar, está praticamente gravando”, declara Ronald de Carvalho. Foi neste ritmo que o jornalista trabalhou na Globo como repórter do Jornal Nacional e do Globo Repórter, editor de política e diretor editorial da Central Globo de Jornalismo.

Armando Nogueira, Ronald Carvalho em frente ao prédio da rua Von Martius — Foto: Globo

Ronaldo Carvalho viveu até os 14 anos em Belém, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Apesar de ter passado no vestibular para sociologia e de ter cursado três anos de direito, foi convidado para escrever para uma revista. Na época, o jornalismo não tinha formação específica, como conta: “Os dois pré-requisitos para você ser jornalista eram: ser uma pessoa curiosa e que sabia escrever.” Assim, iniciou sua carreira como repórter da revista 'Fatos e Fotos', da Bloch Editores, onde cobriu, entre outros, a rotina do Para-sar, grupo de paraquedistas da Aeronáutica. Nesta ocasião, conheceu o capitão Sérgio Miranda de Carvalho, que o procuraria mais tarde com um furo jornalístico.

Em seguida, Ronald foi para o Jornal do Brasil, onde trabalhou até 1968, quando teve que deixar o Rio de Janeiro. O estopim de sua partida foi a colaboração indireta em uma matéria trazida pelo capitão Sérgio, que ele conhecera anteriormente. O militar revelava que o Brigadeiro João Paulo Moreira Burnier havia designado o Para-sar para explodir o gasômetro do Rio de Janeiro e exterminar 42 pessoas – entre eles Carlos Lacerda, Dom Helder Câmara e Juscelino Kubitschek. O jornalista refugiou-se no Recife.

De volta ao Rio, e após oito anos no Jornal do Brasil, foi para a Globo em 1983. “Eu entrei na Globo num dia de finados. Me mandaram, evidentemente, para o cemitério. Como eu já tinha quase 20 anos de jornalismo diário, resolvi fazer do limão, uma limonada.” Ronald fez então uma reportagem sobre a vida de alguns ilustres personagens enterrados ali, como Santos Dumont e Carlos Lacerda. Para sua surpresa, quando a matéria ficou pronta, os editores acharam que tinha qualidades para ser exibida no 'Jornal Nacional', ao invés de ficar restrita à editoria Rio.

Em 1984, um ano após ter começado no telejornalismo diário, foi convidado por Roberto Feith, então diretor do 'Globo Repórter', para atuar como repórter especial. “A vida passou a ser mais divertida, muito mais divertida”, ressalta Ronald, que trabalhou com Hermano Henning, Glória Maria, Renato Machado, Sandra Passarinho, Ernesto Paglia e Carlos Nascimento.

Ainda nos anos 1980, Ronald entrevistou Tancredo Neves na reportagem 'Os sinos da Nova República', exibida no 'Globo Repórter' de 15 de janeiro de 1985, poucos meses antes da morte do ex-presidente. “Antecedendo a tragédia [da morte de Tancredo], eu fiz um belo trabalho na sua eleição, que acabou sendo a última entrevista particular, privada, íntima que ele gravou. Foi muito interessante.”

Primeira parte da reportagem de Ronald de Carvalho sobre a segurança contra incêndios no Rio de Janeiro e em São Paulo após o incêndio no Edifício Andorinhas que deixou 21 mortos, 'Globo Repórter', 10/04/1986.

Primeira parte da reportagem de Ronald de Carvalho sobre a segurança contra incêndios no Rio de Janeiro e em São Paulo após o incêndio no Edifício Andorinhas que deixou 21 mortos, 'Globo Repórter', 10/04/1986.

Desta época, o jornalista também destaca o programa 'Indústria Bélica Naval', que desvendou a história secreta das pesquisas nucleares brasileiras. Ronald entrevistou o então Presidente do Conselho Nacional de Energia Nuclear, Rex Nazareth, para o 'Globo Repórter' que foi ao ar em 10 de outubro de 1989.

O jornalista, que assumiu a editoria de política do jornalismo da Globo entre 1987 e 1990, destaca a orientação de dar tratamento equânime aos candidatos na cobertura das eleições presidenciais de 1989: “A primeira orientação que eu tive como editor de política foi em relação à questão de tempo, de darmos o mesmo tempo a todos os candidatos. Eu trabalhava com um controle, uma planilhazinha. Durante toda a campanha, tivemos esse cuidado para sermos isentos.”

Apesar do zelo, as duas matérias apresentadas pela Globo no dia seguinte ao último debate presidencial do segundo turno entre os candidatos Fernando Collor (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram fortemente criticadas. A Globo foi acusada de ter favorecido o candidato do PRN. Ronald de Carvalho afirma que os critérios de edição para o compacto que foi ao ar no 'JN' foram definidos por ele, de acordo com sua avaliação de que Collor teve melhor desempenho que Lula: “Wianey Pinheiro [então chefe da redação em São Paulo] pegou os melhores momentos do Collor e do Lula e fez um compacto absolutamente isento, que foi ao ar no 'Jornal Hoje'. Só que quando eu vi aquilo, pensei que eu poderia ser isento o tempo todo durante a campanha mas, naquele momento, não cabia isenção. Cabia mostrar a realidade”.

Pouco depois, Ronald assumiu a diretoria editorial da Central Globo de Jornalismo, na qual permaneceu entre 1990 e 1993. Deste período, destaca a criação do 'São Paulo Já'. “Foi uma experiência que nós fizemos com a intenção de criar um âncora nos programas de jornalismo. Nós tínhamos o Carlos Nascimento, que chamava as matérias e os repórteres. Tinha repórter no helicóptero, no interior, no Pará, no Recife.”

Desta época, Ronald destaca um de seus trabalhos mais marcantes: “Durante a Guerra do Golfo (1991), a Globo teve a oportunidade de fazer uma de suas melhores coberturas jornalísticas. Eu tenho orgulho de ter feito parte desta equipe. Nós criamos praticamente uma editoria especial da guerra, com um bloco editado dentro de todos os telejornais com editores, um estúdio próprio e um âncora, o Ernesto Paglia. A nossa equipe de arte do jornalismo [chefiada por Hans Donner] criou um cenário que era o mapa do Oriente Médio. O Paglia passeava sobre o Oriente Médio indicando os locais de combate e chamava o repórter que estava naquele lugar. Esse foi um momento muito rico do telejornalismo da Globo.”

Em 1993, Ronald deixou a Globo para montar uma empresa de planejamento estratégico. No início, confessa que sentiu saudades por afastar-se do jornalismo diário. “O jornalismo me deu um banzo. Saudades da curiosidade, de descobrir coisas, de saber antes dos outros, de contar histórias. Essa saudade fica”, conclui.

FONTE:

Depoimento concedido ao Memória Globo por Ronald de Carvalho em 26/03/2001.
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