Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Com quase 50 anos de profissão, o jornalista Rogério Marques passou por uma prova de fogo já no primeiro emprego. Corria o ano de 1968, período da ditadura militar instalada no país em 1964. Rogério era estagiário do jornal Correio da Manhã: “Foi um ano conturbado, o do AI-5. Acompanhei aquela turbulência toda quando o jornal foi invadido pela polícia. A dona do jornal, Niomar Muniz Sodré, foi presa junto com outros jornalistas”. Passado o susto, em 1970, Rogério passou a frequentar definitivamente as redações, onde continua até hoje.

Rogério Marques em Foz do Iguaçu, 2010. — Foto: Acervo pessoal Rogério Marques

Rogério Marques Gomes é filho da dona de casa Maria José Marques Gomes, e do jornalista Diamantino Marques Gomes Filho, que foi revisor do jornal O Globo durante muitos anos. A mesma função que o filho viria a exercer a partir de 1970, quando foi contratado pelo Correio da Manhã e logo assumiu o cargo de secretário gráfico, que já não existe mais em função dos avanços tecnológicos: “O secretário gráfico era o jornalista que ficava na oficina cuidando dos problemas que surgiam como um título que estourava de tamanho, notícias inseridas na última hora. Esse era o meu trabalho”. Rogério ficou no Correio da Manhã até 1973, um ano antes da falência do jornal provocada pelo cerco político e econômico.

O jornalista tem que ter uma boa informação, uma visão social aguçada. Tem que estar voltado para o mundo.

Imprensa

Na década de 1970, Rogério Marques trabalhou em vários veículos da imprensa escrita, como o jornal Última Hora, dirigido por Samuel Wainer, e o Correio da Manhã. Também passou pela Bloch Editores e pelo jornal Voz da Unidade, semanário do Partido Comunista Brasileiro, que deixou de ser editado em 1991.

Em 1978, profissional experiente da mídia escrita, Rogério migrou para a televisão. Foi trabalhar na TV Bandeirantes como editor de texto. A transição para o telejornalismo foi um desafio: “Um pouco difícil sim porque a linguagem da televisão é outra, o texto é diferente. Fui aprendendo aos trancos e barrancos a linguagem mais curta, mais direta da TV e acabei me adaptando”.

Na Band, Rogério viveu o período de intensa cobertura política. Grandes assuntos que geravam grandes coberturas: movimento pela anistia, volta dos exilados políticos, as primeiras manifestações de rua contra o regime militar eram destaque nos telejornais da emissora. A bomba do Riocentro em 1981 e as constantes explosões em bancas de jornais no país também foram alvo de reportagens que Rogério editava na época.

'Fantástico'

Em 1982, o jornalista foi para a Globo. Foi convidado para ser editor de texto do 'Fantástico'. Da Bandeirantes, uma TV pequena e modesta, para a Globo, já uma emissora grande e com muitos recursos, Rogério também teve dificuldade de adaptação, mas contou com a ajuda dos novos colegas: “Comecei a editar com VT, não era mais filme. E foi muito proveitoso para mim, no sentido de aprendizado, da técnica de televisão, de jornalismo, de texto, havia uma série de profissionais veteranos e tinha toda uma escola nessa área. O diretor do 'Fantástico' era o José Itamar de Freitas, um grande profissional, um texto maravilhoso. Estranhei também essa saída do factual para o especial, mas os colegas veteranos tiveram muita paciência comigo”.

Nessa época ficaram famosos os videoclipes musicais que eram exibidos no programa. O 'Fantástico' tinha um formato diferente do atual e fechava sempre com uma grande reportagem, com duração de 20 a 25 minutos. Rogério lembra que uma das suas primeiras matérias especiais com grande repercussão foi sobre o uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Ainda na década de 1980, com o repórter Ernesto Paglia, o editor contou a história de uma modesta família carioca que herdou um palácio em Veneza, na Itália, cheio de obras de arte.

No início da década de 1990, Rogério participou de uma reportagem sobre a explosão dos casos de bala perdida no Rio de Janeiro que revelou uma realidade assustadora: “O auge foi o caso do ator Older Cazarré, que morreu dormindo no seu apartamento em Copacabana, vítima de bala perdida. Não existiam estatísticas oficiais e nós, percorrendo todas as delegacias da cidade, descobrimos que havia 30 casos por mês, um por dia. A partir disso, o governo passou a fazer estatísticas sobre esse tipo de acidente”.

Em 1993, o 'Fantástico' passou por modificações com a chegada de Luiz Nascimento à direção. O programa ficou mais leve, informativo e com reportagens investigativas, diz Rogério. Eventualmente, atores e atrizes apresentavam matérias.

Glória Maria foi uma das parceiras de Rogério Marques em uma reportagem do 'Fantástico' que entrou para a história. Ela havia entrevistado meninos de rua do Rio de Janeiro, pouco antes da Chacina da Candelária, e alguns desses garotos estavam entre os mortos: “O abandono dos meninos de rua continua. Era grave como é até hoje. O mais chocante é que muita gente apoiou aquela barbárie”.

Na linha mais “light” do 'Fantástico', Rogério lembra a matéria que fez com Valéria Monteiro sobre o casamento de John Casablanca, o americano dono de uma das maiores agências de modelo do mundo e Aline, uma menina simples do interior do Rio de Janeiro: “Era um conto de fadas e a reportagem se chamou “A Cinderela de Cordeiro”.

Um dos principais produtos do jornalismo da Globo, o 'Fantástico' sempre exibiu grandes índices de audiência. Rogério lembra que os limites éticos dessa busca pela conquista de público sempre foram discutidos nas reuniões de pauta: “Botar um programa de duas horas no ar é matar um leão por semana. Na busca pela audiência corre-se o risco de errar na mão. Existem matérias que não dão audiência, mas dão prestígio e outras que até dão audiência, mas acabam machucando o programa e a emissora”.

Rogério considera o segredo da longevidade do 'Fantástico', no ar desde 1973, o fato de o programa se reinventar. Ele cita a cobertura dos atentados de 11 de setembro, uma edição histórica, que teve a marca do diretor Luiz Nascimento, com a parceria de Geneton Moraes Neto: “Aquela edição, a câmera em movimento na abertura, tudo em silêncio, só aquelas imagens, foi muito marcante”.

Galeria de fotos Rogério Marques

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Galeria de fotos Rogério Marques

'Globo Repórter'

Rogério Marques foi transferido para o 'Globo Repórter' em 2008. No programa jornalístico exibido às sextas-feiras, ele experimentou uma nova mudança: passou a viajar com o repórter, o cinegrafista e o produtor das matérias. “As pessoas ficam um mês viajando. Essa integração é muita bonita, a equipe muito coesa, unida e não deve ser de outra maneira, um ajuda o outro. A gente até brinca que a UPJ (Unidade Portátil de Jornalismo) é meio consultório de psicanálise.”

A cobertura da morte de Michael Jackson em 2009 rendeu um 'Globo Repórter Especial': “A morte dele foi confirmada às 7 da noite de quinta-feira. Fizemos a edição especial em 24 horas. Deu muito trabalho, mas foi muito prazeroso, apesar do tema triste”.

Entre tantos programas favoritos, Rogério destaca um 'Globo Repórter' que fez sobre “super avôs”: “Tinha até uma história incrível do avô que salvou a vida do neto de 10 anos, que estava enrolado numa cobra sucuri imensa. Conseguimos as imagens de cinco anos atrás com o avô ao lado da cobra morta. E voltamos para encontrar o avô e o neto, então um adolescente de 15 anos”.

Os avanços, os tratamentos e as novas técnicas para o transplante de coração renderam um 'Globo Repórter', com reportagem de Renata Capucci: “Descobrimos o mais velho transplantado do Brasil, que vive com o coração de outra pessoa há mais de 20 anos. E nós promovemos o encontro dele com o médico que o operou.”

As manifestações populares de 2013 no Brasil também renderam um 'Globo Repórter'. Milhares de pessoas saíram às ruas em todo o país. Rogério sugeriu o programa especial. “Mostramos tanto os protestos como a vida das pessoas que dependiam do transporte e saíam de casa ainda escuro para encarar duas, três horas de transporte em más condições para chegar ao trabalho. Foi um programa muito forte, com repórteres de várias praças envolvidos”.

Rogério ressalta também o trabalho dos editores de imagem do programa. Com noções de cinema e de música, o jornalista os considera os melhores do Brasil: “São pessoas que tem uma capacidade de dar ideias, caminhos que você não imagina que existam. Juntam fragmentos de músicas da década de 1970, por exemplo, com músicas de outras épocas e criam uma trilha sonora espetacular. É um trabalho que me encanta, o da edição de imagem do 'Globo Repórter'”.

Rogério não se cansa de destacar a importância do 'Globo Repórter' para a história da televisão e do jornalismo brasileiro: “Por ali, passaram grandes editores que se tornaram grandes documentaristas, como o Eduardo Coutinho, um gênio, cultuado nas universidades pelos jovens. O 'Globo Repórter' tinha essa linguagem de documentário. “

O jornalista deixou a Globo em 2017.

FONTE:

Depoimento de Rogério Marques ao Memória Globo em 10/11/2014.
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