Filho de pai americano e mãe brasileira, Robert Feith – o nome seria aportuguesado anos mais tarde, com sua entrada no jornalismo – estudou na Escola Americana e fez o curso universitário de História Econômica da América Latina na Cornell University, em Nova York. Ao se formar, encaminhou um pedido de admissão para o mestrado em Jornalismo nos Estados Unidos. Enquanto aguardava a resposta, Arthur Wallach, filho de Joe Wallach, que trabalhava como assistente de produção no Jornalismo da Globo nos Estados Unidos, avisou-lhe que a emissora precisava de um substituto. A condição fundamental para a contratação era que o aspirante fosse bilíngue. Fluente em inglês, Feith decidiu protelar o mestrado e, em 1976, depois de uma conversa com o jornalista Hélio Costa, então chefe do Jornalismo da emissora em Nova York, ingressou na empresa como assistente de produção.
Começo na Globo
Na época, as unidades da Globo no exterior ainda eram embrionárias. Além da divisão de Jornalismo, os escritórios contavam com áreas de representação comercial, que cuidavam de compra e venda de programação e equipamentos. No jornalismo estavam, entre outros, Hélio Costa, o repórter Lucas Mendes e o repórter cinematográfico Orlando Moreira. Inicialmente, Roberto Feith dava suporte à produção das matérias, buscando filmes no laboratório, traduzindo textos do inglês para o português, pesquisando, marcando entrevistas. Nessa época, ajudou na cobertura da campanha que levaria Jimmy Carter à presidência dos Estados Unidos, em 1976.
"Minha primeira atribuição foi buscar filmes no laboratório. Era tudo gravado em película. Não havia vídeo na época. Eu fazia um pouco de tudo, desde marcar entrevistas até traduzi-las para o português. Na medida em que fui me familiarizando com o universo da reportagem, assumi outras funções", lembra.
Depois de alguns meses como assistente de produção, Bob Feith, como é chamado pelos colegas, se tornou repórter. "Quando o Armando [Nogueira] me conheceu em Nova York, ele deve ter percebido alguma aptidão, algum potencial. É a única explicação para o que ocorreu. Eu era fluente em inglês e português, tinha experiência fora do Brasil e conhecia política internacional em virtude do que havia estudado. Ele simplesmente me perguntou se eu queria ser repórter. Lembro bem que eu estava saindo do escritório, e o Armando, chegando. Ele me encontrou no saguão do elevador e falou: 'Vem cá, você está interessado em ser repórter?' 'Estou, claro!', respondi. 'Então, vamos fazer um teste'. Foi o que eu fiz, e o meu resultado foi bem fraquinho, mas o Orlando Moreira, que sabe tudo, tomou para si a função de meu professor. Ele me orientou, com muita paciência e conhecimento. Com o tempo, comecei a fazer matérias de vídeo", lembra Feith.
Sua primeira cobertura marcante foi realizada na Europa. Ao lado da repórter Sandra Passarinho, cobriu as eleições presidenciais na Espanha, vencidas por Adolfo Suárez – que se tornou, em 15 de junho de 1977, o primeiro presidente democraticamente eleito após a ditadura do general Franco. Na época, como o Brasil vivia sob ditadura militar, o repórter viu naquela cobertura uma boa oportunidade para traçar paralelos com a realidade brasileira. "A transição pacífica para uma democracia parlamentar foi um processo notável. Naquele momento, ninguém sabia como os acontecimentos iriam se desdobrar. Os espanhóis vivenciavam aquele momento com grande intensidade, com emoção. Havia um nível impressionante de envolvimento e engajamento em todo o processo político."
Sandra Passarinho trabalhava em Londres na cobertura com o repórter cinematográfico Antônio Cláudio Brasil, usando a estrutura da UPITN. Feith foi de Nova York com o José Wilson da Mata. Alice-Maria, então diretora de telejornais, foi do Brasil para coordenar a operação. No dia da votação, a equipe brasileira garantiu entrevistas exclusivas com os candidatos – Felipe González, do Partido Socialista Operário Espanhol, era um dos candidatos mais cotados; o outro era o Adolfo Suárez, da União do Centro Democrático –, garantindo o sucesso da cobertura: "A gente estava cobrindo a votação e, na hora que eles colocaram os seus votos na urna, acho que por causa da tradição autoritária da Espanha, os jornalistas se limitaram a registrar aqueles políticos votando. Ninguém fazia nada, ninguém chegava perto, ninguém falava nada. Havia um certo temor reverencial. Como tínhamos pouca vivência jornalística, não conhecíamos os códigos, abordamos os políticos e os entrevistamos ali na boca da urna mesmo. Conseguimos entrevistas exclusivas, tanto com um como com outro – exclusivas na medida em que mais ninguém tentou. Eles falaram das expectativas, do momento que o país estava vivendo. E acho que isso qualificou a nossa cobertura, e o material foi até aproveitado naquele dia pela Eurovisão, o consórcio que distribuía imagens jornalísticas para toda a Europa".
Enquanto isso, Roberto Feith acompanhava a implantação de um projeto do Jornalismo da Globo, que tinha como meta aumentar o investimento em matérias de atualidade no exterior. Uma das razões era a censura imposta pelo regime militar no Brasil, que acabou, indiretamente, favorecendo a cobertura de assuntos internacionais. Como o noticiário nacional era constantemente vigiado, uma solução para driblar este cerco era investir nos correspondentes. Com isso, no final dos anos 1970, havia uma demanda crescente por matérias internacionais. Assim, a contribuição do escritório da Globo em Nova York, que se resumia principalmente ao 'Fantástico', começou a abranger outros telejornais.
Escritório em Paris
Em 1977, Roberto Feith foi designado para montar um escritório da Globo em Paris. Em sua pequena equipe, estava o repórter cinematográfico José Wilson da Mata, com quem já trabalhara na cobertura das eleições espanholas, entre outros profissionais. "Eu tinha 25 anos, o Zé Wilson era mais moço ainda, e fomos enviados para criar um escritório em Paris. Chegando lá, contratamos uma secretária, a Marcy Barsi, que, depois, trabalhou muitos anos em Londres como editora."
A opção pela capital francesa se deu, principalmente, por seu potencial para gerar matérias políticas e culturais, além do fato da emissora já contar com um escritório em Londres. Nesse período, o repórter participou de duas coberturas importantes, ambas de 1978: sobre a morte do Papa Paulo VI e o sequestro do político italiano Aldo Moro, raptado pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas e assassinado depois de 55 dias de cativeiro.
No ano seguinte, a emissora decidiu centralizar a cobertura europeia na Inglaterra, com os correspondentes baseados em Londres e viajando quando necessário. Nesse período, Roberto Feith cobriu a Revolução Islâmica. Em janeiro de 1979, os islâmicos xiitas do Irã, liderados pelo aiatolá Khomeini, derrubaram o governo do xá Reza Pahlevi, no poder desde a década de 1940, e deflagraram a Revolução Islâmica. Logo após a queda do xá, o correspondente Roberto Feith e o repórter cinematográfico Mario Ferreira foram enviados ao Irã, onde passaram cerca de um mês acompanhando o desenrolar dos acontecimentos. "Era um momento de transição: o fim da autocracia hereditária dos Reza Pahlevi e o começo do regime revolucionário, um momento de caos e mudança radical no país. Teerã era o epicentro. Toda noite havia tiroteios. Muitas vezes, as trocas de tiros aconteciam na rua do nosso hotel. Eu tinha a impressão que o mundo iria acabar e, em determinados momentos, me protegia embaixo da cama. De manhã, descia para o saguão esperando ver o caos, mas a vida continuava a mais normal do mundo."
Reportagem de Roberto Feith sobre as manifestações contra e a favor do uso do xador no Irã. 'Jornal Amanhã', 23/03/1979
Durante a cobertura, Roberto Feith e a equipe passaram por um momento de forte tensão, mas a cidadania brasileira os ajudou a sair do apuro. Ele tinha sido encarregado de fazer uma matéria sobre a economia islâmica. Para tal, entrevistou Abolhassan Bani-Sadr, um dos formuladores intelectuais da revolução. "Na entrevista, estávamos com pressa; tínhamos de encerrá-la antes do toque de recolher. Mas sabe como são essas coisas, não é? Sempre alguém diz: 'Espera um pouquinho, não ficou bom, vamos fazer de novo'. Quando entramos no táxi para voltar ao hotel, já estava anoitecendo. A gente foi às pressas, correndo pelas ruas desertas. Em determinado momento, o táxi virou uma esquina e deu de cara com uma barreira de um desses grupos de jovens armados. Aí, foi uma gritaria. Não sei o que eles berravam, mas o táxi freou, o motorista abriu a porta e se jogou no chão, e, num instante, a gente estava com os barris dos rifles automáticos entrando pelas janelas, encostados na cabeça de todo mundo. O pior é que aqueles jovens exaltados continuaram a gritaria, em pársi – a língua persa moderna –, e a gente não fazia a menor ideia do que eles estavam dizendo. Pensei: 'Meu Deus, se alguém fizer um movimento em falso, morre todo mundo metralhado'. Eram garotos inexperientes, não eram soldados treinados. E, no Irã, eu tenho pinta de estrangeiro. Foi um momento complicado. Não me lembro do que eu falei, ou se cheguei a falar alguma coisa, mas lentamente tirei o meu passaporte brasileiro do bolso e consegui mostrá-lo. Foi como um passe de mágica".
Ainda em 1979, Roberto Feith cobriu a visita do Papa João Paulo II à Polônia, realizada entre 2 e 10 de junho. "A primeira viagem do Papa João Paulo II à Polônia, em junho de 1979, foi memorável, acho que tanto para ele como para os poloneses. Certamente, para mim foi inesquecível. Foi um momento de inflexão no longo processo de democratização do Leste Europeu."
Roberto Feith passou um mês no Afeganistão com o repórter cinematográfico José Wilson da Mata para a cobertura da invasão do país pela União Soviética, ainda em 1979. Cinco mil soldados chegaram a Cabul, o primeiro-ministro Hafizullah Amin foi executado, e Babrak Karmal tornou-se o governante. Os Estados Unidos reagiram. Suspenderam as exportações e boicotaram os Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, em um protesto que ganhou a adesão de mais de sessenta países. "Foi outra cobertura que me marcou. Não conhecia o Afeganistão e fiquei fascinado pelo país. [...] Era o momento de transição entre os regimes. Havia muita incerteza, mesmo assim, entramos no país. Ficamos um mês, porque, se saíssemos, não conseguiríamos voltar." Nesse trabalho, junto com a equipe que o acompanhava, chegou a ser alvo de tiros.
"Uma das reportagens foi feita no trajeto de Cabul para Peshawar, uma cidade na fronteira com o Paquistão, um local politicamente sensível, muito vigiado. Fizemos uma matéria numa aldeia no Paquistão, cuja principal atividade era a fabricação e a venda de armas. Grande parte desses armamentos era comprada pela resistência, pelas milícias que agiam contra a União Soviética e o regime afegão que eles instalaram. Também fomos em direção ao norte e registramos a presença soviética, com bases militares e acampamentos gigantescos ao longo da estrada. Numa dessas instalações, provavelmente por advertência, nos tornamos alvo de tiros, que passaram sobre as nossas cabeças quando paramos o carro e começamos a filmar. Tivemos de fugir, mas conseguimos mostrar um pouco do que estava acontecendo."
No final dos anos 1970, assim como os demais correspondentes, Roberto Feith investia em uma cobertura do lado humano dos fatos, por uma perspectiva brasileira.
Nessa época, os escritórios da emissora no exterior não tinham como objetivo competir com as agências internacionais de notícias. Informações importantes eram conseguidas com as agências, enquanto os repórteres tentavam complementar a cobertura com uma visão mais pessoal e sensível dos acontecimentos.
Chefe do escritório em Londres
Em 1980, Roberto Feith assumiu a chefia do escritório da Globo em Londres. Nessa nova função, uma de suas maiores conquistas foi viabilizar as viagens do repórter com um produtor – além do repórter cinematográfico, que já tradicionalmente o acompanhava. Assim, o trabalho era mais bem dividido e o repórter não precisava acumular funções.
Também em 1980, ficou responsável pela cobertura do lado político dos Jogos Olímpicos de Moscou – afetados pelo boicote de diversos países, entre eles os Estados Unidos, devido à invasão do Afeganistão pela União Soviética. Nos demais assuntos esportivos, o escritório de Londres dava suporte às equipes que partiam do Brasil.
Nos anos seguintes, Roberto Feith participou de coberturas importantes, como a tentativa de golpe na Espanha; os terremotos na Itália; a viagem do Papa João Paulo II à Polônia; e a convenção do movimento sindical polaco Solidariedade, o primeiro indício da crise do leste europeu que viria no final da década de 1980 e início dos 1990. Também cobriu duas guerras: a entre Irã e Iraque, que durou de 1980 até 1988, e a das Malvinas, em 1982.
Para a cobertura do Iraque, Feith contou com a parceria do repórter cinematográfico Mario Ferreira. Eles foram para o front e permaneceram um mês e meio no país. "Com a ajuda do governo iraquiano, fomos levados a uma área próxima ao front de combate, numa cidade chamada Mehran, uma aldeia iraniana que o Iraque havia invadido. Chegando lá, conseguimos nos livrar um pouco da vigilância dos iraquianos e fizemos uma matéria interessante que mostrava a linha de frente." Com o tempo, a equipe percebeu que a solução era improvisar: "sair escondido, conseguir transporte por conta própria e ver o que era possível documentar", relembra.
Entrevista exclusiva do jornalista Roberto Feith ao Memória Globo, em 24/11/2003, sobre a Guerra Irã – Iraque
Reportagem de Roberto Feith e Mário Ferreira sobre a Guerra Irã-Iraque, 'Jornal Nacional', 29/09/1980
Retorno ao Brasil | Globo Repórter
Em 1983, definitivamente de volta ao Brasil, Roberto Feith assumiu o cargo de editor-chefe do 'Globo Repórter', que passava por uma reestruturação. Na equipe do programa estavam Jotair Assad, Mônica Labarthe (editores), Luiz González (chefe de redação) e Vanda Viveiros de Castro (produtora). A estrutura anterior, que privilegiava a ação de campo dos repórteres, foi mantida, mas mudanças importantes foram implementadas. Para sustentar, de forma competitiva, um programa jornalístico no horário nobre, considerou-se necessário alterar seu modelo narrativo de modo a unir mais eficientemente notícia e entretenimento, sem comprometer a informação. Feith ficou no cargo até novembro de 1984, sendo substituído por Jorge Pontual.
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Em 1985, Roberto Feith deixou a Globo e foi trabalhar como repórter da produtora independente Intervídeo, criada pelos jornalistas Fernando Barbosa Lima e Roberto D’Ávila e o cineasta Walter Salles Jr. Em 1997, ingressou no mercado editorial à frente da editora Objetiva, onde permaneceu como diretor-geral até 2015. Em outubro de 2019, passou a coordenar o selo de não ficção da editora Intrínseca.
Fontes
Depoimentos de Roberto Feith ao Memória Globo em 24/11/2003 e 24/05/2017; 'Correspondentes - Bastidores, Histórias e Aventuras de Jornalistas Brasileiros pelo Mundo'. Globo Livros, 2018; 'Ex-dono da Objetiva vai coordenar selo de não ficção na Intrínseca', In: https://oglobo.globo.com/cultura/ex-dono-da-objetiva-vai-coordenar-selo-de-nao-ficcao-na-intrinseca-24168791, acessado em: 10/04/2023. |