Por Memória Globo

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É quase impossível olhar para Renato Aragão e não ver Didi. Mas o grande palhaço da televisão brasileira, que encantou gerações de crianças e adultos à frente do humorístico Os Trapalhões, demorou a aceitar sua vocação para a comédia. “Eu não pretendia ser artista. Eu trabalhava num banco. E minha intenção era me formar em direito, como realmente me formei. Para mim, essa já era a realização da minha vida. Mas, quando adolescente, eu assisti a dois filmes do Oscarito, Aviso aos Navegantes e Carnaval no Fogo. Assisti 15 vezes ao primeiro e 16 ao segundo – já não aguentava mais aquelas músicas, mas fiquei apaixonado pelo cara. Eu não sabia que, ali, eu estava mudando meu destino”, revela.

Quando cheguei ao Rio, fiz um esquete num programa de auditório. O cara me perguntava como era o meu nome, e eu dizia que era Didi. ‘De quê?’ Então me veio tudo que era nome e eu falei: ‘Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina Mufumbo!’ Foi uma gargalhada geral.
Entrevista exclusiva do humorista Renato Aragão ao Memória Globo em 25/09/2005, sobre sua origem e formação.

Entrevista exclusiva do humorista Renato Aragão ao Memória Globo em 25/09/2005, sobre sua origem e formação.

Início da carreira

Antônio Renato Aragão, filho de Paulo Aragão e Dinorah Lins Aragão, nasceu em 13 de janeiro de 1935, em Sobral, no Ceará. Ainda demoraria muitos anos até encontrar seus parceiros de aventura e comédia, os trapalhões. Formou-se em direito e, ainda na faculdade, teve suas primeiras experiências artísticas.

Começou a carreira artística em 1960, aos 25 anos, ao fazer um curso de realizador (produtor, diretor e redator) para a recém-inaugurada TV Ceará, em Fortaleza. Produziu e atuou no programa Vídeo Alegre. “Eu queria ser comediante, mas não tinha como. Então, guardei isso dentro de mim, fui para a faculdade de direito e, quando estava já no último ano, a TV Ceará inaugurou, em Fortaleza. Pensei: ‘É a minha chance. Mas como eu vou começar meu sonho de vida?’ Eu não sabia fazer nada, então decidi me apresentar como comediante. Ao mesmo tempo, estava no quinto ano de direito, os colegas poderiam me hostilizar, dizendo: ‘É um palhaço!’ Então, fiz escondido”, conta.

Na TV Ceará, criou o personagem que o marcaria para sempre: Didi, um nordestino ao mesmo tempo sagaz e desastrado. “Quando o diretor me mandou escrever a programação de inauguração da TV Ceará, eu comecei a fazer um esquete. Eu escrevia: ‘Renato entra…’ Logo percebi que não era engraçado botar o nome, eu precisava ter um apelido. Me veio esse nome: Didi. Não sei se porque era fácil escrever Didi. Não foi pesquisado, não foi nada. Foi recebido”.

No Rio de Janeiro

Participou de outros humorísticos na TV Ceará até ser contratado, em 1964, pela TV Tupi do Rio de Janeiro. Sua fama chegara ao Sul. Na emissora, conheceu Dedé Santana, que seria seu parceiro por muitos anos. Os dois fizeram parte do elenco do programa A, E, I, O… Urca, no quadro Os Legionários. Com Dedé, Renato Aragão estrearia no cinema, no filme Na Onda do Iê-Iê-Iê, de Aurélio Teixeira, em 1966.

Entre 1964 e 1966, Renato Aragão atuou também em diversos humorísticos na TV Record e na TV Excelsior. Em 1966, na Excelsior, criou o programa Adoráveis Trapalhões, embrião do maior sucesso da sua carreira. Os “trapalhões” em questão eram, na época, Dedé Santana, Wanderley Cardoso, Ivon Cury e Ted Boy Marino, além do próprio Renato Aragão.

Nessa época, cunhou o sobrenome do personagem que o imortalizaria: “Quando cheguei ao Rio, fiz um esquete ao vivo, num programa de auditório, em que eu era entrevistado para conseguir um emprego. O cara me perguntava como era o meu nome, e eu dizia que era Didi. Ele, então, continuou: ‘De quê?’ E me deixou naquela situação. Então me veio tudo que era nome, essas coisas do Nordeste, e eu falei: ‘Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina Mufumbo!’ Foi uma gargalhada geral. Aquilo me veio na cabeça, eu joguei, depois joguei no outro quadro, o pessoal começou a rir. E eu agreguei esse nome”.

Em 1971, Renato Aragão foi para a TV Record, onde fez o programa Os Insociáveis, no qual os trapalhões encontraram sua formação: Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, era integrante do grupo Originais do Samba e já havia participado do humorístico Bairro Feliz (1965), da Globo, e da Escolinha do Professor Raimundo (1967), na época exibido pela TV Tupi. O próprio Renato Aragão batizou o mineiro Mauro Gonçalves, o Zacarias. “Ele participava de um programa que se passava numa boate. Ele fazia o garçom. Era muito engraçado, maluquinho, com aquela peruca – a caracterização era a mesma. E eu o trouxe para o grupo”, comenta.

Em 1974, o quarteto se transferiu para a TV Tupi para estrelar um programa com três horas de duração que teria o mesmo nome com o qual passariam a se apresentar: Os Trapalhões.

Os Trapalhões na Globo

Os Trapalhões foram contratados pela Globo em 1977. Naquele ano, gravaram dois programas especiais, apresentados em janeiro e fevereiro na faixa de programação noturna denominada Sexta Super. Renato Aragão viveu uma situação inusitada: competiu pela audiência contra ele mesmo, já que a TV Tupi decidiu reprisar os melhores momentos do programa. Ainda em 1977, em março, Os Trapalhões ocuparam o espaço semanal na grade de programação da Globo pelo qual seriam responsáveis nos quase 20 anos seguintes, as noites de domingos. O programa revelou-se um grande sucesso e manteve praticamente intacto o seu apelo junto ao grande público, apesar de ser visto quase sempre com maus olhos pela crítica e pela intelectualidade.

Os Trapalhões: O quarteto parodia músicos clássicos

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Em 1982, Silvio Santos, dono do SBT, chegou a tentar a contratação do grupo, sem sucesso. No ano seguinte, 1983, o quarteto passou por uma forte crise e por muito pouco não se separou. Em 1988, os Trapalhões foram homenageados pela Unidos do Cabuçu sendo tema de um samba-enredo.

O programa Os Trapalhões teve poucas alterações ao longo dos seus 18 anos de existência, tendo sido as mais significativas a presença do público assistindo aos esquetes (1982), a utilização de gravações externas (1983), a transmissão ao vivo do programa (1988) e a inserção de quadros de personagens fixos, como Trapa Hotel (1990), Vila Vintém (1992), Agência Trapa Tudo (1992) e Nos Cafundós do Brejo (1993).

O fim de Os Trapalhões

O programa deixou de ser produzido em 1995, quando o quarteto já estava desfalcado de Zacarias, falecido em 1990, e de Mussum, falecido em 1994. “Quando Mussum se foi, eu parei o programa e tive vontade de parar de trabalhar. Eu fiquei sem rumo. Para mim, minha carreira tinha acabado ali. Eu não tinha vontade de trabalhar. Comecei a só fazer especiais”, confessa o humorista.

Entre 1994 e 1996, Renato Aragão gravou ao lado de Dedé Santana uma série de programas exibidos pelo canal português SIC, Os Trapalhões em Portugal. Paralelamente, em 1995, a dupla apresentou as reprises dos melhores momentos de Os Trapalhões e tentou adaptar o programa a um novo formato, sem Mussum e Zacarias, ora com quadros independentes e com a participação de outros artistas, ora com brincadeiras com o público. As reprises deixaram as noites de domingo e passaram a ocupar o horário da manhã, de segunda a sexta-feira.

Enquanto isso, Renato Aragão fazia aparições na televisão, como nos especiais de Natal exibidos em 1996 e 1997. Em 1998, a Globo exibiu uma série de especiais com o humorista, baseados em clássicos da literatura, na Terça Nobre: O Milionário e o Vagabundo, baseado na obra Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain; Didi e o Avarento, adaptação da peça O Avarento, de Molière; e Didi Malasarte, inspirado no personagem do folclore Pedro Malasartes.

Ainda em 1998, Renato Aragão voltou à grade de programação da emissora com A Turma do Didi, humorístico destinado ao público infantil. Exibido nas tardes de domingo, o programa tinha no elenco original Eliezer Motta, André Segatti, Vanessa Bueno e Débora Cristina Lagranha.

A Turma do Didi: Paródia de Roberto Carlos

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Os Trapalhões gravaram 17 discos com músicas infantis e foram levados para revistas em quadrinhos, entre outros produtos diversos.

Além do trabalho na televisão, Renato Aragão também construiu uma sólida carreira no cinema. Ao todo, participou de mais de 40 filmes. Seus empreendimentos são administrados pela Renato Aragão Produções Ltda, empresa fundada em 1977.

A partir de 1998, a Renato Aragão Produções fez uma série de parcerias com a Globo Filmes na realização de longas-metragens, como Simão, o Fantasma Trapalhão (1998); Didi, o Cupido Trapalhão (2003); Didi Quer Ser Criança (2004); Didi, o Caçador de Tesouros (2005); O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili (2006) e O Guerreiro Didi e a Pequena Ninja (2008).

Em 2010, ano em que completou 75 anos de vida – e o personagem Didi Mocó, 50 anos de criação -, a Globo programou uma comemoração que incluiu edições especiais dos programas A Turma do Didi e Acampamento de Férias. Em 2013 e 2014, Renato Aragão fez dois telefilmes para a Globo: Didi, o Peregrino e Didi e o Segredo dos Anjos.

Em comemoração aos 40 anos de Os Trapalhões, foi lançada em 2017, no Canal Viva, uma série homônima, também exibida na Globo. O revival trazia os veteranos trapalhões Didi Mocó e Dedé Santana com uma geração de novatos: Didico (Lucas Veloso), Dedeco (Bruno Gissoni), Mussa (Mumuzinho) e Zaca (Gui Santana).

Campanhas sociais

Em 1983, Renato lançou a campanha SOS Nordeste, com o apoio da Globo. Três anos depois, em 1986, a emissora instituiu a campanha Criança Esperança, em que os espectadores são estimulados a fazer doações de qualquer tipo, principalmente através de um serviço telefônico. A campanha, realizada uma vez por ano, é acompanhada de um show com artistas e com o elenco da Globo, tendo sido, até 2019, capitaneada por Renato Aragão.

Criança Esperança (1993): Renato Aragão chega pela cúpula do estádio

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Em 1991, Aragão foi nomeado embaixador da Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. No mesmo ano, o aniversário de 25 anos de Os Trapalhões foi comemorado com um especial de 24 horas de duração, com inserções do quarteto em toda a programação da Globo. Na ocasião, Renato Aragão viveu aquele que considera o momento mais emocionante de sua vida: subiu na mão da estátua do Cristo Redentor, no Corcovado, e a beijou. “Passei três dias de felicidade. Não sentia dor, não sentia fome, nada. Para mim, era só aquilo que eu tinha feito”, destaca.

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