Por Memória Globo

Joao Cotta/Globo

Régis Rösing, 2015 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

"Alegria, alegria". A saudação é famosa e representa o alto astral do repórter esportivo conhecido nacionalmente por seu bom humor. Com o gaúcho Régis Rösing não tem tempo ruim. Apaixonado por jornalismo desde pequeno, Reginho, como era conhecido em sua cidade, Cachoeira do Sul, costumava brincar que era apresentador de televisão, já aos sete anos de idade. “Na hora do almoço, do jantar, eu pegava talher e ficava ali entrevistando todo mundo, fazia daquilo meu microfone. Eu narrava corridas com caixinha de fósforo. A minha infância toda foi fazer isso, e depois adulto eu continuei”.

Ao Memória Globo, ele desvenda o mistério de suas narrações de futebol à beira do gramado, que ficaram conhecidas por prever a hora em que os gols das partidas sairiam. “Sempre me chamaram de profeta, mas na verdade eu fui persistente. Quando começa o ataque, eu já falo: ‘E o gol vai acontecer neste momento, cruzamento, bola na área… Perdeu, vamos de novo…’ Então todo ataque eu fazia isso, já começava antes. Cinquenta gravações eram perdidas, porque os gols não aconteciam. A ideia é colocar a emoção do gol mais perto do telespectador”, explica.

“Não existe talento. Existe grau de intensidade, de amor em relação ao que fazemos. A felicidade faz com que o trabalho apareça”.

Régis começou como repórter de televisão na RBS, afiliada da Globo no Sul. Em pouco tempo, ganhou o Rio de Janeiro, fazendo o que mais sente prazer na vida: contar uma boa história. Para ele, as reportagens precisam cobrir vários níveis de leitura, agradando tanto pessoas que não entendem de esporte, quanto os fãs. Seu método é a simplicidade: mostrar por meio de seus personagens, lições de vida que envolvem luta, superação, derrota, perseverança e esperança. Como repórter da Globo, cobriu cinco Copas do Mundo; Olimpíada e Paralimpíada, campeonatos de surfe, vôlei e, claro, de futebol nacional.

A história de Régis de Oliveira Rösing começou no interior do Rio Grande do Sul. Sua mãe, Neusa Conceição Oliveira Rösing, era professora; e seu pai, Régis Antonio Santos Rösing, bancário. A família era numerosa e, desde rapaz, precisou trabalhar para bancar os estudos, mas não concluiu a faculdade de Letras. Aprendeu a fazer jornalismo no dia a dia: seu primeiro emprego foi como sonoplasta na Cachoeira Escola do Rádio, ZYK 216.

Aos 18 anos, Rösing prestou serviço militar e atuou como rádio operador. Ao entrar para a reserva, tornou-se responsável pela 'Hora do Rock', na Rádio Fandango FM e, depois, foi locutor de outro programa de música, desta vez na Atlântida FM, que era a principal frequência do rock no interior do estado.

Em 1990, ele foi chamado para cobrir esportes na RBS TV, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul. A princípio, acompanhava o time de basquete, na cidade de Santa Cruz. Suas matérias ganharam espaço no noticiário esportivo local porque a equipe despontou no campeonato gaúcho. Dois anos depois, foi convidado a se mudar para a sede da afiliada, em Porto Alegre, onde passou a cobrir também futebol. Em pouco tempo, começou a emplacar matérias no 'Globo Esporte' também do Rio.

Modesto, ele diz que teve sorte. Nos anos 1990, o Grêmio venceu vários campeonatos: Libertadores da América (1995), Campeonato Brasileiro (1996), e Copa do Brasil (1994, 1997). Com isso, suas reportagens tiveram mais oportunidade de aparecer em rede nacional. Segundo ele, o sucesso da profissão depende apenas da paixão pelo trabalho. “Eu queria atrair a família inteira numa história, humanizar os personagens, mostrar valores.”

Sua marca registrada é fazer reportagens em “níveis de leitura”. Ou seja, textos que informem de maneira simples os fãs do esporte, mas também pessoas que não conhecem bem as regras. O estilo chamou atenção da direção do Esporte da Globo no Rio de Janeiro. E, em 1998, acabou se mudando para lá. Com um sorriso no rosto, permaneceu seis meses na cidade até ser escalado para cobrir a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da França.

Copa do Mundo da França

O time de repórteres era robusto. Estavam na França repórteres como Tino Marcos, Mauro Naves, Maurício Kubrusly, Marcos Uchoa, Pedro Bassan e Glória Maria. Régis desembarcou em Paris levando na bagagem um presente inusitado: as chuteiras que Romário usou durante o tetracampeonato, em 1994. A pedido da mãe do Baixinho, elas foram benzidas e entregues a Régis para que ele levasse ao jogador na concentração da Seleção Brasileira. Isso estreitou a relação do repórter com a equipe. “Ele já estava lesionado, então pensou na chuteira como amuleto da sorte. Era minha primeira Copa e eu liguei para o Romário, Dunga, Edmundo e marquei um encontro para fazer uma matéria exclusiva e já entreguei a chuteira. Só que, no dia seguinte, ele foi cortado da Seleção”.

Naquela Copa, o Brasil era um dos favoritos. A dupla Bebeto e Romário no ataque, símbolo da vitória de 1994, prometia. Mas uma lesão na panturrilha tirou o atacante da competição. Régis conseguiu outra exclusiva com Romário, assim que o jogador soube que não ia mais disputar o Mundial. Depois, o Baixinho permaneceu um tempo na França, atuando como comentarista. Ao retornar ao Rio, o repórter estabeleceu uma rotina de trabalho, que mantém até hoje: faz reportagens para o 'Globo Esporte' e 'Esporte Espetacular' e, quando necessário, matérias para o bloco de esportes dos telejornais de rede. No 'Esporte Espetacular', comandou os quadros 'Futebol de Boca' (1999); 'Repórter de Pijama' na Olimpíada de Sydney (2000); 'Você Viu?' (2002); e 'Régistrando o Brasil' (2012).

Régis Rösing apresenta o quadro "Repórter de Pijama" durante a cobertura dos Jogos Olímpicos de Sidney em 2000, Esporte Espetacular, 17/09/2000.

Régis Rösing apresenta o quadro "Repórter de Pijama" durante a cobertura dos Jogos Olímpicos de Sidney em 2000, Esporte Espetacular, 17/09/2000.

Viagem ao Líbano

Régis foi ao Paraguai, em 1999, cobrir a Copa América, onde, além de registrar a preparação e os jogos da Seleção Brasileira, descobriu uma pauta que o levaria para uma aventura no Líbano. Ele fez diversas matérias com libaneses que moravam em Foz do Iguaçu, fronteira com a Cidade do Leste, sede do Campeonato. Os imigrantes gostaram do repórter e o convidaram para fazer uma reportagem no país do Oriente Médio, com auxílio de parentes libaneses que moravam lá. Em 2000, junto do repórter-cinematográfico Antônio Gil, Régis embarcou na viagem para fazer reportagem sobre futebol em lugares devastados pela guerra. “Fiz uma matéria no estádio onde Pelé parou uma guerra na década de 1970, que juntou judeus, cristãos e mulçumanos, mas vi que a questão do conflito era muito mais forte e pensei assim: ‘Eu tenho aqui elementos que vão ser muito mais interessantes para a Globo e para o Brasil do que fazer esporte. Aprendi uma palavra em árabe que é saad, alegria. Então saad para lá, saad para cá, aí acabei ficando amigo do pessoal foi o que me levou a entrevistar, com exclusividade, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, para o Fantástico. Fiz uma série de reportagens para o 'Fantástico' sobre o Hezbollah”.

Régis conta que voltou do Líbano com um material contundente que incluía discursos de Hassan Nasrallah para os futuros homens-bomba. O chefe do Hezbollah usava turbante preto na cabeça, que entre os mulçumanos significa ser descendente do profeta Maomé que viveu 500, 600, 700 anos depois de Cristo.

“No bunker dele, subterrâneo, fiz várias perguntas. Lembro uma delas: ‘O senhor mandou seu próprio filho para a guerra?’ Ele morreu com 17 anos: ‘O senhor hoje não se arrepende, não tem pelo menos saudade dele, não gostaria que ele estivesse aqui?” Ele respondeu que: ‘Não, tem orgulho de ter um filho que morreu por uma causa justa, por uma causa nobre, defender os seus irmãos, não seria justo eu mandar o meu filho estudar na Europa e pedir para os outros pais mandarem seus filhos para a guerra'”.

Haiti e o esporte

O futebol também o levou para outros países do mundo, como o Haiti, quando realizou reportagens antes à chegada da Seleção Brasileira ao país, em 2004. Na época, o país caribenho estava destruído pela guerra. A missão de Régis era registrar as instalações em que a Seleção ficaria hospedada, mas também aproveitou para fazer reportagens sobre a situação social no local. “O que chocou muita gente foi essa primeira matéria sobre o biscoito de barro: eles pegam terra, água, uma manteiga e salzinho. O povo haitiano, sem ter o que comer, faziam biscoito de barro. As autoridades não gostavam muito que mostrasse. O meu objetivo era para ver se provocava ajuda humanitária ou reflexão”.

Em 2011, Régis voltou ao país para mostrar os trabalhos do Exército brasileiro junto à ONU, que ajudavam na reconstrução do país, após o terremoto de 2010. Nesta época, houve uma maratona na capital e o que a reportagem mostrou foi que os haitianos decidiram participar principalmente porque haveria um lanche no final da corrida.

Em 2005, Régis aceitou um desafio duplo ao cobrir o circuito mundial de surfe: a pouca intimidade com o esporte e com a língua dos surfistas, o inglês. “Eu fui sem saber direito as regras, mas sempre procurando contar histórias que possibilitassem que quem não é do surfe entendesse as manobras. Com relação ao inglês, eu compreendo bem, pego rapidinho e consigo sempre um anjo da guarda para traduzir exatamente tudo.” O repórter cobriu o esporte até 2007 em Teahupoo, a “Praia dos Crânios Quebrados” no Thaiti; Snapper Roccks e Gold Coast, na Austrália; Pipeline, no Havaí. Querido por muitos, Régis ganhou, durante estas coberturas, o apelido de Mr. Bean, dado pelo surfista Kelly Slater. Régis explica: “Todos os repórteres faziam o estilo surfista. E eu não: sempre fui carequinha, magrinho, feinho, nada a ver com surfe. Então acabou que dei sorte, ele gostou de mim.”

Suas matérias, que tinham a intenção de popularizar o esporte, surtiram efeito – a olhos vistos – anos depois. Régis conta que, em 2014, ao cobrir a coletiva de imprensa de Gabriel Medina, que acabara de vencer o circuito mundial, recebeu uma homenagem surpreendente do surfista. Medina lhe deu a camisa com que conquistou o título e explicou que se inspirou nas reportagens de Régis, a que assistia quando era criança.

Repórter Régis Rösing ganha camisa de Gabriel Medina. Esporte Espetacular, 28/12/2014

Repórter Régis Rösing ganha camisa de Gabriel Medina. Esporte Espetacular, 28/12/2014

'Esporte e guerra'

Régis Rösing é discreto ao falar dos prêmios que recebeu em sua trajetória profissional. Mas um deles é preciso ser destacado: a medalha Missão de Paz da ONU. As pessoas recebem essa homenagem em função dos serviços prestados pela paz e pelo desenvolvimento humano: “Não foi pelo prêmio em si, mas saber que tem mais gente como eu preocupada em dar bons exemplos. Preocupada em ajudar as pessoas, em ser instrumento, em ser ferramenta de ajuda humanitária”. O repórter viveu a experiência em Ruanda, no continente africano, onde um milhão de pessoas foram vítimas de genocídio: “Cheguei num lugar e encontrei umas crianças com uma bola de futebol, plástico, barbante, uma bola assim que três chutes vai acabar a bola, no meio de uma miséria, num lugar onde teve muito massacre, e elas brincando. Aí eu peguei a bola, saí jogando, aquela multidão de crianças para jogar, tudo bem é um pequeno gesto, durou cinco minutos, as crianças brincaram rindo, mas é isso que a gente precisa, provocar mais sorrisos nas pessoas. Provocar mais reflexões nas pessoas, acreditar que tempo é outro nome de Deus, mas é a gente que faz o tempo, fazer o tempo com boas ações, bons exemplos… e nós, contadores de histórias, temos que colocar o dever de ser humano na frente, do dever de jornalista, provocar transformações, provocar mudanças para melhor na vida das pessoas, quem sabe daqui a 50 anos, um mundo melhor, um mundo com pessoas melhores, com valores melhores”.

Estreia da série "Esporte e Guerra", com reportagem especial de Régis Rösing sobre como o futebol interfere de forma positiva na vida de crianças em Ruanda, país devastado recentemente pela guerra, Esporte Espetacular, 05/04/2009.

Estreia da série "Esporte e Guerra", com reportagem especial de Régis Rösing sobre como o futebol interfere de forma positiva na vida de crianças em Ruanda, país devastado recentemente pela guerra, Esporte Espetacular, 05/04/2009.

Instrumento de transformação

Régis cobre todo tipo de esporte: desde o “feijão com arroz” do jornalismo, que significa acompanhar partidas de futebol disputadas pelas equipes nacionais na Copa do Brasil e no Brasileirão, até Olimpíadas, Copas do Mundo e Paralimpíadas. Entre estas experiências, ele destacou algumas coberturas, como: o quadro Repórter de Pijama, na Copa do Mundo de 2008; o dia a dia da seleção feminina de futebol, que saiu campeã nos Jogos Panamericanos de 2007, no Brasil; as conversas com o povo sul-africano no bairro do Soweto, em Johanesburgo, na Copa de 2010; e a cobertura do Brasil na natação, em Pequim, 2008.

Isso sem falar na alegria de acompanhar a movimentação nas ruas do Brasil, na Copa do Mundo de 2014. Neste mundial, Régis fez matérias inusitadas para o 'Esporte Espetacular', que saíam aos domingos, como os festejos da torcida argentina antes da final – que rendeu entrevista com o técnico Alejandro Sabella, que conhecia desde os tempos do Grêmio. Nestas grandes coberturas, Régis observa que é necessário estar bem preparado: não basta decorar o texto e saber sobre o que é sua matéria. Diante de um imprevisto, o repórter precisa improvisar com curiosidades e informações. Isso se torna fácil quando é apaixonado pelo que faz.

“Através do esporte a gente pode transformar vidas. Trabalhar como contador de história esportiva é um instrumento para sermos transformadores. Temos que plantar a semente nas pessoas através de valores, princípios, disciplina, respeito. E o esporte traz isso”.

O jornalista deixou a emissora em abril de 2023.

FONTE:

Entrevista com Régis Rösing, concedida ao Memória Globo em 03/08/2015
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