Raul Cortez nunca teve dúvidas a respeito da sua vocação, só não sabia se tinha talento: “Desde criança eu queria ser um ator e, às vezes, eu dizia assim: ‘Bom, se não der certo ser ator, então, eu gostaria de ser jornalista, um escritor, sei lá.’ Era uma coisa muito definida para mim, desde o início”, comenta. Filho de um bem-sucedido advogado, chegou a cursar até o segundo ano da na Faculdade de Direito de Campinas, por conta dessa desconfiança; até que, aos 22 anos, a aptidão manifestada desde a infância falou mais alto. Raul Christiano Machado Cortez começou fazendo teatro amador, ao lado de Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna, até entrar para o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC. Também atuou sob a direção de Antunes Filho, integrou a companhia de Cacilda Becker e trabalhou com José Celso Martinez Correa no Teatro Oficina.
Início da carreira
Fez mais de 30 peças antes de estrear na TV – mais de 60 em toda a sua carreira. Nos palcos, quebrou vários tabus: interpretou um travesti em 'Os Monstros' (1968) de Jérôme Savary, baseado em texto de Denoy de Oliveira, e fez o primeiro nu do teatro brasileiro em 'O Balcão' (1969), de Jean Genet. Ganhou ao todo cinco prêmios Molière – considerado o mais importante do teatro brasileiro. Também atuou em mais de 30 filmes. A estreia no cinema aconteceu em 1957, em 'O Pão que o Diabo Amassou', da italiana Maria Basaglia. O ator trabalhou em produções importantes como 'O Caso dos Irmãos Naves' (1967), de Luís Sérgio Person; 'Cinema de Lágrimas' (1995), de Nelson Pereira dos Santos; e 'Lavoura Arcaica' (2001), de Luiz Fernando Carvalho, diretor com quem estabeleceu uma parceria memorável na televisão. Sua primeira telenovela foi 'Ninguém Crê em Mim' (1966), de Lauro César Muniz, na Excelsior. Trabalhou também na Tupi e na Bandeirantes; para ele, porém, sua estreia para valer foi na TV foi na Globo.
Início na Globo
O ator começou a trabalhar na emissora em 1980, em 'Água Viva', de Gilberto Braga, no papel do renomado cirurgião plástico Miguel Fragonard. O sucesso foi imediato. “Era para eu morrer por volta do 30º capítulo. Há muito tempo que eu não fazia televisão, não era o que eu estava acostumado a fazer. Mas o papel foi absolutamente extraordinário e eu só morri antes do fim da novela”, recorda. No ano seguinte, interpretou o Joaquim Gama, pai dos gêmeos João Victor e Quinzinho (vividos por Tony Ramos) em 'Baila Comigo', de Manoel Carlos. Ainda em 1981, foi o vilão Carlito Madureira em 'Jogo da Vida', de Silvio de Abreu.
'Partido Alto' (1984): Cena final, em que Célio (Raul Cortez) e Reginaldo (Milton Gonçalves) deixam Sérgio (Herson Capri) para trás e fogem, mas são presos.
Fez mais 14 novelas na emissora, entre elas 'Partido Alto' (1984), de Glória Perez e Aguinaldo Silva; 'Brega & Chique' (1987), de Cassiano Gabus Mendes; e o remake de 'Mulheres de Areia' (1993), de Ivani Ribeiro, em que foi o vilão Virgílio.
'Mulheres de Areia' (1993): cena em que Virgílio (Raul Cortez) acredita, erroneamente, que Ruth está se fazendo passar pela irmã e eles trocam ofensas. Gloria Pires conta ao Memória Globo que essa foi uma das cenas mais marcantes para ela. Confira no webdoc da novela!
Em 'O Rei do Gado' (1996), de Benedito Ruy Barbosa, viveu um de seus personagens mais populares: o fazendeiro italiano Geremias Berdinazzi. O convite partiu de Luiz Fernando Carvalho, com quem o ator havia trabalhado no especial 'Uma Mulher Vestida de Sol' (1994), mas a indicação foi vista com desconfiança pelo autor. “O Benedito Ruy Barbosa me disse: ‘É, o Luiz Fernando me falou de você. Eu sabia de você em teatro. Mas como eu não vou ao teatro, não vejo, nem nada, eu fiquei na dúvida’”.
'O Rei do Gado' (1996): com Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) e Geremias Berdinazi (Raul Cortez) bêbados no cafezal.
O diretor insistiu, e sua aposta se mostrou acertada: Raul Cortez acabou ganhando o prêmio de Melhor Ator conferido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Depois do grande sucesso de sua atuação, interpretou mais dois personagens italianos em novelas do autor: o carismático Francesco Magliano, em 'Terra Nostra' (1999); e Genaro, em 'Esperança' (2002), também dirigida por Luiz Fernando Carvalho.
Matéria do 'Vídeo Show' com trechos da entrevista exclusiva de Raul Cortez ao Memória Globo.
O ator, conhecido por sua elegância, também trabalhou em 13 minisséries, entre elas 'A, E, I, O… Urca' (1990), de Doc Comparato e Antonio Calmon, 'O Sorriso do Lagarto' (1991), adaptada da obra de João Ubaldo Ribeiro por Walther Negrão e Geraldo Carneiro, 'Aquarela do Brasil' (2000), de Lauro César Muniz, 'Um Só Coração' (2004), Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, 'Mad Maria' (2005), de Benedito Ruy Barbosa, e 'JK' (2006), de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, seu último trabalho na TV. Sua última novela foi 'Senhora do Destino' (2004), de Aguinaldo Silva, na qual viveu Pedro Correia de Andrade e Couto, o Barão de Bonsucesso.
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O ator morreu no dia 18 de julho de 2006, aos 73 anos, em São Paulo, vítima de complicações decorrentes de um câncer na região abdominal. Raul Cortez foi casado com a atriz Célia Helena, com quem teve a filha Lígia Cortez, também atriz.
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