A vida de Othon Bastos teria elementos de clássicos da literatura, como Romeu e Julieta, de Shakespeare, caso fosse uma peça teatral. Othon José de Almeida Bastos é fruto da união entre duas famílias tradicionais e inimigas políticas. O filho do advogado e poeta Mario Costa Bastos e de Carmita Martins de Almeida, mudou-se para o Rio de Janeiro aos sete anos. “Eu tinha mania de ler poesia e ouvia os saraus na minha casa de outros poetas e cordelistas”, lembra. Um encantamento pela arte que começou com a leitura de Olavo Bilac. Na escola, leu o poema A Pátria, de Bilac, e recebeu um conselho da professora de português: “Nunca mais na vida queira fazer nada de arte”. Para a nossa sorte, Othon Bastos não seguiu a sugestão de Eliete de Azevedo e, aos 17 anos, abandonou o curso de odontologia para estudar com o teatrólogo Paschoal Carlos Magno, no Teatro Duse. A estreia foi em Uma Terra Queimada, de Aristóteles Soares, em 1951, e nunca mais deixou o mundo artístico. Na Globo, atuou em mais de 40 programas, entre novelas, minisséries e especiais. No teatro, foram mais de 30 peças, e no cinema, acumula 80 filmes.
Entrevista exclusiva do ator Othon Bastos ao Memória Globo sobre o início de sua carreira artística, no teatro.
Início da carreira
Entre 1956 e 1957, Othon Bastos estudou teatro em Londres. Ao voltar para o Brasil, fundou a Sociedade Teatro dos Novos que construiu o Teatro Vila Velha, na Bahia. Durante os ensaios para a montagem de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com estreia em 1964, o ator recebeu a visita inesperada de Glauber Rocha, que dirigiu 14 horas para encontrar o ator.
Othon foi convidado pelo cineasta para fazer um dos clássicos do cinema nacional: Deus e o Diabo na Terra do Sol. “O papel do Corisco não era esse que está no cinema. Era em flashback. Conversando com Glauber, nós chegamos à conclusão do Corisco contar a história. O filme é maravilhoso e genial por causa do Glauber. Ele era um cara que tinha uma visão e uma generosidade extraordinárias”. O longa-metragem foi indicado a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1964 e seu emblemático cartaz, criado por Rogério Duarte, saiu na capa da revista francesa de cinema Positif.
Em 1967, o ator se mudou com a mulher, a atriz Martha Overbeck, para São Paulo a convite do Teatro Oficina. Pouco tempo depois, foi levado por Antonio Abujamra para a TV Tupi e fez a novela Nenhum Homem é Deus, de Sérgio Jockyman. Em seguida, ainda na TV Tupi, fez Super Plá (1969), Mulheres de Areia (1973), Roda de Fogo (1978) e Aritana (1978). Othon e a Martha permaneceram em São Paulo por 22 anos e fundaram a Othon Bastos Produções Artísticas Ltda. A companhia estreou com Castro Alves Pede Passagem, com direção e texto de Gianfrancesco Guarnieri, em 1971. A peça ganhou Prêmio Molière de autor, espetáculo e direção.
Na Globo
A estreia de Othon Bastos na Globo foi em 1979, em Aplauso. O programa exibia encenações de peças de diversos autores. O baiano participou de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, Um Grito parado no Ar, de Gianfrancesco Guarnieri, e Dona Felinta, a Rainha do Agreste, de Ferreira Gullar. Mas ele só começou a trabalhar nas novelas da emissora a partir de 1985. A primeira trama foi como o bandido Ronaldo em Roque Santeiro. Em seguida, o ator participou de Tenda dos Milagres, Selva de Pedra e Pacto de Sangue.
Pacto de Sangue: Tóti se entrega
Anos 1990
Um dos trabalhos de destaque de Othon Bastos no início da década de 1990 foi a minissérie O Portador, de José Antônio de Souza. “Eu lembro que era uma ousadia falar sobre isso (Aids). Todo mundo tinha medo. Tinha medo de tocar porque achava que ia pegar a doença. E era uma minissérie bem feita, que explicava tudo”, conta. Em seguida, o ator fez Felicidade, de Manoel Carlos. “A Viviane Pasmanter estava estreando e era minha filha junto com a Ester Góes. Ela se apaixonava pelo Tony Ramos e era uma menina autoritária. Mais tarde, trabalhei com ela em Esperança”.
Depois de viver um pai paciente, Othon interpretou o criminoso Jorge em Despedida de Solteiro (1994). “Eu fazia um bandido que estuprava uma menina. Depois descobriam que ele era apaixonado pela menina que não queria nada com ele. Então, ele estuprava a garota e jogava a culpa nos meninos que estavam fazendo uma despedida de solteiro”.
Após participar da minissérie Agosto e da novela Por Amor, o ator deu vida a outro tipo de bandido, o golpista Sandoval. “Ele dava golpes. Dizia que ia casar com a irmã do Carlão (Eduardo Moscovis) porque já estava de olho no dinheiro dele”.
Tramas de época
Na primeira metade da década de 2000, Othon praticamente só fez tramas de época. O começo foi em Aquarela do Brasil, que retratou o período do rádio e as tensões políticas da Segunda Guerra Mundial. “Eu fazia um coronel que incentivava os soldados a combaterem. Era o Jayme Monjardim que dirigia e pedia para que você não fizesse as coisas muito emotivas, muito dramáticas, porque a situação já era e você não precisava sublinhar. Ele cuida muito da imagem do ator pra não ficar com caras e bocas. Mais tarde, fiz A Casa das Sete Mulheres (2003) com ele”.
Na novela A Padroeira (2001), que se passava no Brasil Colônia, Othon fez o Padre Vilela. “Ele sabia de todos os segredos da cidade”. Em 2002, o ator integrou o elenco de O Quinto dos Infernos. A minissérie reconstituía com humor os bastidores políticos da independência do Brasil. Nesse mesmo ano, fez Esperança, que mostrava o processo de industrialização, a formação do movimento operário e a Revolução de 32 em São Paulo.
Em 2006, fez o Coutinho de Sinhá Moça. “Nos dois primeiros capítulos da novela, meu personagem libera seus escravos, dá alforria, mas o filho dele se apaixona por uma escrava e o mundo dele vira. O filho o enfrenta e, uma das cenas mais lindas pra mim, é quando a menina vai ter meu neto e meu personagem vai até a casa deles. Ele chega, a menina está passando muito mal e quem ajuda no parto sou eu. Quando ele pega o neto no colo, ele esquece tudo e tem uma crise de choro violenta”.
Ao longo dos anos 2000, Othon Bastos fez outros trabalhos, como Kubanacan (2003), Cabocla (2004), Mad Maria (2004), Alma Gêmea (2005), A Lua me Disse (2005), Malhação (2005), Paraíso Tropical (2007), Desejo Proibido (2007), Três Irmãs (2008) e Paraíso (2009).
Sinhá Moça - 2ª versão: Coutinho faz o parto de Adelaide
Comédia
O encontro de Othon Bastos com o chefe da família de bicheiros Agenor Improta foi em 2011 em Lara com Z. “Eu fazia um italianão, um bicheiro dono de uma escola de samba, que era um grosso e tinha um anel enorme de São Jorge. Ele era parente do personagem do (José) Wilker. Milton Gonçalves, Hugo Carvana e eu ajudávamos o Wilker a dar golpes. É uma comédia rasgada. O Aguinaldo (Silva) faz isso muito bem”, diz ele, que, antes do seriado, repetiu a parceria com o diretor Antonio Calmon em Na Forma da Lei, ao interpretar o governador Marco Antonio de Almeida, e fez uma participação em Escrito nas Estrelas, ambas em 2010.
Plano espiritual
Interpretar um anjo só aconteceria em Amor Eterno Amor (2012), novela de Elizabeth Jhin, com o prestativo Lexor. O personagem era um dos amigos de luz de Clara (Klara Castanho), que tinha o dom de ver coisas que ninguém conseguia ver. “Só ela me via e eu a ajudava em tudo. Ninguém acreditava que ele aparecia pra ela, tomava conta dela, ajudava ela a fazer os trabalhos de casa e quando ela estava em dificuldade”. A parceria com a autora se repetiria três anos depois em Além do Tempo. Na trama, Othon deu vida ao Mestre, que era a ponte entre os seres humanos e o mundo espiritual.
Vilão
Um dos papeis mais marcantes da carreira de Othon Bastos aconteceria nos seus 80 anos. Até o ator se surpreendeu com a vilania do mordomo Silviano de Império, de Aguinaldo Silva. “Eu não sabia que eu era o marido da Maria Marta (Lilia Cabral)”. O ator foi avisado da mudança de caráter do personagem, após 15 dias afastado da novela devido à uma infecção na perna. “O Aguinaldo escreveu uma coisa linda no jornal: ‘Volta, Corisco! Volta! Você vai voltar’. Quando eu voltei, liguei pra agradecer o que ele tinha escrito e ele disse: ‘Você vai ter muito trabalho’. Nunca podia imaginar que eu fosse o bandido ‘mor’ da história”. Na trama, Silviano trama a morte do comendador José Alfredo Medeiros (Alexandre Nero).
Império: Silviano (Othon Bastos) conta seu plano para José Pedro (Caio Blat)
Em 2016, Othon fez uma participação especial no remake Haja Coração. Na história, ele era o político corrupto Pedro Bertolucci, preso no dia do casamento com Rebeca (Malu Mader). Para o ator, o papel pode ser grande ou pequeno, o importante mesmo é trabalhar: “Eu quero ter o prazer de estar trabalhando. Não quero ficar em casa como aposentado jogando dominó”.
Outros trabalhos
Ao longo da carreira na Globo, Othon Bastos participou de novelas como Joia Rara (2013); séries como Brava Gente (2000 e 2001), Carga Pesada (2005), Separação?! (2010) e Os Experientes (2015); especiais como Didi, O Peregrino (2013); e programas como Você Decide.
Na Bandeirantes, participou de Os Imigrantes (1981), Ninho da Serpente (1982), Campeão (1982), O Cometa (1989). Na Manchete, fez Joana (1984), Tudo ou Nada (1986), Helena (1987), Filhos do Sol (1991), O Farol (1991) e Brida (1998). No SBT, integrou o elenco de Éramos Seis (1994), Sangue do Meu Sangue (1995) e Os Ossos do Barão (1997). Na Record, participou de Canoa do Bagre (1997) e O Desafio de Elias (1997). Na TVE Brasil, fez A Turma do Pererê (1998). E, no Multishow, esteve em Os Buchas (2009).
Cinema e teatro
No início da carreira, Othon Bastos só tinha um propósito como ator: fazer teatro. “O teatro ensina tudo. Eu comecei fazendo de tudo no bastidor do teatro. Eu venho do bastidor. O teatro é a alma de tudo. É por isso que quando eu entro em um teatro, peço licença. É como se os deuses estivessem sentados no palco e eu fosse lá beijar os pés deles”. Durante o regime militar, o ator não parou e fez peças contra a ditadura. Entre elas, Um Grito Parado no Ar (1973), Caminho de Volta (1974), Ponto de Partida (1976), Murro em Ponta de Faca (1978) e Calabar – O Elogio da Traição (1980).
Em 2024, aos 91 anos, ele estreou a peça 'Eu Não Me Entrego, Não!', em que repassa boa parte da carreira de mais de 70 anos.
No cinema, o ator fez, além de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), outros clássicos brasileiros como O Pagador de Promessas (1962) e Central do Brasil (1998). Em 1970 foi o vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Brasília por sua atuação em Os deuses e os mortos, de Ruy Guerra, e, em 1973, levou o prêmio de melhor ator no Festival de Gramado por seu papel em São Bernardo, de Leon Hirszman. Em 2013, foi homenageado com o Kikito de Cristal no 41º Festival de Gramado por sua contribuição ao cinema. “Fui o primeiro ator latino-americano que ganhou o Kikito de Cristal. É um prêmio que engrandece. O Kikito só era dado para grandes diretores”.
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