Por Memória Globo, Memória Globo

Nelson Di Rago/Globo

Uma rainha louca – que na verdade era imperatriz; tropas napoleônicas, capa, espada e batalhas épicas eram os elementos que se misturavam em cena. O folhetim 'A Rainha Louca' (1967), da cubana Glória Magadan, precisava de um diretor com senso prático que conseguisse aproximar o público a esse mundo de fantasia, que se passava no México do século XIX. A solução se chamava Daniel Filho. O diretor e produtor já era conhecido por seus trabalhos em outras emissoras e foi chamado às pressas para viabilizar a novela que já estava no ar. “Quando comecei a dirigir, procurei dar verossimilhança à trama, a brincar de cinema na novela. Nas cenas românticas, sempre usava músicas e planos cinematográficos que, na época, não eram usados; e fazia uma iluminação melhor”. Deu certo: foi o primeiro dos mais de 40 anos em que permaneceu na Globo.

Em pouco tempo, Daniel Filho tocaria as principais atrações da emissora: ainda em 1967 foi responsável pela novela 'O Homem Proibido', também de Glória Magadan, e 'Sangue e Areia', de Janete Clair. Entre 1970 e 1975, ocupou o cargo de produtor-geral de dramaturgia e, em seguida, diretor da Central Globo de Produções. Também foi diretor de Criação da emissora. Ao realizar um retrospecto de sua trajetória – que inclui a direção ou supervisão de clássicos da teledramaturgia, como 'Dacin’ Days' (1978), 'Roque Santeiro' (1985), 'O Primo Basílio' (1988); e também filmes campeões de bilheteria, como 'Se Eu Fosse Você' (2006); Daniel Filho se sente realizado. Para ele, ao fazer um pouco de tudo no campo das artes, acaba sendo, sobretudo, um ator. “Acredito que eu seja melhor produtor, mas gosto de dirigir e gosto muito de representar. Já fui vários diretores, e a felicidade é ter podido fazer tudo o que fiz. Porque a televisão deixa exercitar a liberdade de criação e de busca”.

Acredito que eu seja melhor produtor, mas gosto de dirigir e de representar. Já fui vários diretores, e a felicidade é ter podido fazer tudo o que fiz. A televisão permite exercitar a liberdade de criação e de busca.

Daniel Filho — Foto: Acervo/Globo

Início da carreira

João Carlos Daniel Filho herdou dos pais a vocação para a arte. Atores espanhóis, Juan Daniel e Maria Irma, que trabalhavam em circo e em teatro de revista, Daniel foi criado no Méier, zona norte da cidade. Sua bisavó materna, Ana Casalis, que também era circense, pertenceu a companhias de circo bastante conhecidas. Ainda criança, Daniel Filho começou a frequentar o circo e as coxias dos palcos em que sua família atuava.

Trabalhou como lanterninha, figurante, palhaço, ajudante de veterinário e bilheteiro de teatro. Estudou até o primeiro ano científico, quando deixou a escola para se dedicar inteiramente ao teatro. A estreia profissional, em teatro de revista, foi aos 15 anos, em Porto Alegre. Daniel entrou em cena substituindo um ator do elenco que ficara doente. Trabalhou durante muitos anos em teatro de revista. Chegou a participar de algumas produções em cinema, desempenhando papéis secundários.

A estreia na televisão aconteceu em 1956, no programa 'Teatro Moinho de Ouro', na TV Rio, onde contracenou com atores renomados como Iracema de Alencar e Rodolfo Arena, ambos da escola de Procópio Ferreira. Logo em seguida, foi para a TV Tupi do Rio de Janeiro, integrando o elenco do teleteatro 'As Aventuras de Eva', com a atriz Eva Todor. Daniel Filho conheceu a televisão quando o veículo ainda era uma novidade no Brasil e, junto com outros profissionais, explorou ao máximo todas as suas possibilidades. Trabalhou como ator, diretor e produtor.

Na TV Tupi, participou de inúmeras atrações como ator, como no programa infanto-juvenil 'Sítio do Picapau Amarelo' (1952-1962), em que vivia o Visconde de Sabugosa. Sua primeira experiência com direção foi também naquela emissora, como assistente de Jacy Campos no programa 'Câmera Um', função que desempenhou por seis meses. Em 1961, deixou o trabalho em televisão para participar do filme 'Esse Rio que Eu Amo', de Hugo Christensen.

Antes de ingressar na Globo, Daniel Filho ainda trabalhou na TV Rio e na TV Excelsior do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nas duas emissoras, exerceu a atividade de ator e de diretor de diversos programas de sucesso, como o humorístico comandado por Chico Anysio e o 'Times Square'.

Entrada na Globo

Em 1967, convidado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, com quem já havia trabalhado, Daniel Filho entrou para a Globo. Ele substituiu Ziembinski na direção da novela 'A Rainha Louca', de Glória Magadan, e acabou sofrendo rejeição do elenco. Depois de conquistar a equipe, Daniel foi chamado para dirigir várias novelas.

Ator, diretor e produtor, Daniel Filho esteve à frente de diversos projetos da Rede Globo e assistiu a mudanças estruturais da emissora, como a saída da autora Glória Magadan. A despedida da escritora cubana representou uma mudança nas telenovelas produzidas pela Globo: o estilo capa-espada, consagrado nos anos anteriores, deu lugar a histórias sobre o Brasil e seu povo, e autores como Janete Clair, Lauro César Muniz e Dias Gomes passaram a abordar temáticas mais brasileiras em seus folhetins.

A maior parceira de Daniel Filho em seu início na Globo foi com Janete Clair, com quem também desenvolveu uma relação de amizade. Ele dirigiu e produziu grandes sucessos escritos pela autora como 'Véu de Noiva' (1969), 'Irmãos Coragem' (1970), 'Selva de Pedra' (1972), 'Pecado Capital' (1975) e 'O Astro' (1977). “Quando começamos a conversar sobre como íamos fazer 'Sangue e Areia', o que queríamos era criar uma nova maneira de narrar. O que eu quis fazer com o romantismo da Janete era transformá-lo numa coisa mais cotidiana e brasileira, que se aproximasse da narrativa cinematográfica”.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Em entrevista exclusiva, o diretor Daniel Filho fala sobre as gravações do personagem Duda Coragem (Cláudio Marzo) no Maracanã, durante uma partida do Flamengo.

Em entrevista exclusiva, o diretor Daniel Filho fala sobre as gravações do personagem Duda Coragem (Cláudio Marzo) no Maracanã, durante uma partida do Flamengo.

Ainda na década de 1970, esteve à frente de outras novelas de sucesso como 'O Cafona' (1971), de Bráulio Pedroso, 'Bandeira 2' (1971), de Dias Gomes, e 'Dancin’ Days' (1978), de Gilberto Braga. “Às vezes, a gente sabe que tem uma boa história. Em 'Dancin’ Days', vínhamos numa embalada de novelas que davam certo e ela tinha uma história moderninha. Colocamos uma discoteca, e deu certo. Quando a coisa dá certo, uma mágica acontece”. Ele também dirigiu e supervisionou projetos inovadores como 'O Casarão' (1976) e 'Espelho Mágico' (1977), ambas de Lauro César Muniz.

Direção de programas

Em 1975, Daniel Filho deixou o cargo de produtor-geral de dramaturgia para se dedicar à direção de programas do horário nobre. O primeiro projeto foi a novela 'Roque Santeiro', de Dias Gomes, que acabou censurada no dia em que entraria no ar com capítulos inteiramente gravados. A solução foi exibir a reprise de 'Selva de Pedra', enquanto a autora Janete Clair escrevia, às pressas, a nova novela das oito. Com o mesmo elenco escalado para 'Roque Santeiro', a Globo lançou 'Pecado Capital', trama que alcançou elevados índices de audiência e se destacou como um marco na teledramaturgia brasileira, rendendo a Daniel Filho o prêmio de melhor diretor pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Daniel Filho nas gravações de 'Pecado Capital', 1975. — Foto: Globo

Em 1978, Daniel Filho foi um dos responsáveis pela concepção do projeto de seriados nacionais, iniciado com 'Ciranda Cirandinha', escolhido o melhor programa de TV daquele ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Daniel Filho lembra: “Eu tinha o conceito de fazer um seriado que era ‘o sonho acabou’ – a frase da época. Mas acrescentei: ‘mas papai não tem razão.’ Era um choque de gerações: havia uma geração saindo de um desbunde forte dos ácidos, paz e amor, tendo que trabalhar, e como é que cresce? Era o momento de crescer, mas sem perder valores corretos que tinham sido adquiridos por essa geração, do ‘faça amor, não faça guerra’”. Apesar de ter sofrido com a censura, a série fez grande sucesso, o que motivou a emissora a investir neste novo formato de programa.

No ano seguinte, 1979, a Globo lançou as primeiras Séries Brasileiras, com 'Malu Mulher', 'Carga Pesada' e 'Plantão de Polícia'. Estas produções não só obtiveram grande resposta de público e crítica, como também proporcionaram uma renovação nos autores da casa. Domingos Oliveira, Aguinaldo Silva, Euclydes Marinho, Doc Comparato, Antônio Carlos da Fontoura, entre outros, são alguns nomes que passaram a assinar produções da emissora a partir dessa data.

Ainda na década de 1970, outro importante projeto da área de Dramaturgia que contou com a participação de Daniel Filho foi o programa 'Caso Especial'. Além de supervisor e produtor-geral, foi responsável pela direção de alguns programas.

Daniel Filho também esteve à frente de programas de entretenimento da Rede Globo. Em 1972, foi responsável pela concepção e supervisão da primeira comédia de costumes da emissora, 'A Grande Família', ao lado de Oduvaldo Vianna Filho e Armando Costa. Daniel teve a ideia de chamar Oduvaldo Vianna para que ele traçasse um perfil sociológico dos personagens mais próximo à realidade brasileira. O escritor reformulou o texto inicial do programa, e o seriado alcançou sucesso de público e crítica, merecendo uma segunda versão mais de 20 anos depois, em 2001. No início da década de 1980, Daniel Filho criou também um projeto voltado para a Música Popular Brasileira chamado Grandes Nomes, que contou com a participação de João Gilberto, Elis Regina, Gal Costa, Simone, Ângela Maria, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil.

No final da década de 1980, dirigiu a minissérie 'O Primo Basílio' (1988), escrita por Gilberto Braga e Leonor Bassères com base no original de Eça de Queiroz, ganhadora do Grande Prêmio da Crítica da Associação Paulista de Críticos e Arte.

Em 1984, assumiu a direção da Central Globo de Produção (CGP), dividindo com Boni as decisões sobre as produções artísticas da Rede Globo. Nessa época, supervisionou novelas de sucesso como 'Roque Santeiro' (1985), 'Vale Tudo' (1989), 'Que Rei Sou Eu?' (1989) e 'Rainha da Sucata' (1990). Esteve à frente do projeto das minisséries nacionais, que levou ao público adaptações de clássicos da literatura nacional, como 'Grande Sertão: Veredas' (1985) e 'O Tempo e o Vento' (1985). Participou também da criação do seriado 'Armação Ilimitada' (1985 a 1988), com Andréa Beltrão, André de Biase e Kadu Moliterno, programa que inovou ao apostar em uma nova linguagem para atingir o público adolescente.

Daniel Filho nos bastidores de 'Rainha da Sucata', 1990. — Foto: Acervo Globo

Saída e volta para a Direção de Núcleo

Daniel Filho esteve à frente do cargo de diretor da CGP até 1991, quando deixou a emissora. No período em que esteve afastado da Globo, dirigiu e produziu a série 'Confissões de Adolescente', exibida pela TV Cultura e, posteriormente, pelo canal Multishow. Em 1994, assumiu a função de Superintendente de Operações e Programação da TV Bandeirantes. Na emissora, também foi apresentador do programa 'Melhor de Todos', espécie de game show para jovens adolescentes.

Em 1995, Daniel Filho voltou a trabalhar na Globo, como Diretor de Núcleo, dirigindo 'A Vida Como Ela é', pequenas histórias de Nelson Rodrigues adaptadas para a televisão por Euclydes Marinho, exibidas como um quadro do Fantástico. No ano seguinte, participou da elaboração do programa dominical 'Sai de Baixo', sucesso que ficou no ar de 1996 a 2002: “O Sai de Baixo foi uma ideia do Luis Gustavo, que queria fazer num teatro um programa de televisão. A partir daí, eu cismei em fazer em São Paulo, porque eu teria verdadeiramente um programa de humor, porque o que aquela plateia risse, o Brasil estaria rindo”.

Em 1997, produziu e dirigiu o seriado 'A Justiceira', com Malu Mader, e, em seguida, 'Mulher', com Eva Wilma e Patrícia Pillar, ambos inspirados em modelos de programas norte-americanos. Para 'Mulher', Daniel chamou roteiristas dos Estados Unidos para auxiliarem no roteiro da série.

Direção da Central Globo de Produção

Em 1999, assumiu o cargo de diretor da Central Globo de Criação, coordenando um Conselho de Criação composto por Roberto Talma e Carlos Manga.

Em 2010, Daniel Filho dirigiu na Globo a série 'As Cariocas', baseada no livro de Sérgio Porto, com o mesmo nome. Para cada um dos dez episódios independentes, o diretor escolheu uma atriz. As histórias tiveram texto final de Euclydes Marinho e foram ambientadas em diversos bairros do Rio de Janeiro. Daniel Filho dividiu a direção da série com Amora Mautner e Cris D’Amato.

Em janeiro de 2011, Daniel Filho dirigiu a microssérie 'Chico Xavier', uma extensão do filme de mesmo nome baseado no livro 'As Vidas de Chico Xavier', do jornalista Marcel Souto Maior. Em julho do mesmo ano, voltou a trabalhar como ator, interpretando Salomão Hayalla no remake da novela 'O Astro'. A produção conquistou, no ano seguinte, o prestigioso Prêmio Emmy Internacional.

Em fevereiro de 2012, outro time de protagonistas femininas atuou na série 'As Brasileiras'. Baseada no modelo de As Cariocas, a série reuniu vinte e duas atrizes para representar a diversidade feminina do país, em uma viagem de Norte a Sul. O objetivo de As Brasileiras foi se afastar da conotação de mulher exuberante e mostrar a variedade de tipos físicos e idades que representam o gênero. Daniel Filho dividiu a direção de 'As Brasileiras' com Cris D’Amato e Tizuka Yamasaki.

Em 2015, Daniel Filho deixou a emissora.

Daniel Filho em 'O Astro - 2ª versão', 2011. — Foto: Rafael França/Globo

Cinema

Em 2000, passou a se dedicar também à Globo Filmes, empresa do Grupo Globo que ajudou a criar, em 1997. Em 2005, distanciou-se da televisão aberta e assumiu o cargo de diretor artístico da Globo Filmes. A essa época, já atuava como produtor de diversos filmes nacionais por meio de sua empresa, a Lereby Produções, como 'Cazuza – o Tempo não Pára' (2004), de Sandra Werneck e Walter Carvalho, além de produzir e dirigir filmes como 'A Partilha '(2001), 'A Dona da História' (2004), 'Se Eu Fosse Você' (2006), 'Muito Gelo e Dois Dedos d´Água' (2006), 'O Primo Basílio' (2007), 'Se Eu Fosse Você 2' (2009), 'Chico Xavier' (2010), 'Sorria, você está sendo filmado – O filme' (2015), 'Confissões de adolescente' (2014).

No cinema, Daniel Filho dirigiu filmes nas décadas de 1960, 1970 e 1980, como 'Cangaceiro Trapalhão' (1983), e atuou em mais de 25 produções, destacando-se sua participação em 'Os Cafajestes', de Ruy Guerra, 'O Beijo no Asfalto' e 'O Romance da Empregada', dirigidos por Bruno Barreto.

Daniel Filho é autor dos livros: 'Antes que me Esqueçam' (1988) e 'O Circo Eletrônico, Fazendo TV no Brasil' (2001).

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